Metal
Uma Jornada Pelo Mundo do Heavy Metal
(Europa Filmes)
Todas as vezes em que se tenta fazer um registro sobre determinado segmento musical – seja em livro, vídeo, etc – cai-se em dois equívocos. Ou o sujeito é do ramo e acaba por fazer algo voltado para o próprio umbigo, ou é um acadêmico que peca por utilizar uma linguagem que afasta o público (comum e especializado) do assunto. Por isso o grande mérito desse longa-metragem, feito para o cinema e que foi exibido no Brasil em 2007, é ter como um dos diretores o antropólogo Sam Dunn, que é, desde os 11 anos, fã confesso de heavy metal. Ele e Scot McFadyen não marcaram touca, e, visando atingir o público mais amplo possível, levaram a questão de um dos subgêneros mais complexos e estereotipados do mundo não só aos seus ícones, mas a produtores, professores, sociólogos e estudiosos em geral. O resultado, se pouco conclusivo, é um panorama amplo e bem avalizado do que é o heavy metal – sem estereótipos.
Não é, evidentemente, um filme sobre bandas ou com a pretensão didática de destrinchar os milhões de subgêneros do próprio metal, mas mostrar as suas principais características, sempre numa análise ampla e que desperta o interesse do cidadão comum. Sam Dunn começa a viagem a partir da pergunta: por que um gênero musical é tão estereotipado e desperta o interesse de tantos fãs pelo mundo, ao mesmo tempo em que revela ódio de outras pessoas? A viagem proposta no título inclui a ida a locais seminais para o metal, como a cidade de Birmingham, na Inglaterra, onde nasceu o Black Sabbath de Tony Iommi; Londres, para entrevistar Bruce Dickinson, um dos grandes vocalistas do gênero; Wacken, na Alemanha, onde hoje se estabelece o maior festival de metal do mundo; Sunset Strip, na Califórnia, berço do hard rock oitentista; e até na longínqua Noruega, onde queimar igrejas, nos anos 90, virou marca do black metal mais escutado do mundo.
Como antropólogo, Dunn aborda temas indispensáveis para a compreensão do heavy metal, dividindo o documentário em tópicos que vão desde “Censura”, até “Religião e Satanismo” e “Cultura de Excluídos”, passando por “Morte e Violência”. Como fã de metal, se decepciona ao arrancar de Tom Araya, do Slayer, a declaração de ele é católico, e de que a frase “God Hate Us All” (Deus odeia a todos), título de um de seus discos, não é verdade, mas apenas uma boa tirada, num dos grandes momentos do filme. Outro é a visita à casa de Ronnie James Dio, de decoração peculiar que inclui vitrais, chifres cravados nas paredes e coleções de sapos e espadas. Dee Snider, do Twisted Sister, aparece relatando o dia em que desancou os conservadores do senado americano que criaram o tal “selinho educativo” e tentaram censurar suas letras.
Sam Dunn não é crítico ou jornalista do meio, mas se saiu muito bem ao juntar todo o quebra-cabeça dos subgêneros do metal, acertando em cheio em suas raízes e agrupando as partes descendentes. Deu atenção especial às mulheres, embora tenha centrado o segmento na vocalista do Arch Enemy, Angela Gossow, deixando de lado o metal mais pop dos últimos tempos. O diretor parece evitar esse encontro com o lado comercial, daí não ter colhido depoimentos de Ozzy Osbourne (que é motivo de chacota numa das falas) e de alguém do Metallica, por exemplo. Sam também passou batido pelo doom metal e metal melódico, e resumiu o death metal à facção mais “splatter” da coisa, deixando escapar o death metal voltado para guerras e destruição, e o death melódico. O diretor praticamente ignorou a cena nu-metal americana, e não olhou com atenção a importância do cenário europeu nos últimos 15 anos, resumindo o tema ao Wacken Open Air.
Na Noruega, onde concluiu que a queima de igrejas é também fruto do histórico cultural local, Sam foi vítima dos estereótipos que apontou. Ao participar de uma pré-estreia, foi encurralado pelos jornalistas locais que lhe cobraram o porquê da ênfase nas igrejas queimadas, e não na música em si. A solução foi, já que estava lá, produzir o documentário “Norwegian Black Metal”, que aparece nos extras, mostrando a cena como um todo, nos mesmos moldes do filme, incluindo a participação de professores, teóricos e estudiosos do assunto. É isso mesmo: na Noruega o black metal é estudado nas universidades; espécie de símbolo da cultura local, é reconhecido até pelo agente da alfândega, que carimba os passaportes.
Além de todo o filme em versão mp4, para computador, os extras trazem as cenas de bastidores, que incluem uma hilária entrevista com Lemmy Kilmister, do Motörhead, e momentos que, além de complementarem o filme, marcam pela emoção da feitura de um longa sobre metal, para o fã Sam Dunn e para os fãs espectadores. Deixa a sensação, ainda, de que é preciso muito mais filmes sobre o tema, detalhando outras cenas – não só a da Noruega. Talvez por isso mesmo o diretor tenha partido para fazer “Metal Global”, ainda inédito nos cinemas brasileiros.
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