O Homem Baile

Com futuro

Talentoso e precoce, Jake Bugg mostra espaço para crescer muito mais em apresentação diversificada no Circo Voador. Fotos: Nem Queiroz.

Jake Bugg empunhando a guitarra com a voz anasalada em um show diversificado e cheio de nuances

Jake Bugg empunhando a guitarra com a voz anasalada em um show diversificado e cheio de nuances

Já passa da metade de uma noite que começa surpreendentemente no horário no Circo Voador e um garoto tímido, em cima do palco, fica mais sem graça ainda. Ele já é conhecido, acaba de engatar uma boa sequência de músicas, mas, sob uma penca de aplausos adquiridos com antecedência – é um show do tipo Queremos – se vê absolutamente sem jeito. Mais que um bardo bobdylanesco, Jake Bugg é um inglesinho sinistro cuja alma vem do Delta do Mississipi e acaba de desenrolar um eloquente solo de guitarra, objeto das intensas palmas e da resultante semjeitice ainda mais aprofundada. E “Simple Pleasures”, a música que serve de pretexto para a exibição da latente virtuose, é só uma das facetas do rapaz de tenros 23 aninhos.

Curiosamente, outra delas aparece logo em seguida, quando “Gimme That Love”, carregada com batidas dançantes e uma tecladeira feroz, converte o bom show em uma rave cruel. E uma terceira ainda aparece, nessa mesma reta de chegada, quando Bugg dispensa a banda de apoio e, sozinho, enfia a brega “Broken” goela abaixo, em uma performance – vá lá – assaz dramatizada. O que mostra que o músico não é apenas um queridinho do alt-country ou um indie não sei o que lá. Mas um artista promissor que, se bem orientado - e se ele mesmo, em um processo de amadurecimento for esperto o bastante - pode ocupar lacunas deixadas por gente que faz de raízes ingênuas do blues, do country e do rock, um fértil terreno onde já brilham nomes como ZZ Top, Joe Bonamassa e até George Thorogood.

Já com a banda na parte principal do show: tomando uma e outras e pedido de desculpas o tempo todo

Já com a banda na parte principal do show: tomando uma e outras e pedido de desculpas o tempo todo

Música boa é o que não falta, e eis aí outro lado profícuo da curta, mas intensa carreira do prodígio Jake Bugg. Pense que “Two Fingers” é a que abre a noite pra valer, depois de ele sozinho mandar quatro músicas na voz e violão, como quem abre o show para si próprio. O refrão grudento faz a turma cantar direitinho, muito embora o salão não esteja tão cheio assim. Em “Messe Up Kiss”, empurrada mais para adiante em relação ao show de São Paulo, explode a versão mais rock que domina na segunda metade, como se houvesse um plano bem bolado para a noite. “Bitter Sault”, outra famosa, revela um inesperado heavy blues que ainda enverga a bandeira da black music americana nos solos, preparando pra o pula-pula de “Seen It All”, que os empolgados curtem adoidado.

Estacado à frente do palco, Jake Bugg faz da timidez um advance e se molda como o genro com o qual toda mãe sonha. Pede desculpas por beber uma e outras em pleno show (caipirinha?) ou por qualquer outra coisa e agradece que é uma beleza, num tom de voz grave, longe do anasalado que solta ao cantar, e sem o carregado sotaque da roça britânica; lembram do Delta do Mississipi? Diferentemente de outros artistas internacionais de porte semelhante, traz um show com cenário e iluminação próprios, o que contribui para o chamado conjunto da obra. A banda vai no feijão com arroz do blues e do country, abrindo o flanco por onde Bugg, fiado em estrada pavimentada de três álbuns muitíssimo bem recebidos, brilha como estrela solitária.

Vista principal do palco com Jake Bugg no centro e cenário e iluminação próprios dessa turnê

Vista principal do palco com Jake Bugg no centro e cenário e iluminação próprios dessa turnê

Do mais recente, “On My One”, que saiu há quase um ano, entram sete das onze no repertório, o que também se explica por este ser o trabalho em que todas as faixas são assinadas pelo músico, sem parcerias. E revela a formação de uma personalidade – repita-se - que pode se consolidar ainda mais, sobretudo de Bugg compreender em sua totalidade o significado de uma guitarra, o invento mais relevante do século 20, e como, com ela, ele pode ganhar o mundo. Reflexões que certamente não passam pela cabeça da animada plateia, que fica de cara como “Slumville Sunrise”, uma paulada com grandes distorções; “Never Wanna Dance”, com um cantarolar vindo de fábrica e um solinho Mandrake; ou mesmo na já citada “Simple Pleasures”, cuja salva de palmas enrubesceu o garoto no ponto alto da noite. Vai que é tua, Jake Bugg.

Set list completo:

1- On My One
2- The Love We’re Hoping For
3- Country Song
4- Simple As This
5- Two Fingers
6- Bitter Sault
7- Seen It All
8- Love, Hope and Misery
9- Me and You
10- Messed Up Kids
11- Never Wanna Dance
12- Trouble Town
13- Put Out the Fire
14- Kingpin
15- There’s a Beast and We All Feed It
16- Taste It
17- Slumville Sunrise
18- Simple Pleasures
19- Gimme the Love
20- Broken
21- Lightning Bolt

Público que aprovou a atração de antemão participa bastante do show de Jake Bugg no Circo Voador

Público que aprovou a atração de antemão participa bastante do show de Jake Bugg no Circo Voador

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