O Homem Baile

De emocionar

Atual, musical ‘The Who’s Tommy Live’ revive a grandiloquência do rock de outras épocas e é tributo à genialidade de Pete Townshend. Fotos: Rodrigo Simas.

Gary Brown se parece com o vocalista do Who, Roger Daltrey, no papel de Tommy na fase adulta

Gary Brown se parece com o vocalista do Who, Roger Daltrey, no papel de Tommy na fase adulta

A cena na beirada do palco é de redenção e o contato com a bem-comportada plateia transparece forte emoção de parte a parte. Um desfecho que, dada a época em que o espetáculo foi concebido poderia parecer óbvio, mas segue causando impacto por si próprio, porque, no fim das contas, para que serve a arte senão para emocionar? E o público não se cansa de repetir os versos finais de “We’re Not Gonna Take It”, com um “quê” de esperança por dias melhores nesses tempos tão estranhos, traduzido em olhos marejados e sorrisos largos. É assim que termina a encenação da ópera rock “Tommy”, concebida há 50 anos pelo The Who, em um Vivo Rio lotado, no Rio, nesta sexta (22/4).

Não parecia, contudo, que seria assim. Porque “The Who’s Tommy Live” não é exatamente o musical baseado no álbum do Who, originalmente convertido por Pete Townshend, o gênio por trás do grupo. Mas uma adaptação do filme “Tommy”, dirigido por Ken Russel, e adaptado para os palcos por Alan Veste. Pode parecer pouco, mas para o bom o conhecedor do Who – e há muitos na casa; e é bom que se conheça a obra antes de se encarar um espetáculo desse tipo – faz diferença. Porque a história contada nas músicas pode ser de difícil compreensão, ainda mais quando os textos explicativos aparecem no telão em inglês mesmo, sem tradução. Na tela, cenas do filme “Tommy” de certo modo interagem com o espetáculo, e o resto os atores se encarregam de fazer.

Tommy e o Mestre do Pinball, em um dos momentos mais aplaudidos da noite, durante 'Pinball Wizard'

Tommy e o Mestre do Pinball, em um dos momentos mais aplaudidos da noite, durante 'Pinball Wizard'

Não são tantos assim, e assumem mais de um papel, sem que isso comprometa o entendimento da história do menino que, “surdo, mudo e cego”, testemunha o assassinato do pai, piloto da força aérea britânica, pelo amante da mãe e fica traumatizado. Tommy cresce em meio a abusos que incluem a ação de um pastor, do tio (função acumulada pelo ótimo baterista Howard Minns), do padrasto, da própria mãe e assim por diante, em um tema assaz atual – repita-se - cinquenta anos depois. Como na fábula do patinho feio, Tommy, já adulto, se converte em um superstar ao descobrir a incrível habilidade para o fliperama, trecho do musical que fala por si só graças ao blockbuster “Pinball Wizard”, música reconhecida, cantada e celebrada por toda a plateia.

Público que – empolgado – retribui com aplausos em praticamente ao final de cada música/cena. Com a ausência de cenário no palco, cabe às imagens do telão manter o ambiente, e aí realça o desempenho dos atores, com destaque para Joanna Male, que ainda por cima tem um vozeirão daqueles, e Stuart Rafael, em um grande entra e sai para troca de figurinos. Gary Brown, que interpreta Tommy, se destaca na parte final, como ótimo cover de Roger Daltrey, o vocalista do Who que brilha no filme no mesmo papel. Brown lidera uma bandaça que, além de tocar durante a encenação, manda uma segunda parte com clássicos do Who off-“Tommy” que não chega a completar as três horas de show como prometido, mas as versões para “Won’t Get Fooled Again” e “Baba O’Riley”, decoradas com feixes de raio laser lançados sobre o público, são ótimas.

Família feliz? O padrasto, mamãe e o pequeno Tommy, tentando entender o que se passa

Família feliz? O padrasto, mamãe e o pequeno Tommy, tentando entender o que se passa

Em meio a um álbum musical transformado primeiro em filme e depois em espetáculo teatral, cabe a reflexão acerca da genialidade de Pete Townshend e toda a sua obra nas mais diversas fases do Who e em carreira solo. E de como o rock já foi grandiloquente e ainda assim – e por isso mesmo – influente em todo e qualquer segmento das artes. E que, no fim das contas, ainda que ele apareça em flerte com qualquer uma dessas áreas, é a música, a boa música que fica. Daí a emoção real e ao vivo do desfecho não só do espetáculo em si, com “We’re Not Gonna Take It”, mas também no final do bis, no arremate preciso de “Join Together”. Porque só a música em seu estado mais revolucionário – o rock – pode nos tirar desses becos sem saída nos quais nos metemos dia após dia.

Set list completo

Musical Tommy
1- Overture
2- It’s A Boy
3- 1951
4- Amazing Journey
5- Sparks
6- The Hawker
7- Christmas
8- Cousin Kevin
9- The Acid Queen
10- Do You Think It’s Alright?
11- Fiddle About
12- Pinball Wizard
13- There’s A Doctor
14- Go to the Mirror!
15- Tommy Can You Hear Me?
16- Smash the Mirror
17- Underture
18- I’m Free
19- Miracle Cure
20- Sensation
21- Sally Simpson
22- Welcome
23- Tommy’s Holiday Camp
24- We’re Not Gonna Take It
Show
25- Won’t Get Fooled Again
26- Baba O’Riley
27- Behind Blue Eyes
28- Who Are You?
29- Join Together

O palco com o pequeno Tommy à frente, a banda tocando e o telão no fundo com imagens do filme

O palco com o pequeno Tommy à frente, a banda tocando e o telão no fundo com imagens do filme

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