O Homem Baile

No alvo

No Maracanã, Pearl Jam volta a brilhar em show marcado por discursos, atenção aos detalhes, pequenas surpresas e interação com o público. Fotos: Luciano Oliveira.

O líder do Pearl Jam, Eddie Vedder, testando a voz num começo de show morno no Maracanã

O líder do Pearl Jam, Eddie Vedder, testando a voz num começo de show morno no Maracanã

Por mais que se tenha a expectativa para um espetáculo de grandes proporções, e – sabe-se – um show de rock antecede a si próprio e não se encerra em si mesmo, com o Pearl Jam a parada é certa. O grupo chegou a um ponto – e já faz tempo – que sempre entrega o que o público deseja, e, ao mesmo tempo, sem deixar de surpreender em pequenos detalhes, seja na escolha do repertório de cada noite ou em tomadas de decisões. Conectado com a realidade, costuma chamar a atenção até de quem não se interessa pelo som em si, e, vamos e venhamos, não há quem não goste; existem os que não têm interesse. E foi assim na noite deste domingo em que cerca de 50 mil pessoas se refestelaram no Maracanã, na terceira passagem da banda pelo Rio, ao encerrar uma turnê que passou por cinco capitais (veja uma geral aqui).

Em princípio, nem parecia que a noite seria tão legal assim. O grupo erra a entrada logo na primeira música, e, talvez no afã de incluir faixas ainda não tocadas nas outras cidades, começa com duas murrinhas de dar dó. “Oceans” e “Present Tense” frustram a usual explosão inicial de um show de rock, cujo começo pra valer só vem com “Corduroy”, um quase hit às avessas que, aí, sim, coloca o púbico para cantar e praticamente não se calar dali pra frente. O palco, sem aquele telão gigantesco que polui espetáculo de grandes nomes do rock mundial, tem globos com luzes que sobem e descem por cabos de aço e chegam a ser esbarrados e chutados pelos integrantes. No teto, uma instalação (sim, eles são metidos a artistas) em formato de águia fabricada com escapamentos de motores de carros que poluem o mundo. E, no fundo, o pano com a arte do disco mais recente, “Lightning Bolt”, lançado em 2013 (resenha aqui), com luzes em forma de raios. Simples e eficiente.

Todo o feeling do guitarrista Mike McCready: começou arrumadinho e terminou desfilando na grade

Todo o feeling do guitarrista Mike McCready: começou arrumadinho e terminou desfilando na grade

Não é exatamente a turnê desse disco, e apenas três faixas são cedidas ao show. A melhor delas é o single “Mind Your Manners”, que, coladinha em “Do the Evolution”, é praticamente o melhor momento do início, à exceção das imbatíveis músicas do álbum de estreia, “Ten”, disparado o melhor trabalho do grupo, e que desencadeia cantorias absolutas no meio do povão. As outras duas do CD novo são “Sirens”, que não emplaca ao vivo, e a desperdiçada “Yellow Moon”, tocada pela primeira vez nessa turnê, mas em clima de sarau no início da segunda parte, no meio do trecho “acústico”. As novidades, sutis, mas novidades, são a inclusão de nada menos que oito músicas não tocadas antes nessa turnê. As duas melhores são a ótima “The Fixer”, single do álbum anterior, o bom “Backspacer”, de 2009 (resenha aqui), que não era tocada há um bom tempo, e “Setting Forth”, da carreira solo de Eddie Vedder, que o público adora. No geral, músicas de todos os discos são comtempladas, à exceção de “Binaural”, de 2000, barrado no baile sem dó.

Vedder, que esteve no Brasil no ano passado com um show solo, quase um stand up (relembre), está se tornado um falastrão dos bons, com engraçados textos lidos em português, e haja vinho! Em geral são falas leves que elogiam brasileiros e cariocas em particular (em “Given to Fly” os telões laterais mostram belíssimas cenas das cidades filmadas em um sobrevôo), e agradece a público e equipe. Em “Porch”, uma fã que se diz aniversariante do dia é chamado no palco para cantar o trecho inicial, e, na parte final do show, o vocalista ganha uma sunga de presente, verifica se é realmente nova e veste por cima da bermuda. Nos agradecimentos, uma garrafa de cachaça de qualidade duvidosa é entregue no palco e usada para brindar com o público. O baixista Jeff Ament sentiu o drama, chupou limão e foi pedir socorro a sua garrafa de energético colorido preferida.

O discreto baixista Jeff Ament, que não dispensou uma cachacinha do brinde final do show

O discreto baixista Jeff Ament, que não dispensou uma cachacinha do brinde final do show

A coisa só pesa quando, antes de “Imagine”, de John Lennon, Vedder fala dos atentados de Paris e cita textualmente o nome de Pierre-Antoine Henry, uma das vítimas, conhecido dos integrantes. E o discurso falha na hora em que chama o público de família, justamente a última coisa que um show de rock - e o rock em si - deve ser, mas combina com a pieguice da música e há quem chore na multidão. Dadas as circunstâncias, até que tudo se justifica, muito embora seria melhor apenas ter tocado, ainda na primeira parte, o nervoso cover para “I Want You So Hard (Boy’s Bad News)”, do Eagles Of Death Metal, que, aliás, eles devem ter aprendido a tocar aqui no Brasil, depois de a banda ser alvo de terroristas em Paris (saiba mais). Outro ponto para o Pearl Jam. Já “Comfortably Numb”, do Pink Floyd, novidade nessa turnê, quase ignorado pela plateia, merecia uma performance mais arrojada de Mike McCready.

