O Homem Baile

Fartura

Em show no Rio, Glenn Hughes esconde material novo e revê carreira em formato power trio, incluindo pérolas escondidas. Fotos: Luciano Oliveira.

A garra e a boa conservação vocal de Glenn Hughes: até quando ele suspira é com afinação

A garra e a boa conservação vocal de Glenn Hughes: até quando ele suspira é com afinação

O sujeito tem 65 anos, não se lembra de nada que aconteceu na década de 1980 e compôs a primeira música quando tinha 17, na cozinha da casa de sua mãe. Está na beirada do palco do Teatro Rival, onde “se escreve a história da música popular brasileira”, mandando um número solo no contrabaixo no meio de uma música que seguramente não é das mais conhecidas pelo bom público que enche o local. É só o primeiro número de uma bela noite de rock’n’roll, daquelas clássicas e Glenn Hughes segue desfilando sua boa forma, ampla, geral e irrestrita. Ele decidiu dar de volta o público – e não é de hoje – tudo que recebeu durante sua longeva carreira, e para cumprir a promessa está batendo ponto todo ano por aqui.

A música é “Way Back to The Bone”, do Trapeze, banda anterior ao Deep Purple, onde se notabilizou, revisitada umas três vezes durante a noite, e nem chega a ser aquela abertura de rachar o assoalho. Mas já escancara uma das maiores contribuições de Hughes para rock e o hard rock: o baixo cheio de groove rebuscado da música negra americana. E é o bastante para a plateia, animada e não só com os contemporâneos de Hughes, desandar a marcar as palmas no ritmo e pirar no desfecho instrumental. Em vez do Doug Aldrich, com passagem pelo Whitesnake, que estava no ano passado, agora é vez do espichado Soren Andersen empunhar a guitarra, e, na bateria, o ótimo Pontus Engborg segue como um realce a mais. Impossível a essa altura do campeonato, vamos e venhamos, Hughes dividir o palco com marinheiro de primeira viagem.

O baterista Pontus Engborg, Glenn Hughes e o guitarrista Soren Andersen: ótimo power trio

O baterista Pontus Engborg, Glenn Hughes e o guitarrista Soren Andersen: ótimo power trio

É de se duvidar, mas Glenn Hughes segue na ativa, montando, desmontando e remontando bandas como Black Country Communion e California Breed, mas, também, como artista solo, que tem um disco para ser lançado ainda este ano, “Resonate”, do qual ele não saca novidade alguma neste show. A noite, então, é fadada à limpeza de gavetas com clássicos do passado. Um deles é “Medusa”, a tal música feita na cozinha, uma bela peça do rock setentista que deságua em uma improvisação – por assim dizer – instrumental de cair o queixo. Ou “Soul Mover”, da carreira solo, cheia de groove, que nem clássico é, mas, bastante conhecida, agrada geral no encerramento. Ou ainda “Can’t Stop The Flood”, que guarda ótimo solo de Andersen e realça mais ainda o gogó afiado de Hughes. E bota afiado nisso.

Em relação ao show do ano passado (relembre), são cinco novidades no repertório, incluindo curiosamente duas músicas do obscuro projeto de Hughes com o guitarrista Pat Thrall, que lançou um único álbum em 1982: “Muscle and Blood” e “First Step of Love”. Ambas caem bem mais pela performance empolgada do trio do que pelo estofo de cada uma, sendo que a primeira rende um belo duelo Andersen x Hughes. Do Deep Purple, sai “Mistreated”, ponto alto da turnê anterior, e entra “You Keep on Moving”, e assim estão na mostra uma música de cada disco gravado pelo baixista junto com a banda na MK III e na MK IV. Valeria mais, no fundo, no fundo, incluir outra mais conhecida, dos álbuns “Burn” ou “Stormbringer”, ambos de 1974, do que essa de “Come On Taste The Band” (1975).

O visual setentista de Hughes: poucos contemporâneos dele seguem em forma física e vocal tão boas

O visual setentista de Hughes: poucos contemporâneos dele seguem em forma física e vocal tão boas

O público vibra com “One Last Soul”, já um hit, e “Black Country”, outra novidade para este ano, ambas do Black Country Communion, o supergrupo com Joe Bonamassa e Jason Bonham que está de volta, mas segue o lamento pela ausência de alguma coisa do California Breed. Contudo, com menos solos (só Pontus tem um pequeno momento no bis), a performance parece render mais com 13 músicas em cerca e 90 minutos de pauleira rolando. E as vencedoras no fim das contas são mesmo “Stormbringer”, a extraordinária composição que marca o rock pesado setentista, em uma excelente versão de power trio, e “Burn”, cantada pela melhor voz entre os integrantes do Purple na atualidade, que fecha a noite de modo brutal. Agora é só passar no cartório e alterar a idade mais uma vez.

Set list completo:
1- Way Back to the Bone
2- Muscle and Blood
3- Orion
4- Touch My Life
5- First Step of Love
6- Stormbringer
7- Medusa
8- Can’t Stop the Flood
9- One Last Soul
10- You Keep on Moving
11- Soul Mover
Bis
12- Black Country
13- Burn

Caras e bocas de Glenn Hughes no ataque sonoro à plateia que enche o Teatro Rival em plena quinta

Caras e bocas de Glenn Hughes no ataque sonoro à plateia que enche o Teatro Rival em plena quinta

Tags desse texto:

Comentários enviados

Sem comentários nesse texto.

trackbacks

There is 1 blog linking to this post
  1. Rock em Geral | Marcos Bragatto » Blog Archive » Entidade viva

Deixe o seu comentário

Seu email não será divulgado