O Homem Baile

Noite épica

Encantamento recíproco entre público e artista faz do show do Pearl Jam no Rio uma celebração sem precedentes. Fotos: Luciano Oliveira.

Frenético: Eddie Vedder não parou e pular, além de tocar guitarra em boa parte do tempo

Frenético: Eddie Vedder não parou e pular, além de tocar guitarra em boa parte do tempo

Pelo retrospecto das últimas apresentações e a lembrança do show arrasador na mesma Praça da Apoteose, seis anos antes, era de se esperar uma noite e tanto, ontem, no Rio, mas o Pearl Jam se superou. O quinteto deu à cidade o maior show dessa turnê, com a inclusão de canções nevrálgicas em versões surpreendentes e a uma performance frenética de parte a parte; do palco para o público e do público para o palco. A platéia, estimada em 35 mil pessoas, fez de tudo. Cantou, aplaudiu, acompanhou com palmas, soltou balões de gás, puxou coros, se divertiu, encheu os olhos d’água com as nada menos que 30 músicas tocadas em mais de duas horas e quarenta minutos. Um momento épico que irá perdurar para todo o sempre no inconsciente coletivo de todos e na memória individual de cada um.

O guitarrista Mike McCready tocou feito criança

O guitarrista Mike McCready tocou feito criança

Um inspirado Eddie Vedder comandou o espetáculo em meio a goles de vinho, baforadas de cigarro e inacreditáveis saltos de lado a outro do palco. Embora o repertório, pinçado em meio a 200 músicas que eles trazem ensaiadas de casa, seja definido antes do início do show, a impressão que se tem é que o vocalista vai comandando tudo na hora, conseguindo, no feeling, na intuição, encaixar peças que resultam numa noite emocionante com início, meio e fim. É impressionante como a ordem das músicas, em princípio aleatória, vai pegando aos poucos até chegar ao ápice, lá no bis. Entenda-se que, no caso do Pearl Jam, o primeiro deles começa mais ou menos na metade do show, e que há a licença poética para se apontar, no mínimo, três desses ápices.

Um deles vem na dobradinha “Mother”, do Pink Floyd/“Better Man”. A emocionante reflexão de um garoto sem pai sobre as questões profundas da guerra e as trivialidades infantis encontra saída no homem melhor, cada vez mais difícil de achar. De certa forma, é o próprio Vedder que se identifica com as canções, a julgar pela contagiante interpretação emocionada e pela deslumbrante entrada de Mike McCready, no histórico solo de David Gilmour. Se Eddie Vedder é o senhor do palco, McCready é o coadjuvante de luxo que ameaça tomar as glórias de quem tem o papel principal, solando feito criança que não sabe a hora de para de brincar. O que ele fez em músicas como “Corduroy”, “Even Flow” e “Faithfull” não está no gibi.

Stone Gossard: colocando as manguinhas de fora

Stone Gossard: colocando as manguinhas de fora

Mas o guitarrista é responsável pelo segundo desses ápices. Naquilo que parecia ser o final do show, praticamente costura os solos sem fim da indispensável “Alive” com “Rockin’ in the Free World”. A música ganha uma versão arrasa quarteirão de cerca de dez minutos, sendo que, no nascedouro, com Neil Young, ela já poderia destruir cidades inteiras. A farra do riff e das guitarras é tão grande que até Stone Gossard, coadjuvante vocacional, desanda a solar desesperadamente, coisa que só havia feito, até então, na agitada “Do The Evolution”. Gossard é, sem dúvida, um dos melhores guitarras base em todos os tempos.

A inclusão de covers em um show de uma banda com tantas músicas queridas – sempre tem um fã querendo essa ou aquela que não entrou – se explica porque não são releituras do nada. Eddie Vedder encaixa essas músicas num contexto que tem a ver com o conjunto da obra do rock em si. O vocalista, encapetado no palco, parece não ser ele próprio, mas a personificação do rock, a reencarnação de tudo o que o rock já produziu de seminal, de visceral, vivo, pulsante, atual e retrospectivo ao mesmo tempo. Não representa nenhum personagem, mas vive o rock no dia a dia. Eterno, como o próprio rock, dá voz a tudo isso. É assim que ele registra, num português lido, mas com espontaneidade denunciada no sotaque de esforçado aprendiz, a saudade que tem de um mito como de Johnny Ramone, para soltar a dobradinha “Come Back”/“I Believe In Miracles”, dos Ramones, o terceiro dos grandes auges da noite.

Vedder 'também cantou' e se emocionou

Vedder 'também cantou' e se emocionou

Mais do que em outras épocas, Eddie Vedder tocar guitarra em muitas das músicas, o que não parece nada, mas leva o quinteto (com a ajuda do discreto tecladista Boom Gaspar) a improvisações espetaculares. Acontece em “Rearviewmirror”, com o pedestal do microfone lançado ao chão; em “Got Some”, com o ótimo baterista Matt Cameron fazendo das suas; e em “Of The Earth”. Em outras falas de português torto, Eddie Vedder diz que se “lembra do Sambódromo e que estava com saudade” da histórica passagem de 2005 (veja como foi). “O mar e as montanhas são especiais aqui no Rio, mas são as pessoas que fazem a cidade bonita de verdade”, diz ainda, antes de “Elderly Woman…”, com as luzes sobre o público acessas.

