O Homem Baile

Sem máscara

Titãs inicia a turnê do álbum “Nheengatu” com show ousado e potente no Circo Voador; grupo tocou 30 músicas, sendo 12 da nova safra. Fotos: Bruno Eduardo.

Paulo Miklos usando a máscara que remete ao clipe da música 'Fardado', tocada na abertura do show

Paulo Miklos usando a máscara que remete ao clipe da música 'Fardado', tocada na abertura do show

É madrugada de domingo e o sujeito de 55 anos está de joelhos na beirada do palco do Circo Voador com uma guitarra em punho solando com se fosse a última vez. A cena é impactante e a música é “Lugar Nenhum”, uma das mais agitadas do show que marca o início da turnê de lançamento de “Nheengatu”, o álbum que reconverte o Titãs em uma banda de rock daquelas. Miklos é a imagem da entrega total de uma banda que destila 30 músicas em cerca de duas horas de show sem tirar. Um apanhado de mais de 30 anos de carreira que emoldura as músicas novas, muitas delas já cantadas em coro por um público tão heterogêneo quanto às idas e vindas do próprio Titãs.

A surpresa vem logo no início, com os integrantes tocando com máscaras que remetem ao clipe de “Fardado”, o single que puxa “Nheengatu” (assista aqui). É ela que abre a noite com a plateia cantando verso por verso, na sequência de seis músicas novas logo de cara, demonstrando coragem e vitalidade. Tempo suficiente também para que as máscaras sejam deixadas de lado para “Polícia”, irmã mais velha de “Fardado” e com alto pode de combustão, incendiar a lona do Circo. A partir daí são alternadas as músicas novas com os clássicos, com clara prioridade para as canções mais diretas, mais rock, sem firulas. Na maior parte do tempo, eles conseguem montar uma boa sequência no set list, em que pese a dificuldade de realizar essa tarefa para uma banda em que três vocalistas se revezam continuamente.

Paulo Miklos e Tony Bellotto (guitarras), Branco Mello (baixo) e, ao fundo, Sergio Britto (teclado)

Paulo Miklos e Tony Bellotto (guitarras), Branco Mello (baixo) e, ao fundo, Sergio Britto (teclado)

Para quem perdeu o trem da história, desde que reviu o álbum “Cabeça Dinossauro”, quando este repertório foi tocado na íntegra em turnê (veja como foi no Rio), o Titãs voltou a ser uma banda de rock pesado, talvez até como nunca tenha sido antes. Com formação enxuta, se revestiu de uma aura de banda de garagem que desencadeou no bom álbum “Nheengatu” (resenha aqui), verdadeiro atestado com firma reconhecida desse processo. Como é autorreferente na maior parte do tempo, o novo material circula desimpedido em meio aos clássicos, o que garante certa unidade no show, mesmo quando essa ou aquela música ainda não é tão conhecida. Um bom elo é “Fala, Renata” (como encorpou!), que já vinha sendo tocada nos shows anteriores e é, junto com “Fardado”, entre as novas, as que têm maior participação do público. Ao todo, 12 das 14 faixas do disco novo foram tocadas, como já previa Sergio Brito nessa entrevista aqui.

Daí a imagem de Miklos ser emblemática. O sujeito, dado à multifuncionalidade, se revela um guitarrista dos bons, dividindo a incumbência com Tony Bellotto em duelos de ponta a ponta do palco que não aparecem nos autos da trajetória do Titãs. É assim em “Diversão”, que estampa a felicidade no trio de frente; na já citada “Lugar Nenhum”, cuja introdução alongada enlouque a multidão em velozes rodas de alegria no meio do salão; e até na tolinha “Sonífera Ilha”, transformada em um skazão hardcore de primeira necessidade que leva o trio a uma tocante coreografia na beirada do palco. O show tem sequências tão boas – veja o set list completo no final – que o encerramento com a baba “Marvin” traz um “quê” de serviço incompleto, muito embora resulte em unânime cantoria. Assim como em “Flores”, deliciosa e grudenta, agora renovada com uma inesperada guitarra flying V empunhada por Tony Bellotto.

