O Homem Baile

Colagem

Público receptivo e renovado avaliza a eficiente colcha de retalhos do Arctic Monkeys, em bom show no Rio. Fotos: Daniel Croce.

O líder do Arctic Monkeys, Alex Turner, convertido em crooner, sem tocar guitarra, em boa parte do show

O líder do Arctic Monkeys, Alex Turner, convertido em crooner, sem tocar guitarra, em boa parte do show

A plateia que enche com gosto uma casa de shows gigante dada a esportes olímpicos canta em uníssono uma das músicas mais animadas da noite e isso já com dois terços do repertório em andamento. Em seguida, uma calmaria de entediar Netuno que, contudo, apresenta um crescente instrumental redentor para uma canção cuja vocação é mais amansar do que rebelar. E, depois, uma pedrada dos tempos em que esse mesmo grupo tinha menos preguiça e mais agressividade; era menos artístico e mais duro e reto; menos estrela e mais vigoroso. Taí um bom retrato - com a trinca “Do I Wanna Know?”, “Tranquility Base Hotel + Casino” e “Pretty Visitors” - para se entender o bom show do Arctic Monkeys nesta sexta (4/11) na Jeunesse Arena, no Rio, numa prévia do Primavera Sound, que acontece nesse final de semana do outro lado da Dutra.

Sim, por que, como se sabe, existem, ao menos, quatro Arctic Monkeys, a saber: a) A banda indie dos porões do novo rock britânico que chegou tardiamente nos anos 00 fazendo barulho dos bons; b) A que foi para o deserto flertar com a turma de Josh Homme e o Queens Of The Stone Age no álbum “Humbug”, mas não se desenvolveu muito bem a partir dali; c) O grupo de sucesso planetário alçado com o disco “AM”, base de sustentação dos fãs até hoje; e d) Os enfastiados popstars de primeira viagem que decidiram virar banda de acompanhamento de cantor de churrascaria de beira de estrada dos dois álbuns mais recentes, “Tranquility Base Hotel & Casino” e “The Car”, esse novinho em folha, lançado há cerca de três meses. É nessa corda bamba que Alex Turner e asseclas se equilibram em busca de um repertório que soe minimamente homogêneo.

Turner duelando com o guitarrista Jamie Cook, fato pouco comum nos últimos tempos na banda

Turner duelando com o guitarrista Jamie Cook, fato pouco comum nos últimos tempos na banda

Turner não é citado em vão, porque, como frontman, é sobre ele que recaem as suspeitas da responsabilidade por mergulhar o grupo em um universo equivocado, ao menos para uma banda de rock, nos últimos tempos. Sob esse aspecto, o início é desanimador, com “There’d Better Be a Mirrorball”, abertura de “The Car”. Alex Turner surge com uma camisa de funcionário de repartição, parado, cantando com o pedestal inclinado à Roberto Carlos, um tema que remete às pornochanchadas setentistas do cinema nacional. A compensação vem em seguida com a nervosa “Brianstorm” e o show segue assim, com as músicas de fases tão distintas se conhecendo no palco, em meio a muita conversa nos intervalos – não tem uma grudada na outra -, sobretudo entre Turner e o baterista Matt Helders, como se ajustes entre material novo e antigo ainda estivessem sendo feitos. No fim das contas, até que tudo funciona direitinho.

Do ponto de vista do público, então, nem se fale. Uma turba marcada pelos gritos agudos que revelam predominância feminina e bastante juvenil, o que é ótimo em tempos de fim de juventude. Já foi assim nas outras vezes nesse mesmo local (relembre os shows de 2019 e 2014), até com mais gente, mas não se pode negar a renovação dos fãs. Embora a cantoria seja uma constante, nota-se a subida do tom nas músicas de “AM” e em um ou outro hit salpicado de outros álbuns, ou até mesmo do material recente. Casos de “Crying Lightning”, premiada pelo refrão, e que tem Turner e Jamie Cook trocando solos como pouco se vê ultimamente; a pré-histórica “505”, com um novo arranjo que veste bem e fecha a primeira parte do show; e “I Bet You Look Good on the Dancefloor”, cantada a plenos pulmões já no bis.

Cada vez mais discreto, o baixista Nick O'Malley se dilui nos arranjos do material recente do grupo

Cada vez mais discreto, o baixista Nick O'Malley se dilui nos arranjos do material recente do grupo

O visual do palco com cortinas gigantes no fundo que recebem luzes de cores diferentes – nada de telão, ótimo! – e duas telas verticais dos lados com imagens distorcidas, é semelhante aos da última turnê. A estrutura do set list também se repete no formato de vinte e poucas músicas, sendo três no bis. Nesse misto de fase nova com período de grande sucesso, realçam o arremate final com “R U Mine?”, unanimidade total; “Four Out of Five”, numa versão diferentona e que pega até o fã mais dedicado de surpresa; “Why’d You Only Call Me When You’re High?”, também readaptada, lembrando que a formação de palco inclui três músicos extras que tocam guitarra, teclado e até percussão; e “Sculptures of Anything Goes”, espécie de macha fúnebre do disco novo que teve a estreia na turnê. No fim das contas, a colcha de retalhos de discos tão diferentes entre si acaba deixando um receptivo público bem aquecido. Sabe-se lá até quando esse cobertor curto vai funcionar.

Set list completo

1- There’d Better Be a Mirrorball
2- Brianstorm
3- Snap Out of It
4- Crying Lightning
5- Don’t Sit Down ‘Cause I’ve Moved Your Chair
6- Why’d You Only Call Me When You’re High?
7- Body Paint
8- Four Out of Five
9- Arabella
10- I Ain’t Quite Where I Think I Am
11- That’s Where You’re Wrong
12- Cornerstone
13- Do I Wanna Know?
14- Tranquility Base Hotel + Casino
15- Pretty Visitors
16- Do Me a Favour
17- From the Ritz to the Rubble
18- 505
Bis
19- Sculptures of Anything Goes
20- I Bet You Look Good on the Dancefloor
21- R U Mine?

O baterista Matt Helders parece participar bastante dos ajustes do repertório em pleno palco

O baterista Matt Helders parece participar bastante dos ajustes do repertório em pleno palco

Tags desse texto:

Comentários enviados

Sem comentários nesse texto.

Deixe o seu comentário

Seu email não será divulgado