O Homem Baile

Trovador acompanhado

Em turnê solo, Eddie Vedder vai além do acústico e do cover, em apresentação pouco intimista e com ênfase no catálogo do Pearl Jam. Fotos: Luciano Oliveira.

Eddie Vedder inicia o show tocando guitarra, sentado num banco como se estivesse numa rua qualquer

Eddie Vedder inicia o show tocando guitarra, sentado num banco como se estivesse numa rua qualquer

Perto da meia-noite de domingo para segunda e um céu chega a brilhar de tão azul dentro do Citibank Hall, no Rio. No palco, dois incautos tocam respectivamente guitarra e violão, sobre um tema instrumental pré-gravado, em um clima de “Era de Aquarius”, como sem estivéssemos em plena geração flower power. Um dos rapazes é o vocalista do Pearl Jam, Eddie Vedder, e é por isso que de cerca de 2800 pessoas lotam o lugar sentadas – agora já nem tanto – sem poder tirar um retratinho sequer. O outro sujeito é o músico folk Glen Hansard, irlandês que tem um Oscar de melhor canção nas costas. A música, sempre usada no encerramento dos shows, é “Hard Sun”, que remete ao filme “Natureza Selvagem”, cuja trilha é de Vedder. Duas e horas e pouco e 30 músicas depois do início do show e o público tem uma indisfarçável expressão de êxtase.

Se não é um show de rock como um show de rock deve ser, tampouco a apresentação de Eddie Vedder é monotonamente acústica. O músico tem os seus segredos e graças aos deuses do rock, pouco usa o ukelele com o qual gravou enfadonhamente um disco inteirinho. Vedder parece um trovador nada solitário e, entre outras artimanhas, usa violões, guitarras, um mini bumbo eletrônico e sons pré-gravados, sem o constrangimento do playback. É por isso que gente como Johnny Ramone certamente não se revira no túmulo quando “I Believe In Miracles” (Ramones), há tempos incorporada no repertório do Pearl Jam, é tocada. E Neil Young, coverizado simplesmente em “The Needle and the Damage Done”, seguramente deve abrir um sorriso do tipo “meu garoto!”. O cantor relembra quando veio ao Brasil pela primeira vez, nos anos 90, gravando imagens para os Ramones na turnê que passou pela América do Sul.

Ele também conversa bastante com o público, com boas tiradas, mesmo porque é impossível não responder às sacadas da plateia, em geral mal educada como se o show fosse para seu próprio umbigo. EV conseguir o que parecia impossível: apagar os malditos registradores de vídeo, essa praga mundial que diminui o artista e impede o verdadeiro divertimento em um show de rock. Ok que ele tenha se aproveitado da voluntariosa truculência dos seguranças, mas vale a pena o show “em tempo real”, como ele mesmo diz. Daí a aguentar um fã cantando “Should I Stay Or Should I Go”, do Clash, no palco, com Eddie errando mais que ele, nem chega a ser tarefa das mais árduas, embora seja difícil acreditar que ainda exista quem não saiba a diferença entre show e sessão de autógrafos.

Glen Hansard esqueceu a letra de sua música, na abertura, mas fez bons duetos com Eddie Vedder

Glen Hansard esqueceu a letra de sua música, na abertura, mas fez bons duetos com Eddie Vedder

Não é só de cover que vive o show, se consideramos as músicas do Pearl Jam como se fossem de Eddie Vedder. Há que se ponderar o fato de que ele, acometido por uma insofismável síndrome de “Stairway to Heaven”, tenha optado apenas por “não clássicos” do grupo, mas, de outro lado, para uma plateia babona com essa, qualquer coisa que visse do PJ seria recebida com adoração. O que – de fato – não tira o mérito, mesmo das versões “alternativas”, de músicas como “Porch”, transformada no grande hit da noite, no encerramento, antes do bis; “Better Man”, que empolga com um trecho cantarolado; e “Just Breathe”, dedicada ao dia das mães, representadas na envergonhada manager de Vedder e do Pearl Jam, arrastada ao palco quase que à força.

Eddie Vedder faz de tudo para que a coisa soe natural e improvisada, e, por vezes, é assim mesmo que funciona. Numa das participações, Glen Hansard é pego de surpresa por uma mudança de última hora no roteiro, e parece que aprende a tocar “Elderly Woman…” ali, na hora mesmo. Mas o melhor momento da dupla vem depois, na cover de “Sleepless Nights”, dos Everly Brothers, totalmente sem amplificação, no maior estilo trovador; pena o público - de novo! - ter interrompido. Em relação aos três shows anteriores, em São Paulo, durante a semana (saiba mais), Vedder acrescentou três músicas ao repertório: “Goodbye”, do álbum “Ukelele Songs”; “4th Of July”, cover do X, que abriu a turnê pelo Brasil em 2011 (veja como foi no Rio); e “Present Tense”, do Pearl Jam.

