O Homem Baile

The Voice

Sem o Soundgarden, Chris Cornell volta ao Rio e reafirma a perene capacidade vocal em show do seu tamanho, com grandes sucessos, não hits e músicas novas.

Se Chris Cornell, tempos atrás, tivesse dado entrada como candidato a cantor em um desses reality shows em busca de audiência imediata, possivelmente não seria aprovado. Mas, montando bandas de rock e tocando em tudo o que é buraco, se descobriu como tal, fez carreira à frente de nomes como Soundgarden e Audioslave, é provavelmente o melhor cantor de sua geração (sorry, Eddie Vedder) e segue em uma carreira solo que depende essencialmente de seu gogó privilegiado. É com esse estofo que ele, solitário, surge no palco do Teatro Bradesco, cheinho pra caramba, nesta quinta (8/12), para mais um show daqueles, digamos, semiacústicos, que parece que não vai dar em nada, mas é, no fim das contas, de um irresistível bom gosto.

Porque o sozinho ali de cima tem a companhia de Bryan Gibson, espécie de músico de apoio que toca violoncelo na maior parte do tempo, mas se vira com teclados e violões também. E tem alguns truques que encorpam o som, como o uso de samplers que gravam sua cantoria e reproduzem de imediato, de modo que Cornell faz um duo com si próprio em diversas músicas. Há outros elementos pré-gravados que também contribuem, e ainda a gaita acoplada ao pescoço do cantor, juntamente com um microfone que o permite evoluir pelo palco em diversos números. E, ademais, canções são canções, de modo que é muito difícil estragar um repertório escolhido a dedo que inclui grandes sucessos de suas bandas, não hits delas e pérolas da história do pop e do rock, em versões que, no caso de Chris Cornell, quase sempre podem ser apresentadas de uma nova maneira.

Que tal, por exemplo, uma “Rusty Cage”, consagrada pelo Soundgarden, nada metálica, nada hardcore, mas totalmente country, com Cornell fazendo as vezes de um trovador andando de lado a outro? Ou “A Day In The Life”, aquela mesmo dos Beatles, em um encerramento caótico e mais pesado que o de muita banda com carinha de mau por aí, e ainda com falsetes depois de quase duas horas de show? Ou “Like a Stone”, aparentemente incluída de última hora, rica em uma simplicidade que só realça a capacidade vocal, a sensibilidade artística e o bom gosto de Cornell? Só algumas pérolas reunidas em uma apresentação que inclui, evidentemente, blockbusters rearranjados do naipe de “Black Hole Sun”, que inclui um duelo com Gibson e um dueto vocal de Chris Cornell com si próprio; e “Hunger Strike”, que marcou a geração noventista no Brasil e o público adora.

Plateia que, impedida de usar os aparelhos emburrecedores – parabéns aos responsáveis! -, se concentra no show propriamente dito e participa cantando várias vezes as letras, marcando as palmas e, em muitas ocasiões, aplaudindo de pé. Acontece em “I Am The Highway”, quando Gibson reforça sua importância, em princípio até duvidosa, ao encorpar por demais a sonoridade de algumas músicas, como na soturna “Feel On Black Days”, ou em “Wilde Awake”, realçada pelo ótimo refrão. Tanto que, ao se despedir antes do fim do show, é bastante ovacionado, a pedido de Cornell. Bem humorado, o músico conta das suas, incluindo uma passagem em que tremeu ao tocar “Thank You”, clássico do Led Zeppelin, com ninguém menos que Jimmy Page na plateia; e a versão é linda. Ou como fica confuso na medida em que o público, nos intervalos das músicas, pede essa ou aquela canção. A interação revela que Chris Cornell, depois de penar em um festival, no SWU de 2011(relembre) e de tocar para um Vivo Rio vazio em 2013 (veja como foi), enfim encontrou um bom local para o seu show solo, um teatro com ótima acústica e capacidade para mil pessoas.

Mas Cornell também tem um álbum novo para apresentar, “Higher Truth”, lançado há cerca de um ano, provando que não está de bobeira, tampouco sentado em cima da fama. Das cinco desse trabalho incluídas no show, “Nearly Forgot My Broken Heart”, com a melodia colante tocada por dois violões, e “Let Your Eyes Wander” são as melhores. Ainda da carreira solo, fica o destaque para a tristíssima de tão bonita “Can’t Change Me”, logo no início, e para a omissão das faixas do empastelado álbum “Scream”, de 2008 (resenha aqui). Ainda que as vindas sucessivas de Chris Cornell reforcem a dúvida de o porquê – ora bolas! - de o Soundgarden nunca tocar no Rio, na memória o que ficam são suas excelentes performances vocais, como as de “When I’m Down”, cantando quase à capela; a extensão cruel em “All Night Thing”; e as incríveis variações de “Seasons”, lá no bis, depois de mais de duas horas cantando quase sem parar; e – como não? – o aplauso de pé maciço ao final da noite.

Set list completo:

1- Before We Disappear
2- Can’t Change Me
3- ‘Til the Sun Comes Back Around
4- Nothing Compares 2U
5- Nearly Forgot My Broken Heart
6- Seasons
7- The Times They Are A-Changin’
8- Josephine
9- Fell on Black Days
10- Thank You
11- Doesn’t Remind Me
12- Wide Awake
13- Like a Stone
14- Wooden Jesus
15- All Night Thing
16- Blow Up the Outside World
17- When I’m Down
18- Let Your Eyes Wander
19- I Am the Highway
20- Rusty Cage
21- Black Hole Sun
22- Getaway Car
23- A Day In The Life
Bis
24- Hunger Strike
25- Seasons
26- Higher Truth

Nota: Lamentavelmente a produção do show de Chris Cornell condicionou o credenciamento do nosso fotógrafo ao envio imediato, logo após o show, de todas as fotos produzidas no evento. Como essa atitude não condiz com os procedimentos consagrados no meio, tampouco com o ofício jornalístico propriamente dito, renunciamos ao credenciamento e optamos por publicar o texto sem imagem alguma.

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