Eddie tem razão. É o público quem puxa “ô-ô-ôs” certeiros e cala ele próprio, em “Daughter”, por exemplo. Que vibra e canta quase todas as músicas – poucas com vocação pop, diga-se. Que proporciona um trânsito de emoção de mão dupla cada vez mais difícil de se encontrar em grandes espetáculos. Mais que um show de rock de grandes dimensões, a noite de ontem, épica, realça o significado do rock propriamente dito. Um verdadeiro encontro com a eternidade.

Set list completo:

1- Unthought Known
2- Last Exit
3- Blood
4- Corduroy
5- Given To Fly
6- Nothingman
7- Faithfull
8- Even Flow
9- Daughter
10- Habit
11- Immortality
12- The Fixer
13- Got Some
14- Elderly Woman Behind the Counter in a Small Town
15- Why Go
16- Rearviewmirror
Bis
17- Just Breathe
18- Come Back
19- I Believe In Miracles
20- State Of Love And Trust
21- Of The Earth
22- Do The Evolution
23- Jeremy
Bis
24- Mother
25- Better Man
26- Black
27- Alive
28- Rockin’ in the Free World
29- Indifference
30- Yellow Ledbetter

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Comentários enviados

Existem 13 comentários nesse texto.
  1. Sávio em novembro 7, 2011 às 20:47
    #1

    Ótima resenha do show! Foi meu primeiro show do Pearl jam (e espero que não seja o único), e com certeza guardarei na memória pra sempre. Fantástico!

  2. Julio Cortez em novembro 7, 2011 às 22:52
    #2

    Estive no show de 2005 e no de ontem, e tal qual o vinho de Mr. Vedder, a banda vai ficando melhor com o passar dos anos. Bela resenha, reproduziu fielmente o sentimento do show de ontem. Parabéns, Bragatto.

  3. Selma Boiron em novembro 8, 2011 às 8:35
    #3

    É… Não sei o que foi melhor, se o show ou se sua resenha, Bragatto. Fiel e direto na veia! Como o rock’n roll do Pearl Jam… Boa, garoto!

  4. Marcos Bragatto em novembro 8, 2011 às 8:53
    #4

    O melhor é tu me chamar de garoto, Selma!

  5. Rowse em novembro 8, 2011 às 9:12
    #5

    Orgulho máximo de ter ido a este show!

  6. be em novembro 8, 2011 às 10:59
    #6

    Estive no show de SP no dia 4, mas me emocionei com essa resenha do show no Rio! Belo texto, parabéns a quem escreveu… sensacional! Vida eterna ao Pearl Jam, umas das poucas bandas de rock’n'roll de verdade no cenário mundial.

  7. be em novembro 8, 2011 às 11:00
    #7

    Ah, e parabéns também pela cobertura completa do site “Rock em Geral” a respeito do Pearl Jam. Melhor site especializado em rock é aqui! Parabéns a todos!

  8. Flavi em novembro 8, 2011 às 11:26
    #8

    Ótima resenha! Descreve exatamente o que foi aquele show!
    Fui em 2005 quando eu tinha apenas 15 anos e fiquei deslumbrada com tudo, era meu primeiro show grande. Agora, no domingo, com 21 anos, muitos shows depois, eu percebo que o deslumbramento não era pela idade ou por ser o primeiro show, é que simplesmente o Pearl Jam é incrível! Eu “vi” o rock, o rock que não se vê mais por aí, pela segunda vez na minha vida, e espero as próximas!

  9. Vicente Paes em novembro 8, 2011 às 13:43
    #9

    Essa retratou todo o espírito do show. Vamos aguardar por mais um retorno. Vamos torcer para que não demore tanto tempo! rsss

  10. André Baba em novembro 8, 2011 às 15:44
    #10

    Grande Bragatto,

    Sua resenha me emocionou tal qual me emocionei no show deste último dia 6. Lendo, consegui ao mesmo tempo ter flashs do show em minha memória.

    Espero que não demore para que eles voltem.

    Um abraço.

  11. fabio fernandes em novembro 8, 2011 às 17:11
    #11

    Foi melhor que o primeiro que ele fez aqui no Rio!

  12. Patricia em novembro 8, 2011 às 19:03
    #12

    “Guitarrista base” e “guitarrista solo” não existe, meu caro. Ou o cara é guitarrista ou não é. Pergunte a qualquer um se ele “faz base” ou “faz solo” e prepare-se para virar piada.

  13. rafael Pearl Jam em novembro 9, 2011 às 11:27
    #13

    A resenha diz tudo. O show foi assim descrito. Perfeito.

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