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Racha na Abrafin: festivais ‘não se sentiam representados’

‘Grupo dos 13′ faz duras crítica à entidade; leia a íntegra do texto que comunicou o afastamento

Conforme noticiado mais cedo, 12 festivais decidiram se desfiliar conjuntamente da Abrafin - Associação Brasileira de Festivais Independentes. A debandada foi decidida ontem (13/12), dentro do Congresso Fora do Eixo, que acontece em São Paulo, e oficializada hoje.

O Rock em Geral obteve com exclusividade e em primeira mão o documento redigido e assinado pelos representantes dos 13 festivais: Goiânia Noise Festival, Abril Pro Rock (Recife), Casarão (Porto Velho), Psycho Carnival (Curitiba), DemoSul (Londrina), 53 HC (Belo Horizonte), PMW (Palmas), RecBeat (Recife), Mada (Natal), El Mapa de Todos (Brasília), Campeonato Mineiro de Surf (Belo Horizonte), Gig Rock (Porto Alegre) e Tendencies Rock (Palmas). O Mada já havia deixado a entidade desde agosto, mas só agora oficializou a saída.

O texto aponta vários motivos para a saída da Abrafin, sendo o principal o fato de o grupo não sentir mais representado pela entidade. Foram apontados dois pontos em comum a todos os festivais que assinam o documento, segundo o texto: “Não pertencerem ao coletivo Fora do Eixo (…) e não se sentirem representados pela Abrafin”. Para o “Grupo dos 13″, “boa parte da aura de independência se esvaiu e, não raras vezes, percebemos que a entidade é vista com desconfiança.”

O grupo evidencia uma disputa política ao apontar a interseção de interesses entre Abrafin e Fora do Eixo. “Infelizmente, nos últimos anos, houve uma indevida sobreposição entre as duas entidades. O fato desta reunião da Abrafin estar acontecendo dentro de um Congresso Fora do Eixo é prova irrefutável desta sobreposição”, diz o texto. “A opinião pública, obviamente, tem sido incapaz de diferenciar Abrafin e Fora do Eixo.”

Num outro parágrafo, é ressaltada uma nociva centralização na entidade: “O atual panorama da produção musical independente brasileira evidencia os diversos caminhos e abordagens adotados no conjunto de festivais que se congrega na Abrafin. Adotar um modelo único de funcionamento é um erro crasso, completamente oposto às premissas da fundação da entidade.”

Em diversos trechos o texto usa a expressão “nos últimos tempos” ou equivalente, numa referência à gestão do novo presidente da Abrafin, Talles Lopes (leia entrevista aqui), oriundo do Fora do Eixo, iniciada este ano. “Nos últimos tempos o que se tem percebido é uma distensão entre estes dois pólos. Cada vez mais a Abrafin e artistas têm se encarado de forma animosa, como se fossem opostos”, diz o texto, refletindo a repercussão dos debetes travados pelas partes na redes sociais recentemente. “A concepção original preconizava músicos e produtores como pares, como partes de uma mesma engrenagem capaz de fazer a música independente avançar rumo a um profissionalismo cada vez mais acentuado, bem como a uma total liberdade criativa.”

O “manifesto” também vê, no jeito de atuar da Abrafin, semelhanças com os vícios da velhas indústria musical, sempre combatidos no meio independente. “Estabelecer um grupo único e excludente de artistas que são sempre os mesmos a circular artificialmente por todos os festivais é atentar contra a própria razão de ser da Abrafin. Mais que isso, é transformar o circuito de festivais congregados pela entidade num pastiche do mainstream da velha indústria fonográfica”.

O Congresso Fora do Eixo continua hoje e vai até domingo, dia 18. De lá deve sair uma posição dos integrantes remanescentes da Abrafin e do próprio FDE sobre a saída dos 13 festivais e os rumos as serem tomados pela entidade, que, esvaziada, pode até deixar de existir. Abaixo, a íntegra do documento redigido pelo “Grupo dos 13″:

“Prezados,

Existe um debate acerca da Associação Brasileira de Festivais Independentes (ABRAFIN) ocorrendo dentro e fora da entidade. Deste debate público depreendem-se importantes pontos, dentre os quais a evidência de que a ABRAFIN não é mais uma unanimidade. Boa parte da aura de independência se esvaiu e, não raras vezes, percebemos que a entidade é vista com desconfiança. Qualificar e aprofundar este debate de forma íntegra, democrática e sem ranços é uma necessidade que se impõe à ABRAFIN e à própria rede de festivais independentes espalhados pelo país.

