Bem afiados
Músicos em boa forma querendo mostrar serviço e repertório consagrado fazem a diferença no ótimo show de reunião do Guns N’Roses. Fotos: Katarina Benzova/Divulgação Guns N’Roses.
Só não teve um relacionamento sério entre Axl e Slash. Para saber onde estava um no palco era só olhar para o outro. Sempre separados ou próximos em um limite de distância determinado por lei que só Axl Rose deixava estreitar; Slash jamais. Determinado, o guitarrista encarnou como poucas vezes se vê nos palcos o conceito de “faça a sua parte que eu faço a minha”, ao menos do ponto de vista de Axl. Porque com o baixista Duff McKagan, também da formação clássica, e enlouquecido Richard Fortus, o outro guitarrista, a interatividade é plena. Também, pudera. Slash e todos do Guns foram expulsos da banda pelos surtos megalomaníacos de Axl, que passou a ser literal e legalmente o dono da banda, daí a expressão “o Guns do Axl”, cunhada para identificar o grupo que veio ao Brasil quatro vezes nos últimos anos (veja como foi em 2001, 2010, 2011 e em 2014).
Mas se Slash topou a empreitada, sabe-se lá em que condições – fala-se até em contrato de trabalho para Axl – ele que sare suas feridas em pleno palco. É o que parece fazer, e, do ponto de vista do público, que não está nem aí para litígios de rockstars mimados, o resultado é bem melhor do que se poderia esperar. Ou, por outra, o que não poderia era se esperar menos de um dos guitarristas mais icônicos do rock contemporâneo. Daí o solo arrepiante da impressionante “Estranged”, reinserida nos shows em 2011; ou o uso de vocoder em “Rocket Queen”, com solos de mão trocada pra todo lado, numa das melhores performances coletivas da noite; ou nas incríveis evoluções de “Knockin’ On Heaven’s Door”, que lhe fornecem um inesperado frescor; ou ainda na verdadeira operação resgate para erguer “This I Love” ao nível das outras músicas da fase áurea do Guns.
Ela é uma das três do único álbum gravado pelo “Guns do Axl”, “Chinese Democracy” e que cede ao show outras duas. Uma é a própria faixa-título, que recebe um tratamento mais rock jamais visto nos palco, e a outra é “Better”, na qual Slash, Fortus e Duff melhor se saem juntos. As três são apenas alegorias discretas que não fazem diferença, mas servem para Axl Rose deixar a marca de um disco praticamente solo. O vocalista, contudo, está em boa forma física e vocal, e, ainda, depois de ter aceito o convite para cantar com o AC/DC, parece ter se aprumado, deixando para trás a fase rockstar decadente. Aos 54, enfim, sugere ter amadurecido não por completo, mas o suficiente para se respeitar como último grande ícone do rock mundial, sem ter que viver encastelado e longe dos palcos. Por isso aparece desprovido de figurinos para disfarçar o avançar da idade na maior parte do tempo, não omite os trejeitos que o consagraram e que todo mundo quer ver, e – o melhor – encara com sucesso as dificuldades de seguir atingindo as notas mais altas que o passado consagrou; falta-lhe fôlego, não voz.O show não tem apenas um, mas vários começos. “It’s So Easy”, a mistura precisa de hard rock com punk rock, parece só ensaio para o enlouquecimento geral quando, uns 10 minutos depois, o público vem a baixo pra valer com “Welcome to the Jungle”. Talhada para o abre alas, é uma das mais festejadas e parece empolgar até Axl Rose, que lança o pedestal do microfone longe. A sensacional “You Could Be Mine”, com aquela bateria que você conhece na introdução, dessa vez pilotada por Frank Ferrer, é outro estopim sem pavio, ainda mais com a animação atualizada do filme “Exterminador do Futuro” no telão; a música foi tema da segunda parte da série. E Axl passa com boa nota em seu teste mais rigoroso. “Sweet Child O’ Mine”, a canção mais que perfeita do Guns, em composição e arranjo, é expressão máxima de felicidade, seja na introdução de guitarra, no refrão repetido, na paradinha para o vocalista brilhar, e no desfecho pauleira que toda música cadenciada deve ter. E o público adora.
