Rock é Rock Mesmo

O padrão global de fabricar shows

Além de um belo retrato do rock dos anos 80, especial da TV Globo lançado em DVD mostra como a emissora, na época, fabricava uma realidade própria

Meus amigos, outro dia fui a uma rádio onde me perguntaram o porquê da dificuldade de o rock prevalecer no mercado musical brasileiro. Uma pergunta desse tipo não soa como novidade para mim, e acabo me alegrando porque esse tipo de coisa só parte de quem é, como eu, entusiasta do gênero. E repito. Só quem gosta de rock teme pelo seu fim. É uma espécie de paranóia que está sempre acompanhando quem se interessa pelo rock, dada a intensidade do apego. Ninguém gosta de rock por um verão. Quem gosta de rock gosta pra sempre e não pode viver sem ele.

Confesso que a última frase acima retirei diretamente do filme “Metal – Uma Jornada Pelo Mundo do Heavy Metal”, usando, aliás, uma das prerrogativas do rock e da música pop: a aplicação adaptada da Lei de Lavoisier. Segundo ela, “na natureza, nada se cria, nada se perde; tudo se transforma”. Pois ouvi da boca de um suspeitamente loiro Rob Zombie que ninguém é fã de metal por um único período de tempo. Ninguém gosta de Slayer só por um verão; quem gosta, gosta pra sempre. Arredondei a idéia e aplico, desde já, ao rock.

Mas falava da entrevista e lembro que, por algum motivo, chegamos aos anos 80. Período em que a juventude, o Brasil, as novelas, os comerciais de TV, tudo era rock. Quem viveu a época sabe. Quem nasceu depois acha que, nos anos 80, tudo era o trash apresentado em festas Ploc e quetais, ou, então, tem a década de ouro do rock nacional como a “década vazia”, expressão sempre usada por quem não viveu o período e tampouco foi ver como era. Não, os anos 80 não eram aquilo ali. Lá naquele tempo, quem enchia estádio de futebol era banda de rock - e muito boa, diga-se -, não essas coisas horrorosas de hoje.

Digo isso, mas não quero parecer saudosista, já que, sabemos todos, não tenho vocação para viuvagem. É uma questão de colocar os pingos nos is (antes que uma nova reforma ortográfica os levem de vez) e mostrar que a coisa, lá nos anos 80, era boa, sim, sobretudo no mercado interno, no rock nacional. É sabido que, com o fim de uma ditadura explode o rock’n’roll, e foi o que aconteceu por aqui naqueles tempos. Sabe-se, ainda, que os conservadores são os últimos a perceberem e a reconhecerem as mudanças, e que, em tempos pré-era da informação, isso significava poder. A Globo, por exemplo, quase negou o movimento pelas Diretas (que comemora 25 anos), e só foi aceitá-lo quando viu, perplexa, um milhão de pessoas no centro do Rio, numa quarta à tarde. Hoje, convenhamos, isso seria impossível. Tanto que a própria Globo mudou.

Eis onde eu queria chegar. Mudou, mas não mudou o bastante. Digo isso depois de assistir ao DVD “Legião Urbana e Paralamas Juntos”, que resgata um especial da Globo com as duas bandas, exibido em 1988, quando ambas já eram dos dois principais nomes do rock nacional. Pois observem que qualquer basbaque pode, sabendo só isso, verificar que se trata de um “documento histórico”, ainda mais numa época em que qualquer uma “faz história”. E é, sim, um documento histórico. Ao menos até a página 2.

Explico. É histórico porque mostra cenas gravadas na época e dá a idéia do que era realmente o rock dos anos 80, como isso era bom. E, ainda, porque queiram ou não, gostem ou não, é um mais que perfeito retrato de uma época, com tudo que ela teve de bom ou ruim. O problema é que essa época tinha a Globo como veículo de comunicação predominante (muito mais que hoje), e, o pior, uma Globo arcaica comandada a punho de aço por Roberto Marinho – que tentou até mudar o resultado de eleição, aqui no Rio, em 1982. Essa Globo demorou anos para compreender algumas mudanças, e ainda hoje não compreende outras.

Digo isso para concluir que aquele especial não mostra o que era um show com Legião e Paralamas. Mostra como era um programa de plástico feito pela emissora com os dois grupos. Em vez de se dirigir a um show de um dos grupos, gravar e fazer o especial, a Globo trouxe a banda para dentro de um teatro dela, contratou público próprio, de figurantes a atores globais, e gravou o tal especial. Se é louvável ter os grupos tocando ao vivo na TV, coisa rara ainda hoje, soa falso cada gota de suor que sai da testa de um Herbert Viana cheio de gás, sim, mas que parece estar muito mais cumprindo uma tarefa profissional do que se divertindo no comando de um show de rock – coisa que ele sabe muito bem fazer.

No caso da Legião, foi pior ainda. Naquele mesmo ano, num show em Brasília, terra natal do grupo, um show desencadeou numa confusão dos diabos, com direito a chiliques de Renato Russo. Nada sobre o assunto aparece nas pequenas entrevistas editadas entre as músicas. Muito menos a aprovação de um ano a mais para o então presidente José Sarney, embora o hit deles, na época, fosse “Que País é Este”. Isso sem falar num calado (até meio sem voz) Renato Russo. Quem já foi a um show da Legião ou ouviu um disco ao vivo sabe o quanto ele falava pelos cotovelos. No especial global, tudo roteirizado e editado.

Querem mais? Pois imaginem vocês que, no lugar de colocar especialistas da crônica musical (sim, eles existiam), a produção optou por desastrosas declarações de Tony Ramos(!), do retórico diretor de novelas Carlos Lombardi e de Fernando Gabeira, só pra citar as mais absurdas. E, pior ainda, para completar o padrão global, tudo foi filmado sem mostrar detalhes, no maior estilo “não sei o que está se passando ali”. O que se lamenta é que, com o passar do tempo, a Globo pouco aprendeu em cobertura de eventos ao vivo, jogando por terra os direitos que sempre adquiriu, a peso de ouro, dos Rock In Rio, Hollywood Rock e tantos outros festivais. Definitivamente, não sabe (ou não quer) fazer direito.

Hoje, na era dos DVDs, a história é outra. Canais a cabo fazem um trabalho muito melhor, porque têm (ou no mínimo procuram ter) uma linguagem própria, da emissora, ou mesmo identificada com o evento em si. Qualquer especial sobre rock, sobre uma determinada banda, ou uma cobertura de um festival da vida, feito por MTV, VH1 ou Multishow, por exemplo, é melhor do que feito pela Globo. Porque a empresa não está interessada no que acontece, e sim no “jeito Globo” de mostrar as coisas. Da última vez que o U2 esteve no Rio, a Globo não fez um show fechado só para convidados com o grupo? Vinte anos depois, guardadas as devidas diferenças de épocas, foi o mesmo “produto” que esse “histórico” “Legião Urbana e Paralamas Juntos”.

Até a próxima, e long live rock’n’roll!!!

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Comentários enviados

Existem 2 comentários nesse texto.
  1. Miro em maio 6, 2009 às 12:58
    #1

    Perfeita a análise.
    abs

  2. Rafael Michalawski em junho 28, 2009 às 20:56
    #2

    Sensacional análise.
    Infelizmente o “padrão Globo” prejudica demais a cultura brasileira

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