Goiânia Noise Festival, Abril Pro Rock, Casarão, Psycho Carnival, DemoSul, 53 HC, PMW, RecBeat, MADA, El Mapa de Todos, Campeonato Mineiro de Surf, Gig Rock e Tendencies são festivais afiliados à ABRAFIN (alguns deles membros-fundadores) que não se sentem à vontade com o atual estado de coisas. Discutindo os rumos tomados pela entidade nos últimos anos, estes festivais, apesar de sua diversidade, apresentam dois aspectos em comum: não pertencerem ao coletivo Fora do Eixo (ainda que praticamente todos eles possuam parcerias pontuais com este mesmo coletivo) e não se sentirem representados pela ABRAFIN. Com base nesta constatação, o conjunto de festivais em questão elaborou este documento apresentando suas perspectivas e anseios em relação à entidade.

A ABRAFIN deve ser capaz de abarcar a complexidade, as diferenças e particularidades de seus festivais membros. O atual panorama da produção musical independente brasileira evidencia os diversos caminhos e abordagens adotados no conjunto de festivais que se congrega na ABRAFIN. Adotar um modelo único de funcionamento é um erro crasso, completamente oposto às premissas da fundação da entidade. Em um país de tantas diferenças e de proporções continentais como o Brasil é inadmissível acreditar na existência de um só paradigma que valha de Norte a Sul. Cada festival possui não apenas a autonomia, mas principalmente a expertise necessária para lidar com sua realidade local, bem como com sua proposta estética.

A ABRAFIN não é e jamais deverá ser Fora do Eixo. Com erros e acertos, o Fora do Eixo é uma das diversas possibilidades no trabalho com a música independente brasileira. Não é a única. Infelizmente, nos últimos anos, houve uma indevida sobreposição entre as duas entidades. O fato desta reunião da ABRAFIN estar acontecendo dentro de um Congresso Fora do Eixo é prova irrefutável desta sobreposição. A opinião pública, obviamente, tem sido incapaz de diferenciar ABRAFIN e Fora do Eixo. Cabe à ABRAFIN se desfazer deste erro e voltar a lidar com a multiplicidade de enfoques que existe em seu arcabouço.

O estatuto da ABRAFIN deve ser mantido e respeitado. Sua construção foi fruto de anos de trabalho laborioso, norteado pelo espírito de independência da nova música brasileira, bem como por sua diversidade e complexidade. Nele estão edificados conceitos ainda pertinentes e válidos, como aquele que define o que vem a ser um festival independente aos olhos da entidade. Abrir mão deste patrimônio é esvaziar de forma oportunista o próprio espírito da ABRAFIN.

A condição de três anos consecutivos para que um festival se filie à ABRAFIN deve ser mantida. Esta premissa tinha vistas a afastar a entidade de festivais aventureiros que surgem aos montes a cada instante. Para que a ABRAFIN seja uma entidade sólida, em sua composição deve haver apenas festivais que apresentem este compromisso com a continuidade. De outra forma não será possível construir um circuito efetivamente forte de festivais por todo o território brasileiro.

Festivais independentes e artistas não são entes antagônicos. A fundação da ABRAFIN trazia em sua concepção a moderna ideia de que tanto os festivais e seus produtores quanto as bandas e artistas que nele se apresentavam necessariamente faziam parte de um mesmo grupo, uma mesma proposta e um mesmo ideário. Nos últimos tempos o que se tem percebido é uma distensão entre estes dois pólos. Cada vez mais a ABRAFIN e artistas têm se encarado de forma animosa, como se fossem opostos. A concepção original da ABRAFIN preconizava músicos e produtores como pares, como partes de uma mesma engrenagem capaz de fazer a música independente avançar rumo a um profissionalismo cada vez mais acentuado, bem como a uma total liberdade criativa.

A ABRAFIN é uma entidade que congrega e aglutina festivais independentes ao longo do país. A razão de ser de cada um de seus festivais afiliados é converter-se em plataforma para a nova expressão musical brasileira. Cada festival deve trazer em si o compromisso com o novo, com a diversidade e com a riqueza musical do nosso país e do mundo, a partir do olhar estético que é próprio de cada afiliado. Estabelecer um grupo único e excludente de artistas que são sempre os mesmos a circular artificialmente por todos os festivais é atentar contra a própria razão de ser da ABRAFIN. Mais que isso, é transformar o circuito de festivais congregados pela entidade num pastiche do mainstream da velha indústria fonográfica.

Dividir a ABRAFIN em regionais é algo a ser evitado neste momento de ataques, dúvidas e fragilidades. Os festivais, cada qual em sua região, já agem localmente. Inflar a entidade com outros tantos festivais de trajetória ainda incipiente ou mesmo duvidosa é abrir brechas para uma ainda maior fragilização da entidade. Ao contrário, a ABRAFIN deve se fortalecer a partir das premissas expressas em seu estatuto, assegurando solidez para saltos maiores num futuro, quiçá, próximo.

