O Homem Baile

Quase, quase…

Em show no Rio, Arctic Monkeys tenta se adequar à fase modorrenta no palco, mas são os hits da carreira que fazem a alegria dos atentos fãs. Fotos: Vinicius Pereira.

O vocalista do Arctic Monkeys, Alex Turner, toca guitarra em um momento em que não é 'crooner'

O vocalista do Arctic Monkeys, Alex Turner, toca guitarra em um momento em que não é 'crooner'

O momento chave para entender o que se passa com a banda que de indie foi a superstar e agora esboça um calculado recuo acontece no último terço da noite. O público, que canta adoidado, inclusive antecipando à capela vários números depois da terceira nota do maestro Zezinho, está lá em cima, quando, no desfecho de um hit consagrado, um instrumental turbinado vai acalmando as coisas. A bela transição leva para a faixa título do álbum mais recente e aí escancara-se a tal mudança, de maneira sutil, de modo a converter a turba agitada em plateia contemplativa como se nada tivesse acontecido. É o Arctic Monkeys passando de uma vibe para outra com “505” e “Tranquility Base Hotel & Casino”, na reta final do show desta quarta (3/4), na Arena Olímpica, no Rio. É, de certo modo, funciona.

A artimanha deve se repetir na apresentação do Lollapalooza, que vai de amanhã, sexta, dia 5, até domingo (7/4), em São Paulo, e quase é saída para a nada fácil tarefa de entrosar as músicas novas, mais lentas, arrastadas do novo álbum, lançado há quase um ano, com os sucessos de “AM”, de 2013, que catapultou a banda para o estrelato. Quase porque a tal transição acontece na parte final, e, antes, uma ou outra música das novas aparecem e passam batidas. E, no fim das contas, é o repertório de “AM”, associado a números isolados dos outros quatro álbuns, que segura o show. Por que – e ainda tem mais essa – o Arctic Monkeys tem o hábito de, ao menos desde o notável “Humbug” (2009), lançar trabalhos diferentaços entre si. Ou quase isso.

A mão pesada - e não é hoje - do baterista Matt Helders durante todo o show do Arctic Monkeys

A mão pesada - e não é hoje - do baterista Matt Helders durante todo o show do Arctic Monkeys

A fila anda e, entre as novas, poucas fogem do modo modorrento de agradar crítico diplomado em cursinho de ser cool sem deixar de se indie via internet. Uma delas é “Ultracheese”, mais pelo efeito que causa no público (cerca de 13 mil pessoas, segundo os produtores), que dá show com os celulares acesos, e “One Point Perspective”, discreta, bem no início da noite. “Tranquility Base Hotel & Casino” é a mais rica delas, ainda mais com o arranjo que faz a fusão com “505”, mas nota-se um tom de alívio por parte do povaréu quando, em seguida, a ótima “Crying Lightning”, uma das que é reconhecida logo de cara, surge redentora. No palco, o quarteto é turbinado com até o dobro de integrantes, o que garante certa sofisticação sugerida no disco novo, e deixa Alex Turner soltinho para cantar sem ter que tocar nenhum instrumento.

E eis aí uma das facetas deste novo, atual, contemporâneo Arctic Monkeys, como queiram: a de crooner de banda de churrascaria do hotel. Com um figurino no mínimo brega, com direito a terno brilhoso e punhos desabotoados e a manutenção do cabelo engomado, Turner passa boa parte do show apenas como cantor, não de rock propriamente dito, indo ao limite do clichê para fazer o público enlouquecer nesses tempos estranhos, mas como espécie de Rod Stewart em final de carreira precoce encenando uma decadência que, se não possui, tem como ambição. Uma forma de ser o anti-rockstar justamente numa época em que eles estão se extinguindo pela perda de valor da música como um todo no mundo pós internet; “Star Treatment”, a pior faixa de abertura de um disco de rock em muitos anos, abre também o bis.

O guitarrista Jamie Cook, de certa forma ofuscado pelo reforço de outros quatro músicos no palco

O guitarrista Jamie Cook, de certa forma ofuscado pelo reforço de outros quatro músicos no palco

Todo esse modus operandi, contudo, não é o bastante para estragar o show, porque o público sabe exatamente o que quer e, de certa maneira, apesar das interrupções entre músicas, o set funciona sem criar abstinência por muito tempo. Tem “Brainstorm” em velocidade astronômica com o batera Matt Helders soltando a mão; tem o sotaque rockabilly de “Library Pictures”; tem “Teddy Picker” com a embalagem indie que lhe é peculiar. “Why’d You Only Call Me When You’re High?” traz a cantoria espontânea como abertura, e em “Knee Socks” são as palmas marcadas que mostram a ajustada interação público/banda. E tem o arremate certinho com “Arabella” e “R U Mine”, quando a projeção mostra o Monkeys sem Arctic no palco - seria o símbolo da nova fase? Ou só reflexo da tal maturidade?

Na abertura, O Terno aproveitou a oportunidade para fazer aquele que talvez seja o último show da turnê do terceiro álbum deles, “Melhor do Que Parece”, no Rio. E a banda trouxe o naipe de metais a tiracolo, o que aponta para uma divisão do show em, ao menos, duas partes. Uma é a que o trio ganha ares de big band – é legal também – e outra, muito melhor, é a que atua como power trio, sem os metais, mais identificado com o rock do que com a mpb que adora abraçar. Assim, dá pra destacar a hendrixiana “O Cinza”, apesar de certa frouxidão na guitarra, e “Culpa” na segunda parte, e “Lua Cheia”, na primeira. Mas o melhor é que – se surpreende o vocalista Tim Bernardes – boa parte do público ainda pequeno canta muitas das músicas do trio. Que venha o disco novo, então.

O Terno, do vocalista e guitarrista Tim Bernardes, fez o show de abertura com boa receptividade

O Terno, do vocalista e guitarrista Tim Bernardes, fez o show de abertura com boa receptividade

Set list completo Arctic Monkeys:

1- Do I Wanna Know?
2- Brianstorm
3- Snap Out of It
4- Don’t Sit Down ‘Cause I’ve Moved Your Chair
5- One Point Perspective
6- I Bet You Look Good on the Dancefloor
7- Library Pictures
8- Knee Socks
9- The Ultracheese
10- Teddy Picker
11- Dancing Shoes
12- Why’d You Only Call Me When You’re High?
13- Cornerstone
14- 505
15- Tranquility Base Hotel & Casino
16- Crying Lightning
17- Pretty Visitors
18- Four Out of Five
Bis
19- Star Treatment
20- Arabella
21- R U Mine?

Vista do palco do Arctic Monkeys com os músicos de apoio e Alex Turner no comando da banda

Vista do palco do Arctic Monkeys com os músicos de apoio e Alex Turner no comando da banda

Tags desse texto: ,

Comentários enviados

Sem comentários nesse texto.

trackbacks

There is 1 blog linking to this post
  1. Rock em Geral | Marcos Bragatto » Blog Archive » Lá e cá

Deixe o seu comentário

Seu email não será divulgado