Som na Caixa

Titãs
Nheengatu

(Som Livre)

titasnheengatuExistem, de antemão e no mínimo, quatro maneiras de encarar esse novo disco do Titãs: a) Como resultado natural das manifestações que tomaram o país em junho do ano passado; b) Como peça oportunista que se candidata a trilha sonora artificial das “vozes das ruas”; c) Fruto de uma necessária volta às raízes que acomete bandas cuja existência ultrapassa décadas, levando-se em conta que o grupo experimentou toda a sorte de sinais de decadência artística, incluindo repetitivos discos acústicos, álbuns de covers e ao vivo e integrantes em carreira solo de gosto duvidoso; ou d) Tudo ao mesmo tempo agora.

Em qualquer uma delas é necessário notar que, após a turnê do aniversário de 30 anos do álbum “Cabeça Dinossauro” (veja como foi no Rio), que resultou em um DVD gravado ao vivo há dois anos, o Titãs se mostrou uma voraz banda de rock de verdade, com quatro integrantes (+ um baterista anexado) tocando o tempo todo, sem as firulas que a quilométrica formação do passado naturalmente proporcionava – eis aí a grande mudança. Com o plus do produtor Rafael Ramos, cuja especialidade – entre outras – é justamente fazer a ligação direta entre o rock dos anos 80 e o de hoje, este “Nheengatu”, que tem no título esquisito referência a outro álbum do passado, “Õ Blésq Blom” (1989), surge, ainda assim, como um saudável rompante de sincera espontaneidade.

O que inclui, inclusive, certa sintonia com o cotidiano. É como se a banda, ensimesmada em questões menos importantes durante anos (séculos!), voltasse à crônica das ruas que notabilizou uma de suas melhores fases, quando partiu para um então inesperado flerte com o punk revelado em “Cabeça Dinossauro” (1986) e prosseguido em “Jesus Não Tem dentes No País dos Banguelas” (1987). É fácil notar que “Fardado” abre o disco atualizando a clássica “Polícia” com um “quê” de “Estado Violência”; que “Senhor” é espécie de “Igreja” misturada com “Dívidas”; que “Não Pode” é o novo hino contra a caretice no lugar de “Tô Cansado”; e que os palavrões salpicados aqui e acolá, com ênfase em “Baião de Dois” rementem a “Bichos Escrotos”, vítima de censura em outros tempos.

Mas tem mais. “Cadáver Sobre Cadáver” registra a tragédia de Santa Maria; o bom cover para “Canalha”, de Walter Franco, soa como um “mea-culpa” involuntário; e a dobradinha “Chegada ao Brasil (Terra a Vista)”/“Eu Me Sinto Bem” leva o grupo diretamente ao pop rock básico dos dois eficazes primeiros álbuns. Esse verdadeiro inventário sobre si próprio, contudo, não resulta em música de validade vencida, mas traz um convincente frescor que tem como principal virtude o uso do rock como repórter/cronista do dia a dia, uma de suas principais características, sobretudo quando há raiva, artificial ou não, pouco importa, de parte a parte, em música e letra. É a tal atitude inerente ao rock de que tanto se fala por aí e que faz desse “Nheengatu” o melhor disco de uma banda remanescente da década de 1980 em muitos anos.

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Comentários enviados

Apenas 1 comentários nesse texto.
  1. Paulo em agosto 24, 2014 às 23:13
    #1

    Ficou de fora da resenha uma música, a meu ver, muito subestimada, apesar do tema desconfortável. “Pedofilia” é uma música muito boa e que se não tem ligação com nenhum álbum oitentista da banda. Tem uma sonoridade mais aproximada com outro excelente álbum do início dos anos 90, o “Titanomaquia”. Aliás, acabei de assistir ao show do Circo Voador aqui no Rio de Janeiro e posso dizer que o único senão foi o fato de eles ignorarem solenemente “Tudo ao Mesmo Tempo Agora” e “Titanomaquia”.

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