O Homem Baile

Tensão maligna

Em apresentação curta, Rotting Christ mostra ares de renovação e reforça o peso consistente e aflito de sua trajetória. Fotos: Nem Queiroz.

O guitarrista e vocalista do Rotting Christ, Sakis Tolis, agitando o bom público no Teatro Odisséia

O guitarrista e vocalista do Rotting Christ, Sakis Tolis, agitando o bom público no Teatro Odisséia

Quando termina o show da banda de abertura e os céus caem sobre a cidade em forma de tempestade, o som do Mal se espalha por um Teatro Odisséia que começa a encher subitamente. É só um tema gravado que sai das caixas enquanto o palco é preparado para a atração principal, mas o gelar da espinha pode ser sentido de antemão até pelo mais distraído dos incautos, como se estivesse sob a névoa premonitória do Mal. Não é a primeira vez (e nem será a última), mas é como se fosse, dada a ansiedade da espera para que o sombrio Rotting Christ suba ao palco para mostrar a turnê do bom álbum “Ritual”, que saiu no início do ano.

Com a mesma formação já há quatro anos, o som da banda está redondinho, garantido por uma ótima equalização e o volume na medida certa para fazer o ouvido zumbir antes de o sono chegar no final da noite. Por isso, quando Sarkis Tolis e George Emmanuel se aproximam da beirada do palco para duelar em “King of a Stellar War”, a sensação é das melhores, como se cada nota penetrasse no público. Mas o grupo, sabemos todos, não é dado a estripulias instrumentais e ataca mais com o peso extremo no qual é pioneiro. Como se vê já no início da quase marcial “Societas Satanas”, cujo caminho é aberto por uma guitarra avassaladora, o que aciona aquelas agressivas rodas dança no meio do salão. A música, indispensável nos shows do grupo, é quase uma palavra de ordem gritada a plenos pulmões pelo público.

Sakis abre os braços em ótima interação do som pesado do Rotting Christ com os fãs brasileiros

Sakis abre os braços em ótima interação do som pesado do Rotting Christ com os fãs brasileiros

De “Ritual”, o tal disco novo, somente duas músicas são incluídas, em um show, a bem da verdade, muito curto - pouco mais de uma hora – para uma banda prestes a completar 30 anos de estrada e com 12 álbuns nas costas. Na poderosa “Elthe Kyrie”, o baterista Themis Tolis, assim como Sarkis remanescente da formação original, mostra excelente forma. A música, veloz, tem o tom de aflição reforçado por uma nervosa narração pré-gravada no álbum e reproduzida ao vivo, sem que isso subtraia toda a tensão adicionada ao vivo. Eis aí uma boa expressão para definir o Rotting Christ em cima do palco: geração de tensão. A outra nova é “Ze Nigmar”, que abre o show com um viés climático, de modo a atingir o público como se lhe torturasse. É a remissão dos pecados, ao vivo, a cores e pesado pra cacete, só que, contraditoriamente, sem perdão algum. Vamos e venhamos, não é qualquer banda que começa um show desse jeito.

O show também realça outras três características nem sempre evidenciadas pela banda grega, seja em disco ou ao vivo. Primeiro, a despeito do som extremo praticado desde sempre, os trabalhos de guitarras menos evidentes, no corpo da música, que contribuem para a – de novo - sonoridade sombria, como se vê, por exemplo, em “Grandis Spiritus Diavolos”, do álbum anterior, “Kata ton Demona Eautou”. Pode ser só uma tendência recente, mas cai muitíssimo bem. Outra é a participação consistente de Emmanuel e do baixista Vagelis Karzis nos vocais de apoio, que, somada a terceira, uma espécie de invólucro tribal que boa parte das músicas recebe – em “Noctis Era” e “In Yumen-Xibalba” isso é mais evidente -, contribui decisivamente pela tal tensão gerada pela banda no palco.

O baixista Vagelis Karzis, Sakis Tolis, o baterista Themis Tolis e o guitarrista George Emmanuel

O baixista Vagelis Karzis, Sakis Tolis, o baterista Themis Tolis e o guitarrista George Emmanuel

Se tudo isso mostra certa renovação sonora para uma banda tão cascuda, o repertório das antigas compensa no imaginário coletivo dos fãs de longa data; e eles não são poucos no Odisséia cheio de dar gosto. Assim, a pilhada dobradinha “The Sign of Evil Existence”/“The Forest of N’Gai”, quase fundidas em uma só, desencadeia os vocacionais punhos erguidos inerentes ao heavy metal em todas as suas subdivisões. O que não impede George Emmanuel de lançar mão de um solo verdadeiramente ardiloso, sem que isso represente exagero algum. Em “Non Serviam”, a última do bis, identificada de cara pela plateia, o bater de cabeça é generalizado, arrematando um ótimo show, mas que – repita-se -, não poderia ser tão curto.

Na abertura o As Dramatic Homage sofreu com a falta de público, já que o show começou com muita gente do lado de fora, e com o som mal equalizado. Mesmo assim, a banda mandou um bom set, misturando músicas antigas – a banda tem estrada – com outras do lançamento mais recente, o EP “Enlighten”. As melhores performances foram em “Ominous”, com destaque para a inserção dos teclados, e “Idillic”. Com refêrencias a distintos subgêneros do metal, contudo, o grupo carece de melhor entrosamento e, sobretudo, mais experiência de palco para que tudo funcione com a precisão necessária. Dá pra melhorar, e muito.

O guitarrista e vocalista do As Dramatic Homage, Alexandre Pontes, no bom show de abertura

O guitarrista e vocalista do As Dramatic Homage, Alexandre Pontes, no bom show de abertura

Set list completo:

1- Ze Nigmar
2- Kata ton Demona Eautou
3- Athanati Este
4- Elthe Kyrie
5- King of a Stellar War
6- The Sign of Evil Existence
7- The Forest of N’Gai
8- Societas Satanas
9- In Yumen-Xibalba
10- Grandis Spiritus Diavolos
11- Noctis Era
Bis
12- Gaia Tellus
13- Non Serviam

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Comentários enviados

Apenas 1 comentários nesse texto.
  1. Ezd em dezembro 1, 2016 às 14:21
    #1

    Olá! Tem várias seções sem atualização, a principal é a Filipetagem. E aí, não vão mais atualizar a seção de shows?

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