O Homem Baile

Bem arranjado

No Popload Festival, cortejo desconstruído de PJ Harvey funciona com as bênçãos do pôr do sol. Fotos: Fabrício Vianna/Divulgação Popload Festival (1, 2 e 4) e Ricardo Fernandes (3).

Queridinha de todos, PJ Harvey solta a voz no Popload Festival, ainda antes de o sol se por

Queridinha de todos, PJ Harvey solta a voz no Popload Festival, ainda antes de o sol se por

Um pequeno e estratégico atraso para não queimar a moleira no sol quente, e pronto, a comitiva de PJ Harvey adentra o palco do Popload Festival aos costumes, como se banda marcial em celebração fúnebre fosse. A medida funciona, e a numerosa trupe, com PJ e outros noves embecados integrantes têm o pôr do sol a seu favor como um advance, que, além da beleza inerente ao momento, é completamente integrado com uma apresentação calculada, com início, meio e fim, e que se encerra em si própria. Não é a atração principal do festival, mas parece a queridinha de todos ali no Memorial da América Latina, em pleno feriado de 15 de novembro. Ademais, não há desavisado que não se deixe chamar a atenção para um show de contornos tão próprios.

Tão específico que, depois do show especial que PJ deu na véspera – a comparação é inevitável – no Teatro Bourbon (veja como foi), a desconfiança era se o mesmo espetáculo funcionaria em um evento open air para um grande público como o Popload Festival, e se a banda faria essa ou aquela alteração de modo a se adequar, por assim dizer, a condições tão diferentes. Pois à exceção de um bis com outros dois números, o show é ipsis litteris o mesmo, com todas as cuidadosas intervenções dos músicos, que se revezam em várias funções, de guitarras a pandeirolas, de teclados a palmas, de percussão à naipe de metais, tudo cronometrado como um reloginho que não atrasa. Até PJ insere as mesmas inflexões vocais, dependendo de cada música. Ou seja, funciona, e como funciona!

Parceiro de longa data, John Parish é um os mais aplaudidos entre os nove músicos da banda de PJ

Parceiro de longa data, John Parish é um os mais aplaudidos entre os nove músicos da banda de PJ

Não que esse cenário de perfeição técnica subtraia da apresentação a emoção que um show de rock deve ter. Rock o modo de dizer, porque a fanfarra musical de PJ Harvey passeia por todo tipo de zona musical, sempre calcada em um inevitável desejo de desconstruição sonora. O que resulta em algo em princípio enviesado e de abordagem pouco cativante, mas que, súbito, se converte em uma das coisas mais queridas, e para interesses/gostos de diferentes origens. Tem a tristeza quase mórbida de “To Bring You My Love”; o pulmão/gogó de ouro de “The Glorious Land”, espécie de trilha de faroeste torta; a sutileza triste de “The Wheel”; o sacolejo do hit “50ft Queenie”, na qual o público mais se reconhece, especialmente o do Phoenix, que entraria em seguida (veja como foi); e o final melancólico, mas bonito mesmo assim, com “River Anacostia” e a banda deixando o palco, depois de palmas a rodo, do mesmo jeito que entrou.

O repertório é todo baseado nos dois discos mais recentes, “The Hope Six Demolition Project”, de 2016, com seis músicas, e “Let England Shake”, do longínquo 2011, com cinco, rompendo da barreira de metade do show. O que demostra a intenção da artista de se manter atual e com relevância contemporânea, em uma época em que a música – e o rock em particular - se nutre de muita nostalgia para se manter viva. Para isso, conta, entre seus pares, com John Parish e Mick Harvey, parceiros de banda de longa data, incluindo a gravação de vários dos álbuns da cantora. Conhecido da turma, Parish é disparado o mais aplaudido quando PJ apresenta a “minha banda”, em português mesmo. Também, pudera, ele já gravou sete discos com a cantora, e ela, por sua vez, já tocou na banda dele, a Automatic Dlamini, entre 1988 a 1991.

Paisagem da numerosa banda de PJ Harvey: músicos se revezam em instrumentos bem incomuns

Paisagem da numerosa banda de PJ Harvey: músicos se revezam em instrumentos bem incomuns

Quando o sol, enfim, se vai, aí é que a paisagem do palco se parece mesmo com a do show do Teatro Bourbon. Porque a iluminação, branda, caótica feito o show em si, é também a mesmíssima, praticamente sem cor, contribuindo para o clima de ocaso, aparentemente uma obsessão para PJ, que, a propósito, praticamente não ri. O que, em vez de lhe trazer antipatia, só aumenta a admiração por parte da plateia. Em cerca de 80 minutos, o tal espetáculo fechado em si próprio deixa, ao menos, três imagens icônicas: a) A entrada no palco como banda marcial de colégio de nível médio; b) O sol se pondo no rosto de uma PJ Harvey com “tiara de Nero” segurando o saxofone em uma das mãos e soltando a voz cuja compleição física parece não ter; e c) Os músicos se reunindo dois a dois em volta dos microfones no arremate da noite, sob aplausos entusiasmados. Escolha a sua e seja feliz para toda a eternidade.

Set list completo:

1- Chain of Keys
2- The Ministry of Defence
3- The Community of Hope
4- Shame
5- All and Everyone
6- Let England Shake
7- The Words That Maketh Murder
8- The Glorious Land
9- Dear Darkness
10- White Chalk
11- In the Dark Places
12- The Wheel
13- The Ministry of Social Affairs
14- 50ft Queenie
15- Down by the Water
16- To Bring You My Love
17- River Anacostia

Marcos Bragatto viajou a convite do TNT Energy Drink.

Veja também: PJ Harvey no Teatro Bourbon

Veja também: Phoenix no Popload Festival

Imagem icônica para guardar na memória: PJ Harvey canta e segura o saxofone em uma das mãos

Imagem icônica para guardar na memória: PJ Harvey canta e segura o saxofone em uma das mãos

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