O Homem Baile

Sem rebaixamento

Com repertório clássico e ao mesmo tempo apontando pra frente, Lacuna Coil se sai bem ao estrear em espaço menor no Rio. Fotos: Nem Queiroz.

Toda a performance de Cristina Scabia, cantando cada vez melhor, em um ótimo show do Lacuna Coil

Toda a performance de Cristina Scabia, cantando cada vez melhor, em um ótimo show do Lacuna Coil

Lembra daquela banda italiana de gothic metal soturna pra dedéu e que só era vista em palcos sob sombras e muita fumaça? Pois agora ela reaparece com todo mundo vestido de branco e maquiagem mezzo Slipknot mezzo corpsepaint. A ideia é satisfazer a temática do álbum mais recente, o bom “Delirium”, cuja turnê passou nesta sexta (10/3) por um Teatro Odisséia abarrotado em fervorosa matinê. As roupas brancas são réplicas de camisas de força e, lá pela terceira, quarta música, a vocalista Cristina Scabia manda um “Bem-vindos ao nosso sanatório!”, em uma noite que seria marcada por ótima interação entre público e artista. Esperto, o Lacuna Coil, depois de duas turnês com shows no Circo Voador, converteu a mudança para o local menor como uma oportunidade de tornar a noite mais intensa, íntima, tensa até. E foi mesmo.

E, honra seja feita, dessa vez os produtores capricharam. Além da qualidade do som, uma constante já há tempos no local, também certamente reforçada pelo produtor do grupo, dessa vez teve iluminação de show, o que conta bastante para uma performance arrojada por parte dos músicos. Sobretudo pela duplinha de vocalistas, além de Scabia, Andrea (Andy?) Ferro. Mesmo porque, fora eles e o baixista Marco Coti Zelati, o resto é um cata-cata daqueles que não influi nem contribui, muito pelo contrário, em que pese a força e a precisão do baterista defunto Rayan Folden. E, também, que o Lacuna Coil é, com vinte e poucos anos, quase uma banda de classic rock inserida, mas não tanto nos últimos tempos, no metal, o que acarreta em um repertório que fala por si e é conhecido de grande parte da plateia.

Daí a cantoria rolar solta em músicas como a ótima “Swamped”, que segue funcionando muito bem; em “Spellbound”, uma ode ao pós punk oitentista que a banda abraça há tempos, e chega a parecer o encerramento do show, dada a motivação geral; e até na cascuda “Heaven’s a Lie”, estrela absoluta do bis com um fôlego difícil de renovar ali naquele palco encravado no fundo do Odisséia. Há praticamente citação a todos os álbuns no repertório, a não ser justamente o de estreia, “In a Reverie”, numa outra amostra de mudança e renovação do conteúdo artístico do grupo. Em compensação – e é ótimo que seja assim -, “Delirium”, lançado há cerca de um ano, cede nada menos que sete faixas ao show, numa demonstração de vitalidade e de que o Lacuna Coil não está ancorado a standards do passado.

O baixista Ryan Folden, os vocalistas Cristina Scabia e Andrea Ferro, e o guitarrista Diego Cavallotti

O baixista Ryan Folden, os vocalistas Cristina Scabia e Andrea Ferro, e o guitarrista Diego Cavallotti

Entre elas, dá pra ressaltar sem medo de errar a força da faixa-título, que abre o bis em um climão danado, e nem parece que a música tem menos de um ano; “Ghost in the Mist”, identificada com a fase nu-metal da banda, com um ótimo duelo Cristina versus Andrea; e “Blood, Tears, Dust”, na qual a vocalista força a voz para um alcance difícil de conseguir, em uma música densa, pesada e com ótimo solo do guitarrista Diego Cavallotti. É um bom exemplo de como Scabia anda cantando bem demais nos últimos tempos, com a voz melhor empostada do que em épocas mais remotas. Já “My Demons”, apresentada como escolha dos fãs via internet, não colou; vai ver não foram os daqui que participaram da enquete.

A casa está lotada e apertada. Mas, se arrumar direitinho, todo mundo se diverte, exceto pelo uso desmedido dos aparelhos emburrecedores que têm estragado os shows de rock nos últimos tempos. “Abaixa essa porra!”, determina uma fã que se sente prejudicada. A cantoria/gritaria é tanta que Cristina Scabia se entrega logo no início do show ao atestar – com ou sem reconhecimento de firma – que a plateia do Rio é a que mais alto canta nesse mundão. Pelo sim, pelo não, em “Trip The Darkness” e “Nothing Stands In Our Way” (we fear nothing!), a banda quase para pra ouvir a cantoria passar. “Enjoy the Silence”, apropriada do Depeche Mode, e que até a moça do caixa conhece, é a síntese da diversidade possível alcançada por uma banda de metal sombrio da capital da moda italiana em plena Lapa de música de gosto duvidoso.

Espremido na beirada do que sobrou do palco, o Innocence Lost fez o que pode para mostrar umas seis, sete músicas na abertura. Com problemas no microfone logo no início, a boa vocalista Mari Torres se enrolou toda para dar seguimento ao show. Mesmo assim, deu pra sacar duas músicas novas que estarão no próximo lançamento do quinteto, uma com a cara do Dream Theater, menos alongado, além de outras já conhecidas, não pelos fãs do Lacuna Coil, mas de shows do grupo. A mais colante é “Falling Down”, mas muito caroço ainda pode sair desse angu. Podem apostar.

A eloquência de Cristina Scabia, que elegeu a plateia do Rio como a mais barulhenta do mundo; será?

A eloquência de Cristina Scabia, que elegeu a plateia do Rio como a mais barulhenta do mundo, será?

Set list completo Lacuna Coil:

1- Intro
2- Ultima Ratio
3- Spellbound
4- Die & Rise
5- Kill the Light
6- Blood, Tears, Dust
7- Victims
8- Ghost in the Mist
9- My Demons
10- Trip the Darkness
11- Senzafine
12- Swamped
13- Downfall
14- Our Truth
15- Enjoy the Silence
16- Nothing Stands in Our Way
Bis
17- Delirium
18- Heaven’s a Lie
19- The House of Shame

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