O Homem Baile

Se é pra acabar…

Show de encerramento da turnê de época do U2 tem música a mais, produtor em participação especial e muita emoção. Fotos: Stephan Solon/Move Concerts (1 e 4, do dia 19/10) e Jorge Takeda (2 e 3).

Uma das variações do tema 'Joshua Tree', que explora a imensidão do telão do show do U2

Uma das variações do tema 'Joshua Tree', que explora a imensidão do telão do show do U2

A imagem de um quase sexagenário na beira de um palco relativamente pequeno atiçando uma plateia enlouquecida que é exibida em um telão de proporções bíblicas é de marejar os olhos. Não é a primeira vez durante as cerca de duas horas de show que isso acontece, mas é de se admirar que tal cena surja na reta final de uma apresentação que é uma verdadeira odisseia de sensações, emoções, imagens, músicas, paisagens e tudo o mais que o incauto entre os incautos queira associar. É a reta final do último show da temporada que o U2 faz no Brasil, nesta quarta (25/10) e também o último da fantástica “The Joshua Tree Tour 2017”. É Bono o provocador de plateias, e “Elevation” a música que faz o público responder como se tivesse acabado de chegar em um Morumbi com gente jorrando pelo ladrão.

O tema despedida versus saudade permeia toda a noite. “Se é para acabar, que acabe aqui no Brasil”, repete Bono mais de uma vez, se referindo ao término da turnê. A fala também é usada já nos acréscimos, para a inclusão inesperada – ok, havia quem apostasse nela - de “I Will Follow”, depois do segundo bis. A música, do álbum de estreia do grupo, “Boy”, de 1980, é altamente representativa do início da carreira e foi tocada apenas uma dúzia de vezes nessa turnê. Outra novidade é a participação de Daniel Lanois, ele mesmo, que assina a produção do álbum “The Joshua Tree”, tema dessa turnê de época, junto com Brian Eno. Lanois canta, e com boa performance, o trecho final da dramática “Mothers of the Disappeared”, que encerra o álbum e a segunda parte do show. Bono aproveita e agradece a outros produtores históricos da carreira do U2, como Steve Lillywhite e Flood.

Um dos pontos altos do show continua sendo a homenagem que a banda faz para as mulheres, já no último bis, em “Ultraviolet (Light My Way)”, quando Bono, que dessa vez parece mais enfático, agradece desde as esposas dos integrantes até as mulheres que trabalham na equipe da turnê, e cita até uma brasileira que atua na parte gráfica do show. É nessa hora que o telão exibe a imagem de mulheres que “lutam e resistem”, incluindo as brasileiras Maria da Penha e Irmã Dulce, além de Frida Kahlo e as integrantes da banda de punk rock russa Pussy Riot. Dessa vez, em “Elevation”, a frase “Censura Nunca Mais”, que aparece às costas do baterista é Larry Mullen Jr., é substituída por “Amor, Ordem e Progresso” – vai entender -, tudo em português. Pena que “I Will Follow” acabou sendo tocada com o telão mostrando uma bandeira do Brasil gigante. Aqui não é a América, não, rapazes.

O guitarrista The Edge, o vocalista Bono e o baterista Larry Mullen Jr., durante a bem recebida 'Vertigo'

O guitarrista The Edge, o vocalista Bono e o baterista Larry Mullen Jr., durante a bem recebida 'Vertigo'

Até a entrada de “I Will Follow”, o show tem cronometradas duas horas certinhas, exatamente como na noite de estreia, no último dia 19 (relembre), e com as três partes executadas com a habitual precisão, sem perder a ternura jamais. Primeiro, o “modo garagem”, com músicas de antes de “The Joshua Tree”, e a banda tocando no palco menor, depois de atravessar a passarela em formato de galho de árvore. Depois, todas as músicas de “The Joshua Tree” na ordem em que foram gravadas no álbum. E, por fim, os dois bis com seis músicas pós “The Joshua Tree”. Diferentemente da estreia, o público parece ser mais familiar ao material do U2 como um todo, não só aos hiper mega hits, o que garante uma interação com a banda, em vários aspectos.

Primeiro que, se há animação com sequências matadoras do tipo “Sunday Bloody Sunday”/“New Year’s Day”/“Bad” (enfim reconhecida e celebrada)/“Pride”, não parece ser aquele histeria exagerada de última hora. Ao mesmo tempo em que as músicas menos conhecidas de “The Joshua Tree”, que não eram tocadas nem na época em que o disco foi lançado, há 30 anos, são recebidas, ao menos, com a atenção que uma banda com créditos como o U2 merece, em que pese a exibição espetacular de imagens fantásticas no telão, tudo assinado pelo extraordinário fotógrafo/cineasta holandês Anton Corbijn. Em “With or Without You”, um efeito de câmera lenta faz a noite cair sobre uma paisagem fantástica, o mesmo efeito que, do nada, coloca Bono frente a frente com uma banda marcial, em “Red Hill Mining Town”, uma das menos conhecidas. Na pedrada “Bullet the Blue Sky”, por isso mesmo regravada pelo Sepultura, as imagens do telão materializam a expressão “esmerilhar a guitarra”, quando The Edge desanda a solar, esmerilhando a guitarra.

