O Homem Baile

Sem arrego

Plebe Rude mostra músicas novas e revê sua história e a do punk rock nacional em ótima performance no Circo Voador. Fotos: Nem Queiroz.

O sempre atento líder da Plebe Rude, Philippe Seabra, no comando de mais um ótimo show no Circo Voador

O sempre atento líder da Plebe Rude, Philippe Seabra, no comando de mais um ótimo show no Circo Voador

A situação é difícil. Meia hora antes uma exibição de gala do Camisa de Vênus (veja como foi) deixou o público que lota o Circo Voador em estado de êxtase, e o placar para a Plebe Rude é amplamente desfavorável. Mas Plebe é Plebe e não se deixa esmorecer. Com um punhado de hits, músicas novas, outras renascidas, versões de bandas contemporâneas, medleys e muito suor sobre o palco o quarteto reencontra sua “sala de estar” no Rio de Janeiro em grande estilo. Não houve nos autos quem arredasse o pé do Circo até que o último acorde fosse entoado, até que o derradeiro adeus fosse dado. Mais de trinta anos depois, com mais experiência e não menos atitude, a Plebe Rude passa por cima. Atropela sem dó nem piedade.

Atitude que o inquieto Philippe Seabra mostra logo no início ao tecer várias críticas a parte da classe artística que só agora se manifesta, antes da ótima “Censura”, segundo ele ressuscitada oportunamente por causa disso. Ou quando faz do palco um divã para a reflexão sobre o verso “E tem que ter refrão?”, bem no meio de “Minha Renda”, e aí sobra para a versão pós anos 80 do Capital Inicial, duramente detonada. Sim, a Plebe não arrefece nem para no tempo. O início, com “Brasília”, contudo, realça as ótimas evoluções de guitarra que marcam o grupo desde o seu nascedouro e que aparentam mais encorpadas pela evolução pessoal de cada integrante. E aí não custa reforçar o quanto Clemente, eterno Inocente, cai bem na formação atual. São duas as músicas do novo álbum, “Nação Daltônica”, lançado já há dois anos: a autorreferente “Anos de Luta”, e “Mais Um Ano Você”, versão de “Will You Stay Tonight”, do Comsat Angels.

Clemente, também Inocentes, toca guitarra em frente ao baterista substituto da Plebe, Txotxa

Clemente, também Inocentes, toca guitarra em frente ao baterista substituto da Plebe, Txotxa

Não é nada, não é nada, mas, depois de quase 90 minutos de bola rolando registre-se que foram tocadas todas as músicas do EP “O Concreto Já Rachou”, uma das melhores estreias em disco em todas as épocas. E o registro só é válido porque a difícil “Seu Jogo” também entrou na roda de pogo dos punks e ex-punks oitentistas no meio do salão, o que não é tão comum. A música recebe arranjo renovado – um cuidado verificado durante todo o show, diga-se – que, ao mesmo tempo em que é reconhecida, carrega o frescor da novidade. O segundo disco, “Nunca Fomos Tão Brasileiros”, muito querido por tantos fãs, ganha representação em um medley sensacional que inclui “Consumo” e “48”, e, por isso mesmo, tem as letras cantadas na ponta da língua pela multidão.

Nem tudo são flores e, de um lado do palco, Seabra tem que lidar com um incauto que lança cerveja sobre sua pedaleira. Do outro, Clemente quase parte pra cima (pra baixo, no caso) de alguém que o incomoda. Que tipo de tonto iria desafiar um genuíno punk da periferia de São Paulo? Pau neles, Clemente! No fim das contas, tudo apaziguado e apertos de mão, porque o show tem que continuar. E aí parece que não, mas é importantíssimo pensar em “Proteção”, símbolo dos últimos anos de chumbo, associada brilhantemente à “Pátria Amada”, do Inocentes, o grande hino da decepção com o desprezo do Congresso Nacional pela vontade do povo nas ruas. Qualquer semelhança não pode ser só coincidência na história que se repete; sim, teve o grito “Fora Temer” de montão e em uníssono.

Clemente e Philippe Seabra: sem arrego com os remanescentes do punk rock nacional dos anos 80

Clemente e Philippe Seabra: sem arrego com os remanescentes do punk rock nacional dos anos 80

O radar preciso da Plebe também não deixa passar aqueles que fazem parte de sua história, e “Medo”, do Cólera, é tocada em duas velocidades, uma para homenagear o saudoso Redson, líder do grupo, morto em 2011. É aí que o público, atormentado em rodas de pogo o tempo todo, se acaba de vez. “Luzes”, um clássico da igualmente brasiliense “Escola de Escândalos”, entra logo no começo, e até “Rock The Casbah”, do Clash, referência onipresente, aparece em ótima versão, comandada pelo baterista Txotxa, que excepcionalmente volta para substituir o titular Marcelo Capucci. Ninguém quer ir embora quando André X estica as cordas do baixo na introdução marcante de “Até Quando Esperar”, uma das maiores peças do cancioneiro rock’n’roll brasileiro, mas todos sabem que este é o arremate de mais uma noite memorável da Plebe Rude no Circo Voador. Que termine sempre assim. E que venha sempre mais. Porque com a Plebe não tem arrego.

Set list completo:

1- Introdução
2- Brasília
3- Anos de Luta
4- Luzes
5- Censura
6- Johnny Vai à Guerra (Outra Vez)
7- Mais Um Ano Você
8- A Ida
9- Este Ano
10- Nunca Fomos Tão Brasileiros/48/Consumo/Nova Era Techno
11- Sexo e Karatê
12- Medo/Pela Paz em Todo o Mundo
13- Minha Renda
14- Proteção/Selvagem?/Pátria Amada/Censura
Bis
15- Seu Jogo
16- Rock The Casbah
17- Até Quando Esperar

Plebe Rude em estado bruto: o baixista André X, Clemente, o baterista Txotxa e Philippe Seabra

Plebe Rude em estado bruto: o baixista André X, Clemente, o baterista Txotxa e Philippe Seabra

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