O Homem Baile

Pancadaria

Surra cumpre o que o nome promete no show de maior apelo no Garage Sounds, no Rio; modernos, Pavio e Malvina também vão bem. Fotos: Nem Queiroz.

Descarga sonora: o Surra teve o show de maior apelo de público da edição carioca do Garage Sounds

Descarga sonora: o Surra teve o show de maior apelo de público da edição carioca do Garage Sounds

O piso não é exatamente de terra batida, mas a poeira sobe em meio ao frio da pré-madrugada, em meia horinha de pura intensidade insana. São rodas de dança que se embolam instantaneamente e se cruzam sem parar, produzindo inclusive o primeiro mosh de uma noite repleta de bandas que tocam umas depois das outras sem intervalos comerciais. E só mesmo uma banda chamada Surra pode protagonizar esse tipo de arregaço, tocando hardcore, crossover, crust e o escambau, para apego total de uma turba que sabe muito bem o que está fazendo no meio do salão. O show é disparado o de maior apelo da edição carioca do Garage Sounds, que aconteceu nesta sexta, no Hub RJ, pela primeira vez na cidade, e que segue itinerante por outras 10 até o final do mês.

Ao todo, são 16 bandas em mais de oito horas seguidas de shows – um expediente inteiro -, em dois palcos um ao lado do outro, sem tempo para descanso, e descanso é a última coisa em que o fã do Surra (são muitos) quer. O show se divide em pequenos blocos com três, quatro músicas tocadas em velocidade abissal, como se os músicos estivessem apostando corrida entre eles, com pouca conversa e muito esporro em generoso volume despejado na moleira. “Escorrendo Pelo Ralo”, faixa-título do álbum mais recente e que é pura violência em estado grosseiro; a brutal “Caso Isolado”, cantada por muitos na plateia; e “Peso Morto”, com um “quê” de Slayer embrulhado no estômago, são belos exemplos de uma surra bem dada.

Marcelo Prol e seus saltos extraordinários no ótimo show do Pavio, uma das revelações da noite

Marcelo Prol e seus saltos extraordinários no ótimo show do Pavio, uma das revelações da noite

Antes do início, uma bandeira com a inscrição “metal antifa” (metal antifascista) é afixada na beirada do palco e deixa claro que debaixo do esporro o trio tem muito a dizer, o que coaduna com a grande maioria da bandas no desaprovo ao presidente terraplanista, em palavras de ordem, trechos de músicas, adesivos distribuídos de graça ou no discurso mesmo. O que se depura em porradas como “Do Lacre ao Lucro” e “Embalado Pra Vender”, por exemplo, tocadas com uma gana de fazer lembrar a fase juvenil do Ratos de Porão dos primeiros álbuns, lá na década de 1980, só que com um intensidade esporrenta condizente com os dias de hoje, em que pese a ótima qualidade do som do festival. Foi só meia horinha, mas em agosto, no Circo Voador, tem mais.

Mais cedo, no palco ao lado, o Pavio também fez uma ótima apresentação, calcada na presença de palco do experiente vocalista Marcelo Prol, do P.R.O.L., entre outras bandas, e seus saltos no ar. O som reside em algum lugar entre o hardcore e o crossover, e o quarteto mostra bom entrosamento, mesmo com troca de baterista em uma das músicas e com o baixista JP Mugrabi, emprestado, por assim dizer, do Tamuya Thrash Tribe. Além disso, o show tem dois convidados, a vocalista da Quantum, Lorraine Quadros, em “Mulheres Fortes” (o feminicídio é um dos temas da banda), e Pascoal, vocalista da Cervical, em “Estado Livre”. Os dois, cantando juntos na beirada do palco, perfazem uma das melhores performances do festival, e daí a roda de dança se intensifica no meio do público. E o Pavio sai como uma das boas revelações do festival.

O vocalista e guitarrista da Malvina, Berman Berbert, e as mazelas da polítca brasileira pós 2013

O vocalista e guitarrista da Malvina, Berman Berbert, e as mazelas da polítca brasileira pós 2013

Em seguida, uma gravação em inglês relata as relações escusas entre o governo americano e a operação lava-jato antes de o Malvina botar pra quebrar. O trio, de Nova Friburgo, lança o álbum “Hybrid War”, todo calcado nos acontecimentos da política brasileira de 2013 para cá, debaixo de um instrumental poderoso, que agrega certa sofisticação ao crossover hardcore de origem. Tanto o guitarrista Berman Berbert como o baixista Vini Berbert cantam, o que fortalece a potência vocal ante ao instrumental viscoso e alto pra cacete. Outros destaques são as sutis conexões que o trio faz entre o metal extremo e o hardcore, resultando em uma performance cavalar na maior parte do tempo, em uma apresentação redondinha.

No dois extremos da curva de Gauss do elenco de bandas, o Join The Dance e New Day Rising abriram e fecharam o Garage Sounds, respectivamente, as duas com o festival bem vazio. A primeira, fortemente influenciada pelo hardcore melódico e até com o poppy punk, tem na vocalista La Veggie seu principal emblema, e ela se mostra emocionada por estar em uma banda de rock, no encerramento, com “Pint The Finger”, música que virou o primeiro clipe deles. O New Day Rising, de seu lado, manda um hardcore porrada e, mesmo com o público minguado e morto de cansado – o show começou quase às três da madrugada - não arrefece e manda o recado. No que é aclamado com direito a mosh do vocalista e do vocalista adicional; tem isso. Foi o que dava pra fazer e foi divertido.

A vocalista do Join The Dance, La Veggie, na abertura do festival: emoção ao liderar uma banda de rock

A vocalista do Join The Dance, La Veggie, na abertura do festival: emoção ao liderar uma banda de rock

Set list (mais ou menos) completo Surra:

1- O Mal Que Habita a Terra
2- Do Lacre ao Lucro
3- Escorrendo Pelo Ralo
4- Não Escolha
5- Peso Morto
6- Tamo na Merda
7- Embalado pra Vender
8- Virou Brasil
9- Não Entendi
10- Caso Isolado
11- Cubatrinta
12- Anestesia
13- Parabéns aos Envolvidos
14- Daqui Pra Pior
15- 7 a 1
16- Merenda

No apagar das luzes, o New Day Rising não arrefece e agita o público que ficou até o final do Garage

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