O Homem Baile

Suntuoso

Em ótimo show, Satyricon mostra a riqueza de composições e arranjos que marcam o black metal norueguês e influenciam o mundo da música extrema. Fotos: Daniel Croce.

O vocalista do Satyricon, Sigurd 'Satyr' Wongraven, que rege o público em tom quase professoral

O vocalista do Satyricon, Sigurd 'Satyr' Wongraven, que rege o público em tom quase professoral

Não é sempre que, seja de que porte for, temos em cima do palco um sujeito que realmente criou alguma coisa no mercado da música, em geral dominado pela Lei de Lavoisier aplicada à cultura. Por isso, a paisagem do palco acanhado do bravo Teatro Odisséia, neste domingo (12/11) é real motivo de contemplação quando os cinco músicos vão subindo um por um, até que Sigurd “Satyr” Wongraven, doravante denominado apenas de Satyr, o alinhado vocalista do Satyricon, se apresenta. Porque tudo o que se ouve e se ouvirá a respeito do black metal norueguês, que tanto influencia o mundo desde seus primórdios, passa de um modo ou de outro por esse grupo, organicamente um duo que, ao vivo, se converte em um sexteto capaz de reproduzir cada milímetro de suas elaboradas composições.

Em vinte e tantos anos – e é Satyr quem lembra a data -, contudo, nem tudo permanece como começou, e os trabalhos mais recentes da banda apontam para novos horizontes, especialmente o mais recente, “Deep Calleth Upon Deep”, lançado há dois meses, e que fornece quatro músicas ao show. A melhor delas, disparado, é “To Your Brethren in the Dark”, que, ao vivo, realça um precioso arranjo ancorado em peso, melodia e interpretação precisa de Satyr, firme na repetição do verso/título/refrão. A faixa-título é outro brilho recente no palco, com um surpreendente groove imposto pelo baterista Kjetil-Vidar “Frost” Haraldstad, doravante denominado apenas Frost, e seguido pelas linhas de baixo e com boa sustentação dos teclados. A adesão do público é tamanha que a música já parece um clássico da banda.

Satyr e Frost são a formação de duo oficial do Satyricon. Satyr, que compõe e toca todos os instrumentos, exceto a bateria, é o gênio que comanda a festa black metal. Foge dos padrões do gênero ao surgir no palco com cabelo curto, engomado e maquiagem leve – os demais integrantes têm a cara limpa -, para reger a plateia como se professor fosse em aula de mitologia. De certa forma é, e como jamais sorri, desenvolve espécie de cativante empatia antipática e marrenta com os súditos, o que funciona muito bem. Agarrado ao pedestal em forma de tridente (ou o ‘y’ do logo da banda), de modo que o microfone é a garra do meio, Satyr emposta a voz de modo próprio, no limite do se fazer entender e do timbre rasgado comum ao meio. Do início acuado pelo acanhamento da casa, ao final agradecido por conta da excelente participação do bom público, acaba deixando escapar certo ar de satisfação com a apresentação.

A paisagem do palco do Teatro Odisséia, com Satyr na frente do pedestal/tridente, entre os guitarristas

A paisagem do palco do Teatro Odisséia, com Satyr na frente do pedestal/tridente, entre os guitarristas

Frost justifica o misterioso posto de integrante fixo porque seu modo de tocar bateria não é definitivamente normal, e contribui um bocado para os arranjos e composições – repita-se –, o forte do Satyricon. É o que se nota, por exemplo, em músicas como “Transcendental Requiem Of Slaves”, instrumental de motivação quase militar, com mudanças de andamento sensíveis à participação do público; a desesperadora “Repined Bastard Nation”, destaque do álbum “Volcano”, de 2002, e, portanto, conhecida de todos, repleta de variações; e a ritmada/cativante “Fuel for Hatred”, já na parte final, que desencadeia, a pedido de Satyr, a maior roda de dança da noite. Ressalte-se que a contribuição dos outros músicos, sobretudo os dois guitarristas e o tecladista, é vital, e que o pessoal que cuida do som do Odisséia se supera, dada a nitidez com que cada nota é percebida, o que é fundamental para se compreender o metal extremo em toda a sua plenitude.

Outros números em que o público se diverte são “Black Crow on a Tombstone”, também grooveada a ponto de ecoar certo sotaque – acreditem - pop/acessível; e “Now, Diabolical”, cuja sinfonia de guitarras minimalistamente pesadas se impõe ante ao apreço generalizado pelo público, que canta o verso/refrão como se bradasse palavra de ordem. Com foco menor nos discos iniciais e maior nos trabalhos mais recentes, a aposta do Satyricon dá certo na medida em que o cuidado nas composições, centralizadas no genial Satyr, também é adotado na hora de as músicas serem reproduzidas ao vivo, em cima do palco. O que garante a ótima interação entre público e banda que marca essa primeira passagem pelo Rio. Que volte o mais rápido possível.

Na abertura, o Patria fez uma ótima apresentação, com o público ainda entrando na casa, apesar do pequeno espaço que sobrou no palco, à frente dos equipamentos do Satyricon. A banda, do interior do Rio Grande do Sul, pratica um black metal sombrio, na maior parte do tempo veloz e encorpado pelas guitarras, de tom minimalista. Em um set de cerca de 40 minutos, o grupo mandou sete sons, com destaque para “Death’s Empire Conqueror”, tensa e ampliada por uma batida marcial, antes do desfecho instrumental agressivo e tecnicamente preciso; e “Heartless”, uma pedrada absoluta, que realça a evolução das guitarras ao abrandar o andamento. A recepção do público é mais de contemplação do que agitação, mas o reconhecimento pelo bom show vem ao final, quando a banda deixa o palco sob aplausos.

Set list completo Satyricon:

1- Midnight Serpent
2- Our World, It Rumbles Tonight
3- Black Crow on a Tombstone
4- Deep Calleth Upon Deep
5- Walker Upon the Wind
6- Repined Bastard Nation
7- Commando
8- Burial Rite
9- Now, Diabolical
10- To Your Brethren in the Dark
11- Transcendental Requiem Of Slaves
12- Mother North
13- The Pentagram Burns
14- Fuel for Hatred
15- K.I.N.G.

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