Cerimônia
Power trio de Glenn Hughes revisita carreira e mostra que o músico segue com carisma e em excelente forma física, mental e vocal. Fotos: Daniel Croce.
O ponto alto da noite acontece em outra música do mesmo disco, quando uma versão de cerca de 15 minutos para “Mistreated” encanta a todos. Ao introduzir o número, já interpretado com rara beleza por ícones como Dio e Coverdale, Hughes conta a história de que essa foi a primeira música que ele começou a criar ao entrar para o Purple, causo razoavelmente conhecido, mas que, contado ao vivo, pelo próprio senhor que viveu a situação, empresta ainda mais emoção ao contexto. Além da dramaticidade que a música carrega desde a maternidade, Glenn invoca a plateia, que responde em coro ensaiado, e à capela, várias vezes. Aí vem o revezamento dos vocais afinadíssimos com solos sobre solos de um Doug Aldrich que debulha a guitarra sem dó. Para ele, é pura diversão e reverência ao ídolo ao mesmo tempo, como num eterno agradecimento. Nem o malabarismo vocal no final impede o banho de emoção que devasta o público.
O show, contudo, não fica preso nos arredores do Deep Purple. Hughes dá uma olhada em sua carreira, inclui o funk rock “Way Back to the Bone”, do Trapeze (sua banda pré Purple), com um belo solo de baixo no final, e mostra “One Last Soul”, hit do Black Country Communion, banda que formou e desformou com Joe Bonamassa nos últimos anos. Aí é o batera sueco Pontus Engborg quem rouba a cena, fazendo as vezes de Jason Bonham (o filho do homem) com grande desenvoltura e a mão de marreta que também solta em várias improvisações. Uma pena que Glenn não tenha tocado nada do California Breed, sua última banda – a ótima “Sweet Tea” estava no set list e foi limada, assim como “Black Country” -, um dos trabalhos mais marcantes do classic rock contemporâneo, e que prova que ele segue como um compositor de mão cheia, aos 64, completos anteontem.A lembrança da data rende um happy birthday puxado por Aldrich e cantado com entusiasmo pela plateia. Glenn Hughes brinca com a idade e realmente chama a atenção não só os vocais, afinadíssimos, até nas notas de grande alcance, mas, também, a compleição física atual. É de longe o mais bem conservado entre todos os seus pares. Metafísico, trata o público como se fosse um daqueles pastores da soul music americana dos anos 1960, ou um cantor de musical “Hair”, vivendo uma eterna Era de Aquarius. “Tudo que eu quero é dar volta pra vocês todo o apoio que tenho recebido ao longo de décadas”, diz, entre um discurso e outro. A gentileza é tanta que ele próprio canta “Good to be Bad”, composição de Doug Aldrich e David Coverdale, do repertório recente do Whitesnake. Pena que a plateia não conhece e/ou desdenha.
Aldrich não está de bobeira em um power trio liderado por Glenn Hughes. Cascudo e operário do classic/hard rock, é a presa ideal para shows como este: toca bem, sola com inventividade e agressividade e sabe se comportar diante de uma dessas lendas vivas, participando de duelos musicais o tempo todo. O show dura cerca de 1h40, um tempo razoável para um músico sexagenário, mas tem muitos solos – o que também é bom - e poucas músicas (11, no total), o que deixa muitas lacunas a serem preenchidas, apesar de Hughes ter “adorado tocar num clube pequeno de novo”, nas palavras dele. A principal delas é a volta da chamada MK III do Deep Purple, com Glenn Hughes e David Coverdale se revezando nos vocais no lugar do combalido Ian Gillan, e o retorno do recluso Ritchie Blackmore. Com a tradição que Glenn Hughes tem parar formar e/ou para entrar e sair de bandas, nada é impossível.Set list completo:
1- Stormbringer
2- Orion
3- Way Back to the Bone
4- Sail Away
5- Touch My Life
6- One Last Soul
7- Solo guitarra
8- Mistreated
9- Good To Be Bad
10- Can’t Stop the Flood
11- Solo guitarra + bateria
12- Solo bateria
13- Soul Mover
Bis
14- Burn
Tags desse texto: Deep Purple, Glenn Hughes, Whitesnake