O saudosismo de antemão de Bono se explica. Foram 51 shows dessa turnê, entre maio e outubro, que levou gente de todo o Brasil para São Paulo, durante quatro apresentações com casa lotada. Tirando obviamente os Estados Unidos, que recebeu a turnê em 17 apresentações, foi no Brasil onde a banda mais tocou nesse giro. Ao todo, a “The Joshua Tree Tour 2017”, que comemora o aniversário de 30 anos do lançamento do disco de maior sucesso do U2, passou por 15 países em quatro continentes, sempre com a mesma extraordinária estrutura de palco, de som e de visual, com o inacreditável telão de 1600 m2, usado sobretudo para exibir imagens em altíssima resolução, de modo a lembrar da imensidão do deserto de Mojave, na da Califórnia, onde a tal arvore de Josué tem seu habitat natural. Agora, a banda vira as atenções para o lançamento do álbum “Songs of Experience”, previsto para 1º de dezembro, e cuja amostra inicial é “You’re the Best Thing About Me”, incluída de última hora na turnê e recebida com muita atenção na noite de ontem.

A banda se despedindo após a segunda parte do show, com o produtor Daniel Lanois, ao lado de The Edge

A banda se despedindo após a segunda parte do show, com o produtor Daniel Lanois, ao lado de The Edge

Outros destaques são a sequência arrasa quarteirão com “Where the Streets Have No Name”/“I Still Haven’t Found What I’m Looking For”/“With or Without You”/“Bullet the Blue Sky”; a ótima reação do público em “Vertigo”, que realça a extraordinária linha de baixo do fantástico, porém discreto Adam Clayton; e o final com a sensível, mas não menos atraente “One”, que Bono dedica a “homens e mulheres que se fazem úteis para o interesse coletivo”. Um modo melancólico de se encerrar um show, e por isso mesmo “I Will Follow” é uma levanta moral e tanto. Mas a imagem de Bono atiçando o público no sprint final do show é a que fica, em uma noite em que tudo deu tão certo. Até a chuva, prevista para a horário da apresentação, só desabou quando o povaréu começou a colocar os pés do lado de fora do estádio. Todo mundo, então, e com uma leveza atroz, lavando a alma.

O clima de despedida, contudo, parece não ter influenciado Noel Gallagher, que fez o show de abertura com os seus High Flying Birds. Ok que o grupo só participou de 16 dos 51 shows do giro, na Europa e América Latina, e por isso mesmo a referência veio com um agradecimento aparentemente bem sincero a todos os fãs do U2, para os quais Noel dedicou “Don’t Look Back In Anger”, na arte final do show. A música, do Oasis, foi um das mais cantadas, juntos com “Wonderwall” e “Champanhe Supernova”, ambas também do grupo que revelou Noel, por uma plateia – repita-se - bem mais interessada do que a da noite de abertura, no dia 19 (veja como foi). O repertório é o mesmo, incluindo a nova – e ótima, diga-se - “Holy Mountain”, mas, dessa vez, não rolou a dedicatória de “AKA… What a Life” para o centroavante da seleção brasileira, Gabriel Jesus, que atua no Manchester City, time dos Gallagher. A surpresa foi a entrada do palco de alguém fantasiado de galinha/Garibaldo de Vila Sésamo, em “Little By Little”, que Noel disse ser o Bono fantasiado. Será?

Set list completo U2:

1- Sunday Bloody Sunday
2- New Year’s Day
3- Bad
4- Pride (In the Name of Love)
The Joshua Tree
5- Where the Streets Have No Name
6- I Still Haven’t Found What I’m Looking For
7- With or Without You
8- Bullet the Blue Sky
9- Running to Stand Still
10- Red Hill Mining Town
11- In God’s Country
12- Trip Through Your Wires
13- One Tree Hill
14- Exit
15- Mothers of the Disappeared
Bis
16- Beautiful Day
17- Elevation
18- Vertigo
Bis
19- You’re the Best Thing About Me
20- Ultraviolet (Light My Way)
21- One
22- I Will Follow

O visual das montanhas em 'With or Without You': belíssimo cair da noite em câmera lentíssima

O visual das montanhas em 'With or Without You': belíssimo cair da noite em câmera lentissima

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