No show do Pearl Jam, público é que surpreende e rouba a festa
Em noite de muita emoção, Eddie Vedder se rasga em elogios aos fãs cariocas. Fotos: Kerensa Wight/Divulgação site oficial
Fazia tempo que não se via uma Praça da Apoteose tão vibrante, incluindo aí os dois finais e semana a que o Carnaval tem direito. E também fazia tempo que todo mundo no Rio clamava por um show do Pearl Jam, ao menos desde o início dos anos 90, quando, a cada edição do extinto Hollywood Rock a banda de Seattle era anunciada/pedida para o ano seguinte. Uma demanda de várias gerações só poderia mesmo acarretar num espetáculo cercado de fortes emoções e que mobilizou uma cidade inteira, incluindo até a mídia desespecializada.
Em setores da especializada, aliás, a surpresa talvez tenha sido maior ainda. Não é de hoje que se reclama horrores quando as ditas rádios rock tocam “Alive”, primeiro grande sucesso da banda, o tempo todo na programação. Dava a entender que, no Brasil, a fase do álbum “Ten”, que catapultou o Pearl Jam para o mundo, era a única conhecida do público, e que os demais álbuns eram meramente ignorados. Pois o show do histórico 4 de dezembro de 2005, além de toda aura, teve também o mérito de desfazer essa máxima. Tanto que “Last Exit”, do (fraco) álbum “Vitalogy”, abriu o show com praticamente um só coro de 40 mil vozes. Fosse qual fosse o repertório escolhido pela banda (e ele muda a cada noite) e essas insistentes vozes continuariam a cantar sílaba por sílaba.
Mesmo sem lançar um disco de inéditas desde 2002 – o ótimo “Riot Act” - o Pearl Jam é hoje uma banda de rock feroz que tem a força no excelente baterista Matt Cameron, e no impecável entrosamento entre os dois guitarristas: o comedido Stone Gossard, um dos melhores guitarristas base do rock contemporâneo, e o nervoso Mike McCready, que por mais de uma vez solou alucinadamente, chegando a usar os dentes para tirar som da guitarra. Mas é Eddie Vedder quem melhor emblematiza a banda. Nesta turnê ele estava, inclusive, bem caracterizado, como um messias do rock que regia e interagia com um rebanho fiel. Com barba e cabelos longos, e um casaco desses de estudante que entra pra a UNE, só faltou mesmo a bolsa de couro atravessada a tronco. Tomado pela emoção da platéia, ele não se conteve. Citou as escolas de samba, disse que o Rio era melhor que Seattle, puxou um corinho de “Hey! Ho! Rio! ” (numa alusão aos Ramones, sua banda predileta), e elogiou e agradeceu à platéia se cobrindo com uma bandeira brasileira jogada a palco. No final, chegou a descer no fosso que separa o palco do público e quase não voltou. E tudo isso gastando um português lido num caderninho que carregava com ele, junto com a já tradicional uma garrafa de vinho tinto.
Difícil, em meio a um verdadeiro ritual de adoração, apontar momentos melhores que os outros. E nem dá para reclamar quando absolutamente tudo é aplaudido e cantado por todos. Talvez tenha sido a seqüência “Even Flow”, “Leatherman”, “Given To Fly” e “Daughter”, até porque nesta última o público inventou na hora um “ô ô ô” percebido pela banda e que seria repetido em outros intervalos. Talvez fosse o encerramento do primeiro bis, com a já citada “Alive” – foi nela que McCready escovou os dentes com a guitarra. Ou até nas covers para “I Believe In Miracles” (Ramones), em homenagem a Johnny Ramone, falecido este ano, seguido de “Kick Out The Jams” (MC5), tocado junto com integrantes do conterrâneo Mudhoney, que abrira o show. Ou, ainda, quem sabe, o espetacular segundo bis, com nada menos que “Last Kiss”, “Black”, “Jeremy”, “Yellow Ledbetter” e a inesperada “Baba O’Riley”, do Who. Não dá pra saber.
O certo mesmo é que duas horas e meia e 28 músicas depois, a Praça da Apoteose era uma terra devastada e feliz. Cada minuto de espera valera à pena. Coisas que, diria o filósofo, só o rock’n’roll pode proporcionar
Set list oficial
Last Exit
Do The Evolution
Save You
Animal
Insignificance
Interstellar Overdrive/Corduroy
Dissident
Even Flow
Leatherman
Given To Fly
Daughter
Don’t Gimme No Lip
Not For You
Small Town
Down
Once
Go
Bis
Soon Forget
Better Man
I Believe in Miracles
Blood
Kick Out The Jams
Alive
Bis
Last Kiss
Black
Jeremy
Yellow Ledbetter
Baba O’Riley