O Homem Baile

Fulminante

Inspirado, Pearl Jam reafirma o poder de fogo em cima do palco para um manancial de gente no Lollapalooza. Fotos Divulgação Lollapalooza: Camila Cara/MRossi.

Em noite particularmente inspirada, Eddie Vedder solta a voz no palco do Lollapalooza lotado

Em noite particularmente inspirada, Eddie Vedder solta a voz no palco do Lollapalooza lotado

Está perto de acabar o solo deliciosamente sem fim de “Alive”, e Eddie Vedder e Mike McCready estão juntos, no centro, na beirada do palco, já na grade que os separa fisicamente do público. Vivíssimos, estão prestes a finalizar uma das grandes apresentações do Pearl Jam, como se tivessem querendo tocar ainda mais do que as duas horas e tal possíveis como a headliner da segunda noite do Lollapalooza, neste sábado (24/3). Isso diante de um verdadeiro manancial de gente represado na frente do palco principal (100 mil pessoas no total, segundo os produtores), em espécie de arena esculpida pela própria natureza, da qual a banda é força vocacional. E que, por vezes, consegue, já quase 30 anos de estrada, se superar brilhantemente, quando o assunto é tocar em cima de um palco.

Porque nesse sábado de se anotar no caderninho, eles não estavam mesmo para brincadeira. De cara, uma traulitada de cinco músicas seguidas de tirar o fôlego do mais dedicado dos fãs, senão vejamos: a) “Wash”, que mostra um McCready possesso de fábrica, com uma bandagem protegendo a mão direita; b) “Corduroy”, inaugurando a vibração fluida da massa e com Vedder girando o braço na guitarra à Pete Townshend – teria mais The Who mais tarde; c) “Do the Evolution”, com até o guitarra base Stone Gossard fazendo da suas nos solos; d) A queridinha da plateia “Why Go”; e e) uma “Mind Your Manners” quase hardcore de tão suja e tocada com atitude tal que não é reconhecida de primeira. Um início de show matador, com, ao que parece, os músicos ligados em pelo menos 440 volts.

'Possesso de fábrica', o guitarrista Mike McCready, com bandagem na mão, é parceiro ideal de Vedder

'Possesso de fábrica', o guitarrista Mike McCready, com bandagem na mão, é parceiro ideal de Vedder

Pacifista praticante, em um de seus discursos habituais Eddie Vedder revela que está orgulhoso de seus familiares terem participado da passeata contra as armas que levou multidões às ruas nos Estados Unidos, o que pode ser uma pista para tal eloquência inicial. “Ao invés de se sentir poderoso com uma arma na mão o sujeito deveria experimentar uma guitarra, como fez Mike McCready com 10 anos de idade”, diz ele, antes de anunciar “Even Flow”, sempre uma das mais comemoradas pelo público. McCready entende o recado e parte para o seu costumeiro número que cita Jimi Hendrix - não seria essa a única ocasião - e tem a guitarra levada às costas, só que, dessa vez, com uma inesperada gana que o leva a passear pela grade, gesto repetido por ele e por Vedder durante toda a noite. Como se vê, a dupla está inspiradíssima.

Outra pista é o encontro da banda, nos bastidores, com outros artistas que tocam neste sábado, e aí Perry Farrel, idealizador do Lolla, e que fora visto circulando de palco a outro no festival, se junta à banda para receber um parabéns pra você no dia de seu aniversário, e para cantar um versão inesperada, ainda que com a voz detonada, de “Mountain Song”, do Jane’s Addiction, sua banda mais relevante. Um plus e tanto para uma noite já especial. Logo adiante, Vedder reforça o carimbo de gênio em David Byrne, que tocou mais cedo em um dos palcos secundários, ao improvisar um trechinho de “Pulled Up”, dos Talking Heads, antes de “Unthought Known”. E a música tocada junto ao discurso antiarmas é a nova “Can’t Deny Me”, lançada esse mês, sem ao menos ser apresentada. Reparem que tudo isso – ufa! - acontece antes mesmo de ser completada uma hora de uma apresentação que, sabe-se de antemão, costuma render exagerada minutagem.

Até o guitarrista base Stone Gossard desanda a solar no show turbinado do Pearl Jam no Lolla

Até o guitarrista base Stone Gossard desanda a solar no show turbinado do Pearl Jam no Lolla

O repertório, praticamente exclusivo de cada show, mantém a ênfase no álbum de estreia, “Ten”, com performances arrojadas para sete das 11 músicas, mas tem lá suas inclusões pouco esperadas, como a recente “Sirens” e a obscura “Down”, que, juntas, dão uma caída no ritmo do show. Nos covers marcantes em que o Pearl Jam se assume com classic rock sem deixar de ter relevância própria, a escolha é “Comfortably Numb”, do Pink Floyd, em que Vedder cita o “trabalhador” Roger Waters, mas é a imagem de David Gilmour que surge sob a aura de McCready, que interpreta espetacularmente um dos melhores e mais representativos solos do rock’n’roll em toda as épocas. O cenário de palco da turnê se ajusta perfeitamente a essas mudanças; veja mais detalhes na cobertura do show do Maracanã.

Músicas que mantém a conhecida pegada de um show do PJ são “Better Man”, que vai da cantoria suave do público no início, a um desfecho em um ótimo crescente instrumental; “Jeremy”, com picos de audiência do gogó da multidão em trechos específicos e gravados na mente de cada um que se deslocou até o Autódromo; “Black”, que tem Mike McCready usando a guitarra mais surrada que a chuteira de Garrincha na Copa de 1958; e um final de primeira parte acachapante com “Porch”, assim como foi no Rio, mas a experiência nunca se encerra em si mesma. Além da emblemática cena de “Alive”, que abre o texto, com a performance daquele que é disparado o maior hit do Pearl Jam em todos os tempos, o bis ainda tem espaço para “Baba O’Riley”, do The Who. Ou seja - e conclua-se e que se dê fé pública -, por tantos motivos uma noite para se anotar no caderninho das boas memórias.

Eddie Vedder forçando a voz em sua performance, com Stone Gossard tocando concentrado, atrás

Eddie Vedder forçando a voz em sua performance, com Stone Gossard tocando concentrado, atrás

Sei list completo:

1- Wash
2- Corduroy
3- Do the Evolution
4- Why Go
5- Mind Your Manners
6- Elderly Woman Behind the Counter in a Small Town
7- Can’t Deny Me
8- Even Flow
9- Mountain Song
10- Breath
11- Pulled Up
12- Unthought Known
13- Jeremy
14- Sirens
15- Down
16- Better Man
17- Hold On
18- Black
19- Once
20- Lukin
21- Porch
Bis
22- Smile
23- Comfortably Numb
24- Alive
25- Baba O’Riley
26- Yellow Ledbetter

O ótimo baterista Matt Cameron, sempre eficiente na condução das músicas do Pearl Jam

O ótimo baterista Matt Cameron, sempre eficiente na condução das músicas do Pearl Jam

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