O Homem Baile

Afiado

Chris Cornell revê carreira com repertório composto não só de sucessos e se mantém como uma das grandes vozes do rock em topos os tempos. Fotos: Luciano Oliveira (1, 2 e 4) e Renato Cantharino (3).

Em excelente forma, Chris Cornell solta a voz em 28 músicas e (ufa!) duas horas e meia de show

Em excelente forma, Chris Cornell solta a voz em 28 músicas e (ufa!) duas horas e meia de show

“Isso está parecendo o meu próprio talk show, então deixem as cadeiras de lado e se aproximem do palco”, disse Chris Cornell, logo de cara, bagunçando o coreto do Vivo Rio, ontem (15/6). A coisa daria certo até o primeiro terço do set, quando representantes da brigada de incêndio da casa apelaram que ficar de pé prejudicaria a segurança da casa e todos tomaram seus lugares. Com preços caríssimos, uma promoção do tipo compre um e leve dois acabou salvando a apresentação, que teve quase dois mil fãs das várias fases do – esse pode ser chamado assim – cantor. Não foi exatamente o show intimista que Cornell nos deve desde o SWU (veja como foi), muito menos uma apresentação do Soundgarden, outro débito decano, mas teve muitos predicados.

Cornell: cabelo desgrenhado e camiseta surrada

Cornell: cabelo desgrenhado e camiseta surrada

A começar que Cornell vem armado com diversos violões, cada qual com sua afinação, vários pedais e até um toca discos (de vinil mesmo) para compor o set, muito embora seu maior trunfo – vê-se durante duas horas e meia – é o infalível gogó de ouro. Não é que ele consiga repetir os falsetes, timbres e alcances registrados em mais de 20 anos de gravações, o sujeito simplesmente se supera, soltando o vozeirão sem, aparentemente, a menor dificuldade. Por sorte, embora reconheça muitas das músicas, o público pouco canta – ou canta baixo - e não atrapalha. A exceção fica por conta de um fulano que sobe ao palco convidado pelo gente fina Cornell para cantar justamente “Like a Stone” (crônica aqui), do Audioslave, tirando do público a oportunidade de ver, ao vivo, uma das melhores performances já registradas pelo cantor. Ao menos o estraga prazeres não canta mal e sabe a letra direitinho.

Com tanta estrada, Cornell poderia se agarrar ao repertório cheio de hits de Soundgarden e Audioslave, mas opta por mostrar muita coisa de sua tímida carreira solo, incluindo até uminha do inefável álbum “Scream”, no qual tenta sem sucesso uma vexatória guinada pop com patrocínio de Timbaland. Revisita com orgulho e fartura o Temple Of Dog, espécie de supergrupo grunge underground. Deles, “Hunger Strike” ganha uma inesperada segunda voz da plateia e Cornell aproveita para rasgar as cordas vocais de vez, num dos grandes momentos da noite. Outra é “All Night Thing”, que abriu os trabalhos, segundo ele, para atender a um pedido. Como não tem feio muitos shows solo por conta da turnê do Soundgarden, Cornell monta um repertório marcado pela imprevisibilidade, o que engrandece o show em si. Previsível, mas indispensável, é “Black Hole Sun”, reencarnada dos anos 70, com mais um exemplo de boa voz/interpretação até o osso.

Sentado e sempre atento aos pedidos da plateia

Sentado e sempre atento aos pedidos da plateia

O tom intimista da apresentação revela algumas conversas com o público. Antes de “Outshined”, por exemplo, Cornell passeia por uma história que cita John Travolta e Quentin Tarantino só para dizer que queria saber falar português. A versão da música, blockbuster do Soundgarden, é considerada estranha pelo próprio vocalista; convenhamos que não é possível uma moldura acústica ser melhor que o rock enguitarrado e Sabbathizado da banda de origem. Já a versão de “Dandelion”, do Audioslave, é rica em dramaticidade e faz Cornell lembrar a esposa e os filhos que nasceram rapidamente. Só na intimidade de um acústico poderia esse tema vir à tona. Assim como o erro e o esquecimento da letra no início “You Know My Name”, que, ironicamente, recebe as palmas da plateia de iniciados.

Em homenagem à tecladista Natasha Shneider, que gravou o álbum “Euphoria Morning” e morreu precocemente em 2008, Cornel canta “When I’m Down” acompanhado por um vinil que toca a gravação original feita por ela. De cara para o público, sem violão e exposto por jeans e camisetas surrados, o músico se emociona, num dos grandes momentos do show. É na dramaticidade da interpretação das canções que Cornell, a despeito da voz que recebeu dos deuses do rock, que reside a grande virtude simbiótica do cantor: pouco adiantaria uma coisa sem outra. Por isso, mesmo que o show se estenda e soe enfadonho em certas partes – se deixar Cornell vira a noite tocando violão ao lado de uma fogueira na beira do mar -, sempre recupera um élan de contemplação. E não há versão para “Seasons”, do filme “Singles”, que documenta o auge do grunge, ignorada pelo público, nem cover oculto do Bee Gees (“To Love Somebody”) que atrapalhe. O final esporrento com “Blow Up The Outside World” sara tudo.

Nem só de grandes sucessos foi a noite de Chris Cornell

Nem só de grandes sucessos foi a noite de Chris Cornell

Set list completo

1- All Night Thing
2- Say Hello to Heaven
3- Wide Awake
4- Sunshower
5- A confirmar
6- Call Me a Dog
7- Dandelion
8- Outshined
9- Hunger Strike
10- The Keeper
11- I Am The Highway
12- Scar On The Sky
13- When I’m Down
14- Can’t Change Me
15- Fell On Black Days
16- Sweet Euphoria
17- Doesn’t Remind Me
18- A Day In The Life
Bis
19- Scream
20- Seasons
21- Wooden Jesus
22- Be Yourself
23- You Know My Name
24- Black Hole Sun
25- Like a Stone
26- Cleaning My Gun
27- To Love Somebody
28- Blow Up The Outside World

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