O Homem Baile

Força da natureza

Performance cavalar de Slash, repertório bem-acabado e instabilidade vocal de Axl Rose marcam a apresentação do Guns N’Roses no Rock In Rio. Fotos divulgação Rock In Rio: Diego Padilha/I Hate Flash.

O vocalista do Guns N'Roses, Axl Rose, cumprimenta singelamente o público do Rock In Rio

O vocalista do Guns N'Roses, Axl Rose, cumprimenta singelamente o público do Rock In Rio

Passa das quatro da matina deste domingão e o público nem pensa em deixar a Cidade Rock. No palco, uma banda reunida em sua formação (quase) clássica em uma apresentação exuberante no que diz respeito à sua história e à incríveis arranjos e passagens instrumentais, cujo guitarrista visivelmente melhora os demais integrantes em torno de si próprio. Um repertório abrangente, do ponto de vista da carreira como um todo, e com releituras sensacionais para vários ramos do rock, incluindo homenagens a trabalhos paralelos. Uma rara oportunidade de ver juntos, no mesmo palco, o emblemático vocalista Axl Rose e Slash, o tal guitarrista monstruoso, no show do Guns N’Roses que encerra a noite de sábado (23/9) do Rock In Rio, cuja edição já entrou para a história como aquela em que o “Guns de Axl e Slash tocou até o dia amanhecer”.

Parece que foi ontem – e realmente não tem nem um ano – que a turnê “Not in this Life Time” passou pelo Rio, em um showzaço no Engenhão (relembre). A demanda na ocasião foi tão grande que levou a produção do Rock in Rio a fazer as pazes com a banda, depois dos rolos de sempre no entorno de Axl, em 2011 (veja como foi). O roteiro do show, por conseguinte, é o mesmo, mas, quem olha para a lista das músicas de cada uma das apresentações, bem parecidas, não tem noção de quanta coisa mudou nesses 10 meses e pouco. Praticamente todas as músicas são turbinadas/alongadas com novas passagens instrumentais, solos e ou introduções desenvolvidas, tudo sob o comando de um inspiradíssimo Slash, que, ao que parece, se pudesse estaria lá na Cidade do Rock esmerilhando a guitarra até agora.

O que faz o entorno evoluir horrores. Se o baixista Duff McKagan, outro da formação clássica, segue com o carisma punk inabalado, imagine que até o operário guitarrista Richard Fortus, queridinho de Axl desde de 2001, como guitarrista base, aparece duelando com Slash em várias músicas, como em “Wish You Were Here”. Antes um cover maroto, a música se converte um delicioso duelo de guitarras no qual Slash faz a dele “cantar” os versos da letra da clássica canção do Pink Floyd. “Knockin’ On Heaven’s Door”, apropriada de Bob Dylan há séculos, vira um reggae para acender a última ponta na madrugada, e “Patience”, escolha acertada às avessas para abrandar o cansaço de um dia inteiro de festival, recebe longos dedilhados de um Slash sentado na escadaria do palco, ofuscando mesmo o assovio de Axl Rose – e de todo mundo – na Cidade do Rock.

Axl Rose e o guitarrista Slash, figura central da extensa apresentação do Guns N'Roses no Palco Mundo

Axl Rose e o guitarrista Slash, figura central da extensa apresentação do Guns N'Roses no Palco Mundo

Em momento de forte emoção, uma bem-engendrada versão de “Black Hole Sun”, com um realce dos tecladistas Dizzy Reed e Melissa Reese, respectivamente o integrante mais antigo fora da formação clássica e a caçula, que entrou ano passado, tem um Slash possesso e um Axl corretíssimo no gogó. A música, sucesso maior do Soundgarden, marca a passagem inesperada de Chris Cornell, contemporâneo da banda, em maio. Outras novidades são a inclusão de “Whole Lotta Rosie”, que Axl agora chama de “side job”, numa versão honesta como dever a de um clássico do AC/DC; a homenagem a Chuck Berry, outro que se foi esse ano, no solo de Slash; a discreta “Wichita Lineman”, de Jimmy Webb, incluída há pouco tempo nessa turnê; o clássico “My Michelle”, com o batera Frank Ferrer esbanjando vitalidade na parte mais veloz; “Sorry”, da fase do “Guns do Axl”, que já passa dos 20 anos; e a hoje politicamente incorreta, mas não menos divertida “Used to Love Her”.

