O Homem Baile

Recomeçando

Na vida após a morte, Matanza Inc apresenta vocalista em show no Rio com a certeza de que há muito espaço para crescer. Fotos: Nem Queiroz.

O cascudo vocalista do Matanza Inc, Vital Cavalcante, encara o novo desafio e se sai muito bem

O cascudo vocalista do Matanza Inc, Vital Cavalcante, encara o novo desafio e se sai muito bem

Se fosse só o show de uma banda com o primeiro álbum debaixo do braço, a coisa seria bem mais fácil para o Matanza Inc. Mas um clima de recomeço paira no ar antes de mesmo da entrada no Teatro Odisseia, para o lançamento de “Crônicas do Post Mortem - Guia Para Demônios & Espíritos Obsessores”, o tal disco, no Rio, no que é apenas o segundo show com essa formação. Explica-se para quem chegou atrasado que o Matanza Inc é a reencarnação do Matanza, com a entrada do vocalista Vital Cavalcante no posto antes ocupado por Jimmy London, que saiu quando a banda anunciou o fim em meados do ano passado. Pode parecer pouco, mas eis aí uma herança que a banda vai carregar para todo o sempre.

A noite, portanto, é daquelas fadadas a comparações - e vai ser assim por algum tempo -, porque o clima é de expectativa plena e paira no ar a pergunta que intriga todo mundo que mostrou o RG na portaria: “E aí, ficou bom?”. Questão cuja resposta, de antemão, vem influenciada pelo fato de a banda ter feito um ótimo trabalho nas gravações de “Crônicas…”, um disco com a cara do gênio construtor da estética Matanza, o guitarrista Marco Donida, e que só poderia falar mesmo de uma espécie de vida após a morte, de propósito ou – vá lá - por força do subconsciente. E que tem um brilhante trabalho de Vital, que encarou de peito aberto a tarefa indigesta de substituir o indefectível Jimmy. O local escolhido para o show, menor que aqueles em que o Matanza habitualmente lotava, e a imagem dos integrantes atrás da banquinha de CDs/camisetas dão a mais que perfeita dimensão desse recomeço.

Matanza Inc: o guitarrista Marco Donida, Vital, o baixista Dony Escobar e o guitarrista Maurício Nogueira

Matanza Inc: o guitarrista Marco Donida, Vital, o baixista Dony Escobar e o guitarrista Maurício Nogueira

Todas a músicas do disco novo são tocadas, exceção feita ao tema de desfecho “Memento Mori Blues”, intercaladas com outras 15 do consagrado cancioneiro do Matanza, e vê-se que Vital vai ter muito trabalho nesse desafio. Porque algumas músicas já eram difíceis até para o Jimmy cantar no show, e mesmo com sutis adaptações para o novo tom de voz, elas continuam não sendo nada fáceis. Como na junção da ponte com o refrão em “Odiosa Natureza Humana”, ou na parte mais alta de “Sabendo Que Posso Morrer”, duas das antigas escolhidas para a noite, que fazem o vocalista cortar um dobrado para manter o nível. Vital é cascudo, canta em bandas há milênios (Poindexter, Jimi James, Jason), e sabe se virar: mesmo que eventualmente pareça estar botando os bofes pra fora, se recupera rapidamente antes de iniciar o verso seguinte, em um sinal de que dá o máximo de si a cada intervenção. Tem também, em muitos casos, a ajuda do baixista Dony Escobar, que passa a fazer uma segunda voz com altivez.

Grande parte da músicas novas já é conhecida – ah, essa internet! – e o bom público que enche a casa canta copiosamente na maioria delas, sempre com abertura de rodas de dança dentro do padrão Matanza; e o grito de apoio se divide em “Matanza!” e “Inc!”, como se fossem primeira e segunda voz, respectivamente. O hit recente “Seja o Que Satan Quiser” embala a cantoria da plateia logo no início, com um bom solo de Donida, mais arisco a cada música, e muitas vezes duelando com Maurício Nogueira, o outro guitarrista, e “Péssimo Dia Pra Mim”, cujo riff colante conquista logo de cara até quem chegou por último, são bons exemplos de renovação no repertório. Mas é a duplinha “Tudo de Ruim Que Acontece Comigo”, com o batera Jonas Caffaro realçando a boa fase, e “Lodo No Fundo do Copo”, que têm em comum grandes refrães, a responsável pelo ótimo alcance no meio da turba de bebuns.

