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‘Sabendo de onde veio’, Lacuna Coil mostra amadurecimento como banda definitiva no metal contemporâneo. Fotos: Daniel Croce.

A vocalista do Lacuna Coil, Cristina Scabbia, em ótima performance no show do Circo Voador

A vocalista do Lacuna Coil, Cristina Scabbia, em ótima performance no show do Circo Voador

Ainda não passa da metade da noite, mas o show já tem de tudo um pouco: música do disco novo, discurso de vocalista, música do disco anterior e o escambau. Mas o público - bastante renovado, diga-se - que enche o Circo Voador na noite deste domingo (16/2) de Blocos de Sujo vem abaixo mesmo quando um super hit é tocado fazendo todo mundo cantar um refrão grudento daqueles que não sai da cabeça de modo algum. E – ainda tem mais essa – interpretado de modo sublime por uma banda redondinha no palco, com performances individuais que chamam a atenção. É o Lacuna Coil tocando “Heaven’s a Lie” com um vigor impressionante, em uma sequência bem engendrada de canções que só poderia mesmo desaguar no massivo coro de “Lacuna! Lacuna!”.

É a turnê do bom álbum “Black Anima”, lançado em junho passado, e o repertório tem um bom punhado de músicas dele e do anterior, “Delirium”, de 2016, apresentado por aqui em uma abarrotada apresentação no Teatro Odisseia (relembre). Juntas, ao vivo, essas músicas mostram uma banda que soube amadurecer e dar o passo além, ao sair de um subgênero bem específico, o gothic metal, e de uma região incomum na geografia do metal, Milão, na Itália, para se converter em uma banda clássica do heavy metal mundial, em que pese todas as referências iniciais e a consciência de “saber de onde veio”, condição explorada pela vocalista Cristina Scabbia em uma de suas reflexivas falas. A ragazza, inclusive, em grande fase, é seguramente o destaque da noite, cantando e interpretando cada música de modo extraordinário.

O vocalista Andrea Ferro, o baterista caçula na banda, Richard Meiz, e o baixista Marco Coti Zelati

O vocalista Andrea Ferro, o baterista caçula na banda, Richard Meiz, e o baixista Marco Coti Zelati

É o que aparece em “Reckless”, por exemplo, dotada de um refrão irresistível e que realça a entrada da voz feminina, limpa, afiada, contrastando com a grosseria rasgada de Andrea Ferro. Ressalta-se que poucas vezes esse recurso, bastante usado do meio da década de 1990 pra cá, se consolida tão bem. Ou em “Blood, Tears, Dust”, que inadvertidamente abre o set, em outra intervenção precisa de Scabbia; o que ela está cantando não está no gibi. Em “Sword Of Anger”, outra do álbum novo, que de certo modo prepara o terreno para “Heaven’s a Lie”, o groove contemporâneo se alia a uma guitarra minimalista daquelas, com outra showzinho da dupla de vocalistas. Curiosamente, nas músicas mais recentes, mesmo as não reconhecidas de primeira, o aplauso ao final é total, o que salienta que é a performance de palco o motivo de tal adesão. Ou seja, quando o show é bom, a plateia percebe sem a chateação de receber ordens para fazer isso ou aquilo de vocalistas sem carisma.

Além da formação, que inclui o guitarrista Diego Cavallotti, o baixista Marco Coti Zelati e o baterista e caçula na formação Richard Meiz, a banda faz uso de um aparato eletrônico bem sacado que cobre recursos de estúdio usado na gravação dos álbuns. Nada desonesto, porém, como o show da turnê de 2013, quando a banda veio ao Brasil sem baixista (relembre). O figurino de palco, trocado uma vez no intervalo, e as caras pintadas são outras preocupações da banda, já há tempos, e contribui deveras para a paisagem geral e para a fixação do tal momento que Scabbia quer que todos aproveitem, para além das músicas em si. O desfecho da primeira parte vem com a versão despojada de “Enjoy The Silence”, do Depeche Mode, o que é sempre bom para marcar a indelével ponte entre o gothic metal e o pós punk lá dos anos 80.

O brilho do bom guitarrista Diego Cavallotti, discreto na maior parte do tempo, mas que não se omite

O brilho do bom guitarrista Diego Cavallotti, discreto na maior parte do tempo, mas que não se omite

Mas, a caminho de fechar a terceira década de vida, o Lacuna Coil já pode ser considerado uma banda de classic rock, e a segunda parte do show revela a intenção de não deixar o passado se esvair. Ou, por outra, de revirar mesmo o baú. Como a banda gravou há pouco mais de um ano em Londres o álbum/DVD “Nothing Stands In Our Way (The 119 Show)”, é dele que saem pérolas como “A Current Obsession”, com destaque para as duas vozes limpas em dueto daqueles entre Cristina e Andrea, e “Comalies”, dos tempos em que eles ainda usavam o idioma natal nas letras. O artifício pode ter pego o público - renovado, repita-se - de calças curtas, mas, em compensação, ainda há tempo para a nova “Veneficium”, com brilho de Cavallotti no solo, e o desfecho com “Nothing Stands in Our Way”, mais canção pop – e das boas – do que metal propriamente dito, para a alegria geral de todo mundo.

Set list completo:

1- Blood, Tears, Dust
2- Our Truth
3- Reckless
4- My Demons
5- Layers of Time
6- Downfall
7- The House of Shame
8- Sword of Anger
9- Heaven’s a Lie
10- Save Me
11- Enjoy the Silence
Intervalo
12- A Current Obsession
13- 1.19
14- When a Dead Man Walks
15- Soul Into Hades
16- Tight Rope
17- Comalies
18- Veneficium
19- Nothing Stands in Our Way

O bom entrosamento da dupla Scabbia e Ferro: poucas vezes o artifício deu tão certo no heavy metal

O bom entrosamento da dupla Scabbia e Ferro: poucas vezes o artifício deu tão certo no heavy metal

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