O Homem Baile

Especial

Boa presença de palco, banda de formação incomum e sofisticação dão o tom do ótimo show de PJ Harvey em São Paulo. Foto: Alexandre Matias (Blog do Matias).

pjharvey17Nove homenzarrões se alinham, lado a lado, na beirada do palco, imóveis, para absorver o eloquente aplauso vindo da plateia, que deixa as cadeiras do teatro para trás e se coloca de pé em tom de vibração/agradecimento. No meio deles, uma moça franzina, esguia, de rosto projetado e montada em salto alto, guarda para si o brilho de uma apresentação, que, de antemão, era fadada a ser especial. Pela especificidade do som, pelo local de acústica diferenciada, pelo intimismo da apresentação em si e pelo tal conjunto da obra de uma artista que sempre traçou uma carreira torta no que tange ao estabelecido na música pop aqui e acolá em tantos anos. Ela é Polly Jean Harvey, doravante denominada apenas PJ Harvey, no encerramento do show do Teatro Bourbon, nessa terça (14/11), em São Paulo.

Para executar um repertório incomum por definição, PJ traz uma formação de músicos quase todos multifuncionais que se revezam em vários instrumentos e fazem eficientes vocais de apoio. Assim, tem música com três teclados, sem guitarra, com três guitarras; tem música quase acústica, mas com um peso trevoso; não tem baterista, mas ao mesmo tempo tem, porque os que assumem os dois kits de percussão fazem um estrondo daqueles; tem naipe de metais com a própria PJ tocando saxofone sem subtrair seu protagonismo; tem tudo isso e muito mais. John Parish e Mick Harvey são os parceiros de banda mais antigos, inclusive de gravações de discos, e, de certo modo, comandantes dos arranjos do show, e Alain Johannes é figura carimbada por aqui por conta de turnês com Queens of The Stone Age e Chris Cornell, entre outros. Em “Down by the Water”, PJ apresenta um por um, e haja palmas para expressar tanto agradecimento.

Como se vê, a banda é verdadeira orquestra, daí um teatro ter o encaixe preciso. No início, os músicos entram no palco como se formassem uma fanfarra de escola de nível médio, com bumbos presos ao tórax e caixa de bateria servindo como tarol de banda marcial. Longe de cair no lugar comum no indie de quermesse dos últimos tempos, logo o que se vê é um cuidado e certa sofisticação dos arranjos, sem, contudo, desassociar a música esmerada da canção cativante até para os ouvidos menos familiarizados. De cara, são enfileiradas três faixas do álbum mais recente, o interessante “The Hope Six Demolition Project”, lançado no ano passado e que já tem, ao menos ali no meio de uma plateia do tipo “na mão”, ampla penetração. Ao todo PJ, mandou sete das 11 faixas desse disco, com destaque para “The Community of Hope”, com três guitarras, a primeira em que o público vibra com mais intensidade; e “The Wheel”, ótima composição que, ao vivo, realça peso e o andamento ritmado impulsionado por ótimos vocais de apoio. Outras cinco músicas são do álbum anterior, “Let England Shake”, de 2011, ou seja, a aposta é no material mais atual, o que é ótimo.

Impressiona durante toda a apresentação, como, com um mínimo de distorção, ou mesmo sem alguma, as músicas têm um peso inerente às próprias canções, seja isso intensificado pelos teclados, pela “não baterias”, pelos metais mais graves, ou pela música e o modo de cantar de PJ Harvey. Em “To Bring You My Love”, uma das antigas, por exemplo, predomina o clima sombrio que precede um caótico desfecho dramático, fúnebre até, tudo guiado pelo gogó rascante de PJ Harvey. “Shame”, com sotaque latino, mostra PJ mais solta no palco, a ponto de ela sozinha despertar as palmas no meio do teatro. E a ancestral “50ft Queenie”, mais direta e menos enviesada, é a que faz o público se mandar das cadeiras numeradas para a beirada do palco para sentir mais emoção. No bis, uma fã mais exaltada lança espécie de caderno ao palco e é contida por seguranças. Antes, um buquê de flores é jogado. Incólume, PJ fala, no máximo, durante toda a noite, uns dois “obrigado”, em português, e nada mais.

Também não precisa de mais nada, em uma apresentação que fala por si só. E chama a atenção, além de todo o rebuscamento dos arranjos em cada uma das músicas, a forma como a franzina cantora emposta seus pequenos pulmões de modo a entoar uma voz firme com falsetes e variações precisas, e assim se impor de modo incontestável sobre o palco, diante da plateia. Na sensível “All and Everyone”, a voz de PJ penetra na alma sem permissão, e em “The Glorious Land”, com sotaque de trilha sonora e a ajuda percussiva em medida ajustada, a cantora brilha pela sutileza que lhe é peculiar. O show é um desdobramento do Popload Festival, que acontece neste feriado de 15 de novembro, cujo acesso do púbico é garantido para participantes em ações de trabalho voluntário e doadores de sangue. E cumpre muito bem, também, o papel de ser aquela noite fadada a ser especial, com banda, repertório e local – repita-se - especiais. Mas, acima de tudo e de todos, com PJ Harvey, um ícone do rock contemporâneo, no comando.

Set list completo:

1- Chain of Keys
2- The Ministry of Defence
3- The Community of Hope
4- Shame
5- All and Everyone
6- Let England Shake
7- The Words That Maketh Murder
8- The Glorious Land
9- Dear Darkness
10- White Chalk
11- In the Dark Places
12- The Wheel
13- The Ministry of Social Affairs
14- 50ft Queenie
15- Down by the Water
16- To Bring You My Love
17- River Anacostia
Bis
18- Near the Memorials to Vietnam and Lincoln
19- The River

Marcos Bragatto viajou a convite do TNT Energy Drink.

Link original da foto: Blog do Matias.

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