Eddie Vedder traz discursos anotados em português debaixo do braço, sempre enfatizando seu lado surfista/hippie/natureba. Num deles, pede para ser sequestrado por alguém do Rio até o final da Copa, de preferência em uma casa de frente para o mar. Exibe uma réplica da Taça Fifa, antecipando o título do Brasil, como parte do cenário, planejado a dedo, com telões com temas urbanos, como se fosse ele um violeiro de rua, céus estrelados, fogueira fake que sugere clima de luau e outras parafernálias que contribuem para o clima e para o esvaziamento do bolso dos fãs. Mas, no fim das contas, é isso que dá à apresentação uma cara que não se encontra em outras turnês solo, e acaba por cativar ainda mais um público, de antemão, nas mãos do artista. Tudo, claro, graças a uma das maiores bandas de rock em todos os tempos. Se você é fã dela, vai adorar. Senão, vai achar, no mínimo, divertido.

Set list complete Eddie Vedder

1- Brain Damage
2- Sometimes
3- Trouble
4- Good Woman
5- Thumbing My Way
6- Can’t Keep
7- Sleeping By Myself
8- Goodbye
9- Light Today
10- I Am Mine
11- Better Man
12- Far Behind
13- Setting Forth
14- Guaranteed
15- Long Nights
16- You’ve Got to Hide Your Love Away
17- I Believe in Miracles
18- Immortality
19- The Needle and the Damage Done
20- 4th of July
21- Just Breathe
22- Elderly Woman Behind the Counter in a Small Town
23- Sleepless Nights
24- Society
25- Present Tense
26- Falling Slowly
27- Should I Stay or Should I Go
28- Porch
Bis
29- Hard Sun
30- Dream a Little Dream of Me

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Comentários enviados

Existem 6 comentários nesse texto.
  1. Bernardo em maio 12, 2014 às 15:49
    #1

    Uauu.. Que bela resenha! Parabéns ao site Rock em Geral, saindo na frente da concorrência mais uma vez… Muito bom! Falando do talentoso Vedder, ele consegue criar um show solo com se tivesse realmente uma banda no palco. EV é fora do sério, por isso me orgulho de ser fã desse cara. Valeu pela resenha Rock em Geral! Genial.

  2. Rodrigo Teixeira em maio 13, 2014 às 0:22
    #2

    Excelente resenha! Principalmente quando atenta para o fato da completa falta de educação de parcela do público, que do alto de seus 30/40 anos, se comportou como adolescente sem-noção em show da banda teen de sua preferência. Fora o tempo de musicas desperdiçado enquanto o suposto fã abusava da boa vontade do cantor para ocupar espaço nobre com uma demonstração sem fim de reverências constrangedoras e despropositadas. Fora esses incidentes, o show foi magnífico!

  3. Gabriela em maio 13, 2014 às 9:55
    #3

    As resenhas ficaram ótimas! Muito bom poder ler sobre todos os dias!! O Eddie é estupendo!! Não existe ninguém com seu talento e carisma!! Fui somente no show do dia 7 em SP, mas se pudesse teria ido em todos. Com relação ao público, achei lamentável também… fiquei envergonhada várias vezes pela falta de noção do povo. Mas o que valeu foi a sensação maravilhosa de estar lá (babando sim!!) curtindo cada segundo, sem filmar, sem tirar fotos, só me deliciando com o momento!

  4. Adriana em maio 13, 2014 às 10:26
    #4

    Caro Luciano,
    Fui aos três shows de São Paulo e ao segundo, ontem, aqui no Rio. Sou carioca e já sabia disto, mas continuo a me chocar com a total falta de educação do público carioca! Concordo em número, gênero e grau com suas observações! Ontem, o público andou e falou durante todo o show! Inclusive quem pagou R$ 900 pra estar nas cadeiras VIP nas fuças do Eddie Vedder! Uma vergonha. E ainda houve berros mal educados ao longo do show, inclusive com grosserias direcionadas ao músico. Lamentável. Mas como o cara é um lord e calejado, tirou de letra e fez mais um showzaço, apesar do público. Nada comparado ao segundo show de Sampa, onde a vibe do público colocou o músico num astral incrível - nunca vi o Eddie tão feliz no palco como no segundo show de Sampa!! Parabéns ao Eddie e aos paulistas!

  5. Marcos Bragatto em maio 13, 2014 às 11:04
    #5

    Luciano?

  6. Tatiana T em maio 13, 2014 às 16:56
    #6

    Puxa vida… fui nos 3 shows em SP (sou paulistana) e não fui ao Rio, mas queria muito ter ouvido ele contar as histórias com os Ramones. Em SP meu namorado deu de presente para o Eddie o ingresso dessa turnê dos Ramones (1996), quando o Eddie veio pela primeira vez ao Brasil. Infelizmente não conseguimos encontrar com ele, mas ficamos muito felizes em saber que ele recebeu o presente… estávamos lá no fundo, e gritamos loucamente numa tentativa frustrada de que o Eddie pudesse nos ver lá no fundo. E também queria ver ele tocar ‘Present Tense’ =( Fica pra próxima!
    Adorei o site, não conhecia… vou acompanhar!

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