Não que o guitarrista estivesse de bobeira. Ele se dedica a lindos solos sem fim, especialmente quando usa uma guitarra mais surrada que mulher de malandro. Acontece em “Why Go”, na estupenda “Alive”, o maior hit do PJ, quando vai ao fosso sem perder a técnica, e em “Porch”, quando divide as atenções com Stone Gossard. Este, notório guitarra base, também faz das suas em “Rockin’ in the Free World”, de Neil Young, junto com McCready, quando uma calma roda de dança se forma, e ainda em “Do the Evolution”, entre outras. Curiosamente, cabe a Eddie Vedder espatifar a guitarra no chão depois de imitar Pete Townshend, do The Who, girando o braço, e Paul Stanley, do Kiss, ao jogar o instrumento para cima, tudo isso no final da surpreendente “Better Man”. Se Ament é discreto na maior parte do tempo, só aparece em algumas introduções, e o tecladista Boom Gaspar pouco é escutado, Matt Cameron é uma usina de bater tambores de um homem só fundamental para o Pearl Jam.

Matt Cameron: a usina de bater tambores de um homem só que é fundamental para o Pearl Jam

Matt Cameron: a usina de bater tambores de um homem só que é fundamental para o Pearl Jam

Independente de avaliações de carisma de parte a parte, e salvaguardando que Eddie Vedder é, definitivamente (embora cabeçudo), um ser humano especial, o que se vê no palco é que os caras estão se divertindo pra valer e fazendo tudo com muito gosto. Não soa falsa a empatia da banda com o público, tampouco o apego por detalhes que parecem irrelevantes, mas importam, como entregar uma pandeirola na mão de um sujeito; é tudo verdade. E a vontade de fazer diferente, de compartilhar o máximo possível de experiências, com uma – repita-se – simplicidade ímpar, coroa uma banda que entende como poucos o que é o rock e como o rock funciona e se fecha em si próprio. O que faz o público, amplo e bastante diverso, também compreender o que se passa e realimentar o palco da mesma forma. Mesmo porque o rock tem a vocação das multidões, e sempre cabe mais um para rockear nesse mundão livre.

Set list completo:

1- Oceans
2- Present Tense
3- Corduroy
4- Hail, Hail
5- Mind Your Manners
6- Do the Evolution
7- Amongst the Waves
8- Save You
9- Even Flow
10- Who You Are
11- Setting Forth
12- Not for You
13- Sirens
14- Given to Fly
15- I Want You So Hard (Boy’s Bad News)
16- Comatose
17- Lukin
18- Rearviewmirror
Bis
19- Yellow Moon
20- Elderly Woman Behind the Counter in a Small Town
21- Just Breathe
22- Imagine
23- Jeremy
24- Why Go
25- The Fixer
26- Porch
Bis
27- Last Kiss
28- Comfortably Numb
29- Spin the Black Circle
30- Black
31- Better Man
32- Alive
33- Rockin’ in the Free World
34- Yellow Ledbetter

Entrosados: McCready, Ament e Vedder se acertam no início depois de erro na primeira música

Entrosados: McCready, Ament e Vedder se acertam no início depois de erro na primeira música

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Comentários enviados

Existem 4 comentários nesse texto.
  1. Bernardo em novembro 23, 2015 às 15:01
    #1

    Parabéns pela gigante cobertura da turnê do PEARL JAM no Brasil. Rock em geral está nos meu favoritos….. ! Parabéns pelo trabalho, sucesso pra vocês, um abraço!! ROCK EM GERAL WOW!!

  2. Bernardo em novembro 23, 2015 às 15:02
    #2

    Vale destacar que o ROCK EM GERAL foi um dos poucos sites que cobriram toda a turnê do PEARL JAM no Brasil. Sou fã incondicional deste site, parabéns pelas atualizações diárias. UM ABRAÇO, VALEU!

  3. Eddie em novembro 23, 2015 às 15:05
    #3

    Bela resenha… O Pearl Jam é mais do que uma banda de rock, é uma religião! Orgulho de ser fã desses caras. Pearl Jam é igual vinho, quanto mais velho, melhor fica. E vale destacar que o Pearl Jam doou todo o cachê do show em BH para as vítimas de Mariana/MG, gesto exemplar a ser seguido por essa classe artista brasileira podre que nada fez de útil até o momento para a tragédia no interior de Minas.

  4. Fernando miranda em novembro 23, 2015 às 23:02
    #4

    A atitude dessa banda (inclusive doando cachê pras vitimas da Vale) só me faz ter nojo dos nossos artistas. Inúteis, 99% deles. Usam o espaço e influência para… peraí que vou pensar em algo… para postar selfies e fazer caretas na praia. Bando de inúteis.

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