Com festa
Em espetáculo bem engendrado, Angra vira superbanda para comemorar aniversário de seu álbum mais representativo. Fotos: Nem Queiroz.
Como se vê, o show tem ares de espetáculo grandioso, de modo que o esfacelamento da banda – só o guitarrista Rafael Bittencourt da formação original permanece – é compensado pela participação de convidados dos mais nobres, e trata-se de uma única oportunidade para os fãs verem, ao vivo, músicas que talvez não fossem tocadas nem na época em que foram lançadas, e sucessos que o próprio álbum consagrou. “Holy Land”, de acordo com uma das falas de Rafael, foi um “encontro da banda como músicos e com a história do Brasil”, descrita de modo conceitual em um trabalho cheio de referências à música brasileira. Coincidência ou não, foi lançado quase que simultaneamente com “Roots”, do Sepultura, outro ícone do metal nacional em todo o mundo, que tem semelhante orientação estética.
As duas baterias tocadas simultaneamente logo da cara em “Nothing to Say”, um dos hits do disco, pelo baterista atual, Bruno Valverde, e por Ricardo Confessori, que contribuiu – e muito – na composição de “Holy Land”, é de arrepiar. Assim como uma batucada “from hell” acrescida da forte percussão de Dedé Reis, e que deságua numa por assim dizer improvisação sensacional. Os músicos, incluindo convidados, não estão para brincadeira, ensaiaram tudo tintim por tintim e o resultado, do ponto de vista musical, é de arrepiar. Até o ponto de capoeira de “Holy Land”, a música, não incomoda o público, e registra-se que não é fácil associar esse tipo de referência a um mundo fechado como o do heavy metal, mesmo em se tratando de um show comemorativo de um clássico do gênero.O tecladista Junior Carelli brilha em “Silence and Distance”, e o guitarrista Marcelo Barbosa vai muito bem como imediato de Kiko Loureiro, que segue ganhando o mundo ao lado de Dave Mustaine no Megadeth. Barbosa encanta em duelos com Rafael Bittencourt ou em ótimos solos, sobretudo na pauleira “Z.I.T.O.”. Que o vocalista Fabio Lione se adapta certinho nessa nova fase do Angra, não há dúvidas, mas do ponto de vista do repertório de “Holy Land”, a falta de Andre Matos com sua rara afinação e seus falsetes é brutal, ainda mais para quem conhece o disco de cor e salteado. Músicas como a própria “Nothing to Say”, “Carolina IV” e “Make Believe”, cantada por Rafael e que mostra a força de uma balada genuína, perdem muito sem aquele gogó privilegiado, e não são só as viúvas de plantão que percebem.
O baixista Luis Mariutti, outro que gravou “Holy Land”, reaparece de cabelos curtos e menos Jesus que antes, para substituir Felipe Andreolli nas três músicas finais. Mas o protagonismo desse espetáculo de viés singular é de Rafael Bittencourt. O extraordinário músico é espécie de diretor geral da peça e mestre de cerimônias, e tem se saído muito bem cantando, ou sozinho ou junto com Lione, com um daqueles microfones presos na cabeça. É o que acontece na inesperada cover de “Synchronicity II”, do Police, que traça uma surpreendente ponte entre os monstros Andy Summers e Stewart Copeland e o – quem diria - heavy metal. E aí o modo de segurar a baqueta com a mão esquerda de Bruno Valverde pode não ser reles coincidência. O prodígio baterista, que tem a idade do Angra (25 anos em outubro), é um show à parte, e não apenas no acrobático e cativante solo a que tem merecido direito.Mas a noite não é só de “Holy Land”, e tem músicas de quase todos os álbuns, com certa ênfase em “Secret Garden” lançado há (já?) quase dois anos. São dele “Newborn Me”, que abre a noite com todos cantando junto, e a ótima “Final Light”, quem vem depois das improvisações vocais de Lione; o cara é bom pacas. Hits de “Angels Cry”, o estupendo disco de estreia, são omitidos, e só a dramática “Time” representa, com o vocalista fazendo um esforço daqueles para tomar ar ante a exuberante gravação de Andre Matos. Outros destaques em quase duas horas e meia de show são “Rebirth” e a pedrada “Nova Era”, arremate sem reparos para a agitação geral do público, ambas no bis. No fim das contas, o espetáculo é a prova de que mesmo sem uma formação rodada, com músicos talentosos, um bom repertório e certeira direção musical é possível fazer um ótimo show. Não para, não.

Bittencourt toca ao lado de outro convidado, o baixista Luis Mariutti, que também gravou 'Holy Land'
Set list completo Angra:
1- Newborn Me
2- Wings of Reality
3- Waiting Silence
4- Nothing to Say
5- Silence and Distance
6- Tribal Jam
7- Carolina IV
8- Holy Land
9- The Shaman
10- Make Believe
11- Z.I.T.O.
12- Deep Blue
13- Final Light
14- Time
15- Storm of Emotions
16- Lullaby for Lucifer
17- Silent Call
18- Solo bateria
19- Synchronicity II
20- Angels and Demons
Bis
21- Rebirth
22- Nova Era

Odysseya: o guitarrista Vinicius Mira, o baixista Vitor Vieira e o vocalista Felipe da Silva agitando no palco
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