Vital faz o clássico símbolo (não só) do metal diante do público na beirada do palco do Odisséia

Vital faz o clássico símbolo (não só) do metal diante do público na beirada do palco do Odisséia

Dentre as antigas são claras as opções na escolha do repertório, considerando a condições de adaptação do novo vocalista: a) Tocar as mais conhecidas dos fãs; b) Aproveitar para desenterrar músicas boas, mas que não foram muito tocadas na época em que foram lançadas; ou c) Uma mistura das duas coisas. O grupo parece optar pela primeira, mesmo com a conversão de “Ela Roubou Meu Caminhão” na “Stairway to Heaven”/“Anna Julia” da vez, ou seja, limada sem dó. Assim, “Ressaca Sem Fim”, “O Chamado do Bar”, “Pandemonium” e “A Arte do Insulto” são as que têm melhores versões, mas é preciso lamentar que apenas duas músicas do álbum “Odiosa Natureza Humana”, a obra-prima do Matanza, de 2011, tenham entrado no set. E é preciso achar um lugarzinho para “Mulher Diabo” e “Whisky Para Um Condenado” também.

O show como um todo – na comparação com a vida antes da morte – perde em quantidade de músicas (26 versus 32, no mínimo, relembre aqui e aqui) e sobretudo na dinâmica em que é concatenado, em que pese o acanhamento do palco do Odisséia. Mas aí só o tempo e uma boa sequência de turnês, se for esse o caminho, pode dar ao Matanza Inc aquela apresentação bem amarrada e redondinha que o Matanza conquistou suando a camisa ao longo dos anos. De todo modo, os músicos parecem bem mais à vontade no palco, o que contribuiu para essa evolução como um todo e para a descoberta de como tudo pode funcionar, incluindo novas possibilidades de repertório e a criação de uma nova identidade. Coisa que, seguramente, só o tempo pode trazer.

Ladrão: o guitarrista Farrah Santo Sé e o baixista Olmar Lopes, com o batera Daniel Vitarelli no fundo

Ladrão: o guitarrista Farrah Santo Sé e o baixista Olmar Lopes, com o batera Daniel Vitarelli no fundo

Agora, imagine sair de casa em pleno ano de 2019 e ver uma banda tocando “Ódio as TVs”, o clássico do punk rock nacional, do início dos anos 80, e ainda com um integrante da formação original do Coquetel Molotov… É o que acontece no início do show do Ladrão, na abertura, já que o baixista Olmar Lopes está na vaga de Formigão, compromissado com a agenda do Planet Hemp. Mas o show tem muito mais, com o espalhafatoso guitarrista Farrah Santo Sé, um canhotinho dos bons, esmerilhando a guitarra o tempo todo, tocando com ela nas costas, de joelhos e o escambau, e o batera Daniel Vitarelli, que também canta, espancando os tambores – é banda de baterista, diga-se -, com a fúria que o rock precisa. Numa síntese feita às pressas, o som é de power trio moderno, sem ser moderninho, com referências a RATM e adjacências, mas com um pé na psicodelia setentista. O que conquista facilmente o público do Matanza Inc.

Set list completo Matanza Inc:

1- Guia Para Demônios & Espíritos Obsessores
2- Interceptor V-6
3- Seja o Que Satan Quiser
4- Odiosa Natureza Humana
5- Lodo No Fundo do Copo
6- Todo Ódio da Vingança de Jack Bufalo Head
7- O Elo Mais Fraco da Corrente
8- A Arte do Insulto
9- As Muitas maneira de Arruinar a Sua Vida
10- Eu Não Bebo Mais
11- A Cena do Seu Enforcamento
12- Sabendo Que Posso Morrer
13- Péssimo Dia
14- Pé na Porta, Soco na Cara
15- Tudo se Ruim Que Acontece Comigo
16- Eu Não Gosto de Ninguém
17- Para o Inferno
18- Ressaca Sem Fim
19- Pior Cenário Possível
20- Chumbo Derretido
21- Pode Ser Que Eu Me Atrase
22- Countrycore Funeral
23- Remédios Demais
24- Bom é Quando Faz Mal
25- O Chamado do Bar
26- Pandemonium

Vista geral do palco do Matanza Inc, com o pano de fundo e as laterais baseados no álbum de estreia

Vista geral do palco do Matanza Inc, com o pano de fundo e as laterais baseados no álbum de estreia

Marcos Bragatto assina o release de apresentação do Matanza Inc e do álbum “Guia Para Demônios & Espíritos Obsessores”

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