Com futuro
Talentoso e precoce, Jake Bugg mostra espaço para crescer muito mais em apresentação diversificada no Circo Voador. Fotos: Nem Queiroz.
Curiosamente, outra delas aparece logo em seguida, quando “Gimme That Love”, carregada com batidas dançantes e uma tecladeira feroz, converte o bom show em uma rave cruel. E uma terceira ainda aparece, nessa mesma reta de chegada, quando Bugg dispensa a banda de apoio e, sozinho, enfia a brega “Broken” goela abaixo, em uma performance – vá lá – assaz dramatizada. O que mostra que o músico não é apenas um queridinho do alt-country ou um indie não sei o que lá. Mas um artista promissor que, se bem orientado - e se ele mesmo, em um processo de amadurecimento for esperto o bastante - pode ocupar lacunas deixadas por gente que faz de raízes ingênuas do blues, do country e do rock, um fértil terreno onde já brilham nomes como ZZ Top, Joe Bonamassa e até George Thorogood.
Música boa é o que não falta, e eis aí outro lado profícuo da curta, mas intensa carreira do prodígio Jake Bugg. Pense que “Two Fingers” é a que abre a noite pra valer, depois de ele sozinho mandar quatro músicas na voz e violão, como quem abre o show para si próprio. O refrão grudento faz a turma cantar direitinho, muito embora o salão não esteja tão cheio assim. Em “Messe Up Kiss”, empurrada mais para adiante em relação ao show de São Paulo, explode a versão mais rock que domina na segunda metade, como se houvesse um plano bem bolado para a noite. “Bitter Sault”, outra famosa, revela um inesperado heavy blues que ainda enverga a bandeira da black music americana nos solos, preparando pra o pula-pula de “Seen It All”, que os empolgados curtem adoidado.Estacado à frente do palco, Jake Bugg faz da timidez um advance e se molda como o genro com o qual toda mãe sonha. Pede desculpas por beber uma e outras em pleno show (caipirinha?) ou por qualquer outra coisa e agradece que é uma beleza, num tom de voz grave, longe do anasalado que solta ao cantar, e sem o carregado sotaque da roça britânica; lembram do Delta do Mississipi? Diferentemente de outros artistas internacionais de porte semelhante, traz um show com cenário e iluminação próprios, o que contribui para o chamado conjunto da obra. A banda vai no feijão com arroz do blues e do country, abrindo o flanco por onde Bugg, fiado em estrada pavimentada de três álbuns muitíssimo bem recebidos, brilha como estrela solitária.
Do mais recente, “On My One”, que saiu há quase um ano, entram sete das onze no repertório, o que também se explica por este ser o trabalho em que todas as faixas são assinadas pelo músico, sem parcerias. E revela a formação de uma personalidade – repita-se - que pode se consolidar ainda mais, sobretudo de Bugg compreender em sua totalidade o significado de uma guitarra, o invento mais relevante do século 20, e como, com ela, ele pode ganhar o mundo. Reflexões que certamente não passam pela cabeça da animada plateia, que fica de cara como “Slumville Sunrise”, uma paulada com grandes distorções; “Never Wanna Dance”, com um cantarolar vindo de fábrica e um solinho Mandrake; ou mesmo na já citada “Simple Pleasures”, cuja salva de palmas enrubesceu o garoto no ponto alto da noite. Vai que é tua, Jake Bugg.Set list completo:
1- On My One
2- The Love We’re Hoping For
3- Country Song
4- Simple As This
5- Two Fingers
6- Bitter Sault
7- Seen It All
8- Love, Hope and Misery
9- Me and You
10- Messed Up Kids
11- Never Wanna Dance
12- Trouble Town
13- Put Out the Fire
14- Kingpin
15- There’s a Beast and We All Feed It
16- Taste It
17- Slumville Sunrise
18- Simple Pleasures
19- Gimme the Love
20- Broken
21- Lightning Bolt
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