O Rock Como Ele é

A espera

Não era fã de rock pesado. Talvez por isso, das músicas do Audioslave, tenha se interessado justamente por aquela balada. Tinha sido repreendido, certa vez, por um amigo ligado à crítica musical, por confundir balada com música lenta.

Quando se deu conta, estava sozinho numa casa cheia de vazio. Sentado na poltrona, se sentia o personagem criado por Raul Seixas e Paulo Coelho na clássica “Ouro de Tolo”. Era como se não tivesse sentido o tempo passar. Mais de vinte anos e ele ali, andando de um cômodo a outro da casa que herdou da família num bairro de classe média alta. Bem nascido, nunca precisou trabalhar. Nem quis. Não havia se apegado a quase nada nos últimos anos, a não ser ao rock. Pensava nisso e já corrigia. Tinha, na memória, os momentos que passara com uma pequena. Custava a admitir que ela tivera, sim, importância em sua vida. Mas, no fim das contas, sempre cedia.

Era reducionista ao falar em momentos. Foi, na verdade, muito tempo em toda a sua vida. Ou, por outra, nem tanto assim, mas momentos intensos o bastante para parecerem infinitos. Nessas horas, lembrava até de Vinicius de Moraes e seu “Soneto da Fidelidade”, embora jamais se inclinasse para a poesia, muito menos para a chatíssima bossa nova. Achava, inclusive, que o rock o perseguia implacavelmente. Onde quer que estivesse, em períodos de tristeza ou de alegria, teria uma música de um dos seus ídolos do rock a aparecer, do nada. Não que achasse isso ruim; era ótimo. Só mesmo o rock lhe seria fiel, pensava, quase afogado num oceano de mágoas.

Imaginou, então, que, no lugar de estar naquele casarão carregado pelo peso da própria história, estaria na casa da moça, que não via há mais de vinte anos. Assim, em algum momento ela haveria de voltar para o lar que - ele fantasiava – ela teria abandonado. Ansiava ficar na casa dela, quarto por quarto, pacientemente, esperando-a como se fosse uma pedra. Sozinho. Falava em pedra e, intrigado, não conseguia entender como Pepeu Gomes conseguia ser um dos maiores guitarristas do país e ao mesmo tempo escrever letras tão ignóbeis. Acabava achando que ele, sim, é que era pedra, não era gente ainda. Sempre sozinho. Pacientemente esperando.

Não era fã de rock pesado. Talvez por isso, das músicas do Audioslave, tenha se interessado justamente por aquela balada. Tinha sido repreendido, certa vez, por um amigo ligado à crítica musical, por confundir balada com música lenta. Mas, para ele, era quase tudo a mesma coisa. E nada poderia fazer diferença naquela tarde em que, pela primeira vez na vida, decidiu esperar por alguém. Sentia remorso por causa disso, enquanto folheava um velho livro de historietas do mundo do rock. Era algo que sempre o fascinava, mesmo tendo lido cada uma delas repetidas vezes. Agora, no entanto, servia de reles preenchimento de tempo, enquanto esperava aquela que iria retirar o vazio de sua casa.

Súbito, o tempo começou a mudar. Sabia que algo estaria para acontecer. Lembrava da passagem bíblica segundo a qual o tempo fechou sobre as três cruzes, num sinal dos céus. Embriagado por sua fantasia, vagou pelos cômodos de janelas escancaradas que recebiam fortes ventos não citados na previsão do tempo da noite anterior. Sentiu a voz de Chris Cornell num tom profético jamais percebido antes, entre vivos e mortos, que, a essa altura, estavam deambulando pelas ruas. Da janela, avistou, ao longe, um vulto sob uma túnica branca que exalava o perfume da amada que ficara perdido no tempo. Pacientemente, sozinho, continuou esperando. Como uma pedra.

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