Novidade, por assim dizer, o repertório do show tem duas. A pedrada riffenta “Out Ta Get Me”, que ainda não tinha sido tocada nessa turnê pelo Brasil, e “Yesterdays”, discreta, incluída pela primeira vez no giro pela América do Sul. Mas a menção honrosa é para a muitíssimo bem recebida “Coma”, que não era tão tocada nos shows nem na época em que foi lançada, no álbum “Use Your Illusion I”, em 1991, e é uma das estrelas da “Not In This Lifetime Tour”. Slash, claro, deita e rola nessa também, em mais de 10 minutos de sonzera. Mais ou menos o mesmo tempo que os músicos levam parar percorrer a emblemática “November Rain”, uma peça do hard rock baladeiro assertiva em todas as suas partes e interpretada com a rara felicidade que funde alma e técnica em proporções milimetricamente calculadas. É quando o público coordena por si só uma bela coreografia com balões vermelhos iluminados pelas lanternas dos aparelhos emburrecedores; enfim foram úteis. E tá pra nascer silhueta mais marcante que a de Slash empunhando a guitarra naquele videoclipe, que é o que vem à mente numa hora dessas.
Há espaço ainda para não hits como “Double Talking Jive”, que Slash curte, ou para covers como “Attitude”, do Misfits, preferida de Duff McKagan, e até devaneios instrumentais que prestam vassalagem a Eric Clapton e Pink Floyd, procedimento necessário para a preparação do piano de calda usado por Axl em “November Rain”. O que suscita a dúvida: por que não incluir, então, a assoviante já no berço “Pacience”, “Pretty Tied Up” ou “My Michelle”? Lamento que perde o sentido quando o bis começa com a sensível e não menos colante “Don’t Cry” (os tecladistas Dizzy Reed e Melissa Reese aprovam), e o desfecho obrigatório vem com “Paradise City” e um toró de papel picado. Em um show com efeitos especiais econômicos se comparados com os anteriores – até o fogaréu de “Live And Let Die” foi suprimido – fica a imagem de músicos que voltaram a tocar juntos com a vontade de mostrar, um para o outro, quem é o tal. A boa e velha tensão que mantém o rock vivo, ainda que em um espetáculo essencialmente revivalista. Quem ganha é o público, sobretudo o que não teve a oportunidade de ver o Guns N’Roses no auge, no início dos anos 1990. Não separa mais, não, pessoal.A Plebe Rude diz que não tem nada a ver com o Guns N’Roses, mas essa já é a segunda vez que o grupo abre shows da turnê deles. O incomum é o fato de o grupo, seminal para o rock nacional, ter muito menos hits para embalar multidões, o que de fato só acontece em “Proteção”, enxertada com trechos de “Pátria Amada”, do Inocentes, necessária para esses tempos difíceis, e sobretudo “Até Quando Esperar”, que encerra o show, com cerca de 45 minutos, em grande interação banda/público. Mas a Plebe não arrefece para encarar a multidão que se formava e superar problemas do som – em um bom volume, diga-se – e com a voz castigada de Clemente. Outras músicas que brilham são “Minha Renda” e “Johnny Vai a Guerra (Outra Vez)”, e, entre as novas, “Anos de Luta”, na qual o líder do grupo, Philippe Seabra, reconhece no público o entretenimento fútil citado na letra. Clique aqui e veja a resenha do show da Plebe no Circo Voador, em setembro.
Set list completo Guns N’Roses:
1- It’s So Easy
2- Mr. Brownstone
3- Chinese Democracy
4- Welcome to the Jungle
5- Double Talkin’ Jive
6- Better
7- Estranged
8- Live and Let Die
9- Rocket Queen
10- Out Ta Get Me
11- You Could Be Mine
12- Attitude
13- This I Love
14- Civil War
15- Coma
16- Love Theme From The Godfather
17- Sweet Child O’ Mine
18- Yesterdays
19- Wish You Were Here + Layla (Instrumental)
20- November Rain
21- Knockin’ on Heaven’s Door
22- Nightrain
Bis
23- Don’t Cry
24- The Seeker
25- Paradise City
Tags desse texto: Guns N'Roses, Plebe Rude
Bela resenha!
Achei o show muito bom, mas poderia ter sido mais enxuto. Muitas baladas/covers que esfriaram a galera.
Acho que o Slash usa um Talk Box e não um vocoder…
Também achei que ficou faltando My Michelle e Pretty Tied Up.
Axl podia ter evitado colocar Slash na função de imitar os solos e timbres do Gilmour e do Clapton. Foi o único porém do show pro Slash, que tava impecável.
Porque vocês não atualizam a seção Filipetagem? Sinto falta das dicas de shows, principalmente nacionais. Valeu!