Momento emblemático: Miklos tocando de joelhos durante 'Lugar Nenhum' na beirada do palco do Circo

Momento emblemático: Miklos tocando de joelhos durante 'Lugar Nenhum' na beirada do palco do Circo

Entre as novas, funcionam muito bem ao vivo a tensa “Baião de Dois”; “Cadáver Sobre Cadáver”, essa já cantada por boa parte do público, assim como “Senhor”, que inaugura a movimentação girante sob a lona; e o riff quase heavy metal que permeia “Mensageiro da Desgraça” de cabo a rabo, o que se verifica na ótima releitura de “Canalha”, de Walter Franco, revestida por uma atmosfera realmente sombria, a despeito do completo desconhecimento por parte da plateia. Com a história rodando em círculos, se mostra contemporâneo o discurso de músicas como “Estado Violência” e “Desordem”, só para citar duas. A prova cabal de que a crônica do cotidiano desentravada e explosiva do Titãs, reafirmada no material apresentado em “Nheengatu”, prossegue tendo eficácia e, mais que isso, se faz necessária. Como o próprio rock, diga-se.

Set list completo

1- Fardado
2- Pedofilia
3- Cadáver Sobre Cadáver
4- Baião de Dois
5- Chegada ao Brasil (Terra à Vista)
6- Senhor
7- Polícia
8- Fala Renata
9- Bichos Escrotos
10- Mensageiro da Desgraça
11- República das Bananas
12- Flores
13- AA UU
14- Desordem
15- Vossa Excelência
16- Diversão
17- Televisão
18- Cabeça Dinossauro
19- 32 Dentes
20- Quem São os Animais?
21- Estado Violência
22- Lugar Nenhum
23- Eu Me Sinto Bem
24- Sonífera Ilha
Bis
25- Canalha
26- Aluga-se
27- Homem Primata
Bis
28- Comida
29- Igreja
Bis
30- Marvin

Branco Mello mascarado toca baixo em uma das seis músicas novas tocadas em sequência logo de cara

Branco Mello mascarado toca baixo em uma das seis músicas novas tocadas em sequência logo de cara

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Comentários enviados

Existem 6 comentários nesse texto.
  1. Ubirajara Santos em agosto 24, 2014 às 13:30
    #1

    O show não havia começado com “Lugar Nenhum”?

    Tem algo errado com essa resenha.

  2. Marcos Bragatto em agosto 24, 2014 às 13:38
    #2

    Leia com mais atenção, por favor.

  3. Fernando em agosto 24, 2014 às 14:33
    #3

    O show foi absolutamente potente, emblemático, incrível!
    Parabéns pelo texto Marcos!

  4. João em agosto 24, 2014 às 23:59
    #4

    D++ esse show! Quase saí surdo. Titãs fizeram jus ao nome!!! A escolha das canções somadas as do novo disco e o formato que a banda assume foram incríveis! Nunca duvidei desses caras! Fico feliz com essa! Começar com ‘Fardado’ foi sensacional porque já colocou a galera pra cima e no ritmo da proposta do novo trabalho!

  5. Kaio em agosto 25, 2014 às 7:52
    #5

    Ótima resenha! Captou bem o espírito do show sensacional que os Titãs fizeram anteontem.
    Já assisti a 4 shows deles (todos bons), e este foi o melhor. Senti falta das canções do “Titanomaquia”, mas tudo bem, foram 30 músicas muito bem escolhidas, priorizando as de temática política (e concordo, “Desordem” e “Estado Violência” são tão atuais que senti certa catarse no show).
    “Nheengatu” foi uma grata surpresa, a ressurreição de uma banda que não lançava um grande risco há quase vinte anos. Espero que a recepção extremamente calorosa que ele vem tendo de público e crítica anime a banda a continuar nessa linha de rock pesado e não voltar mais à auto-sabotagem que foi a era pós-Acústico.

  6. Carlos em agosto 27, 2014 às 21:15
    #6

    Levei meu filhão ao show no Circo Voador. Ele no fim comentou “que show de rock, eles não cansam, que energia!” O rock Brasil ainda vive.

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