No quesito performance, muitas músicas foram verdadeiramente atualizadas, repita-se, sob o comando de Slash. Números como “Estranged”, que já vem com uma guitarra matadora de fábrica; a indefectível “Coma”, com os riffs pesadões como nunca; a torta “Double Talkin’ Jive”, na qual Axl alega problemas técnicos para explicar o acréscimo instrumental; e o uso de vocoder na esticada “Rocket Queen” estão entre as exibições ao vivo que fazem total diferença em relação às gravações originais. Algumas em que o público mais gosta e responde com paixão são “Welcome to the Junlge”, no início, resultando em grande agitação; no crescente extraordinário de “November Rain”; na já citada “Patience”, ausente no Engenhão, aliás; e em “Nightrain” e “Paradise City”, com Slash debulhando a guitarra nas costas, que fecham, pela ordem, a primeira parte e o show em si; e no belíssimo blockbuster “Sweet Child O’Mine”, embora Axl Rose entre equivocadamente na música.

A performance do vocalista é o que mais preocupa e talvez o único senão de uma noite de tonalidades épicas. Em diversas músicas ele sequer consegue cantar no ritmo adequado, noutras sofre para não atingir o alcance esperado, mesmo considerando o avançar da idade, e – honra seja feita – vai muito bem em um terceiro bloco. Vocalistas são assim, por vezes lhes faltam sustentação em uma noite, e na seguinte, tudo vai maravilhosamente bem. No caso de Axl, contudo, parece que o problema é concomitantemente de fôlego, e aí o cuidado não é só com as cordas vocais. Por isso, o show de novembro, no Engenhão, segue como o melhor da banda no Brasil desde os dois de 1991, aquando o grupo estava no auge. O deste sábado, de seu lado, é de longe o melhor entre todas as edições o Rock In Rio, depois, também, daquele verão com a segunda edição do festival. Três horas e meia que nunca mais vão sair da memória de quem aguentou o tranco até o final.

Axl canta sobre a plataforma que projeta a imagem dos músicos para o público do Rock In Rio

Axl canta sobre a plataforma que projeta a imagem dos músicos para o público do Rock In Rio

Set list completo:

1- It’s So Easy
2- Mr. Brownstone
3- Chinese Democracy
4- Welcome to the Jungle
5- Double Talkin’ Jive
6- Better
7- Estranged
8- Live and Let Die
9- Rocket Queen
10- You Could Be Mine
11- Attitude
12- This I Love
13- Civil War
14- Yesterdays
15- Coma
16- Solo guitarra Slash (Johnny B. Goode + Love Theme From The Godfather)
17- Sweet Child O’ Mine
18- Wichita Lineman
19- Used to Love Her
20- My Michelle
21- Wish You Were Here
22- Layla
23- November Rain
24- Black Hole Sun
25- Knockin’ on Heaven’s Door
26- Nightrain
Bis
27- Sorry
28- Patience
29- Whole Lotta Rosie
30- Don’t Cry
31- The Seeker
32- Paradise City

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Comentários enviados

Existem 2 comentários nesse texto.
  1. Rafael em setembro 25, 2017 às 10:53
    #1

    Desculpe discordar de você, Bragatto. Mas o show deste Rock in Rio foi constrangedor. A atuação de Axl beirou o ridículo, não dava pra entender quase nada que ele cantava e ainda teve a ousadia de assassinar ‘Black Hole Sun’ (só rever os vídeos). Metade do público foi embora antes do fim do show. Slash, Duff e o baterista carregam a banda. Estive lá e, sinceramente, o The Who massacrou. Abraços!

  2. Antonio Nahm em setembro 25, 2017 às 14:57
    #2

    Vamos combinar, tá certo que é outra proposta, outra geração, mas não dá pra comparar GNR com Who. The Who mostrou pra todo mundo o que é tocar Rock and Roll de alta qualidade!
    Falar nisso onde está a crítica da atuação deles?

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