Ser ponta de lança na efetiva construção de um mercado independente sustentável é um dos pilares da ABRAFIN. Tal construção passa, necessariamente, pelo apoio do poder público progressista. Por esta via, o uso de verbas públicas deve ser estratégico e voltado para a construção, a médio e longo prazos, deste mesmo mercado. Desafortunadamente, o que se tem visto é uma ABRAFIN que cada vez mais enxerga os recursos públicos como um fim e não como um meio. É papel da ABRAFIN buscar recursos não apenas junto ao poder público, mas também à iniciativa privada, sempre tendo a independência como paradigma de primeira ordem.

A ABRAFIN é uma entidade suprapartidária e superior a qualquer grupo que esteja sob sua alçada. A atuação política da ABRAFIN se dá pelo próprio caráter transformador e progressista da arte e da cultura. A ABRAFIN deve estar a serviço, única e exclusivamente, de seus afiliados e da cadeia produtiva que os cerca.

Tal e qual foi explicitado no início deste documento, o conjunto de festivais que ora o redige não se sente mais representado pela ABRAFIN. Por esta via Goiânia Noise Festival, Abril Pro Rock, Casarão, Psycho Carnival, DemoSul, 53 HC, PMW, RecBeat, MADA, El Mapa de Todos, Campeonato Mineiro de Surf, Gig Rock e Tendencies vêm respeitosamente solicitar sua desfiliação da Associação Brasileira dos Festivais Independentes. Todavia, o mesmo grupo entendeu por bem contribuir para o debate acerca da entidade compreendendo o importante papel que ela pode vir a cumprir na seara da produção cultural brasileira.

Não se trata aqui de uma debandada movida por disputas políticas internas. Fosse assim, a desfiliação seria uma estratégia absurdamente equivocada. É notório que o grupo que assina este documento possui força e representatividade para quaisquer disputas dentro da entidade, mas tais disputas estão completamente fora do escopo de seus interesses. A sobreposição existente entre ABRAFIN e Fora do Eixo tem criado uma série de desafortunados e prejudiciais mal-entendidos a este conjunto de membros e, por ora, a alternativa entendida como mais apropriada a todos aqui é o afastamento.

Sucesso a todos!”

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Comentários enviados

Existem 7 comentários nesse texto.
  1. Renato em dezembro 14, 2011 às 22:54
    #1

    Bela notícia. Mas, não pude deixar de observar que tem produtor aí que era da mesma chapa do atual presidente da entidade e que, durante a campanha eleitoral de 2010, era também um dos mais entusiasmados e aguerridos defensores desse modelo. Num piscar de olhos, ninguém nunca teve nada a ver com isso. Cômico. Filho feio não tem pai….

  2. VB RR em dezembro 15, 2011 às 9:52
    #2

    “.. E a verdade enfin, vos libertará..”

    Pode-se enganar alguém por muito tempo, enganar vários por algum tempo, mas não pode-se enganar a todos o tempo todo.

  3. Renato em dezembro 15, 2011 às 12:31
    #3

    Galera muda da água pro vinho de acordo com a conveniência.

  4. observador em dezembro 15, 2011 às 15:15
    #4

    Monopólio, oligopólio, ditadura.
    A idéia do FDE é ótima, de fato revolucionária. Mas não funciona, só pra os “univeritários”, ou seja, não há sustentabilidade. É só ver aí, a Superguidis tinha conteúdo e qualidade pra continuar na ativa, mas a MQN é banda de produtor né… Não estou desmerecendo a MQN, mas tem de ver isso aí. Esse não é o único caso. Lamentável, troca-se um jabá por outro.

  5. larissa em dezembro 15, 2011 às 18:32
    #5

    Tive o desprazer de ir no Festival Mundo, aqui em João Pessoa, e me decepcionar com o evento que deu meia hora para as bandas tocarem. Infelizmente, o grande público não sabe disso…

  6. Presto em dezembro 15, 2011 às 22:46
    #6

    O que ninguem tá prestando atenção é que o FDE se transformou num mainstream, que hoje não é mais alternativo. E então, como disse o documento, promove as mesmíssimas bandas “eleitas” com muito mais boa-vontade, assim como o mainstrem original sempre fez. Logo, logo não vai haver diferença entre o “primeiro escalão” do FDE e o mainstream. Será que é o dinheiro que faz isso?

  7. Anderson em dezembro 16, 2011 às 13:30
    #7

    FDE e ABRAFIN nunca foram fomentadores de novas bandas. Essa história de rock independente é a maior mentira de todas é sempre as mesmas bandas que tocam nesses festivais.

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