O Homem Baile

Nova era

Angra supera duelo entre vocalista e técnico de som e mostra a força e o bom entrosamento de mais uma formação, com revalidação do público. Fotos: Nem Queiroz.

O vocalista do Angra, Fabio Lione, mesmo irritado com as condições técnicas, teve boa performance

O vocalista do Angra, Fabio Lione, mesmo irritado com as condições técnicas, teve boa performance

Não que fosse surpresa, mas, na última música de um show dos bons, daqueles com o Circo Voador cheinho de dar gosto, um dos integrantes deixa a guitarra de lado e salta sobre o povão, numa interação final de lavar a alma. Não um sujeito qualquer, mas uma espécie de Robson Crusoé, o único remanescente de uma formação original que não existe mais, mas que, reformada – e bota reformada nisso – mantém com força a banda que acaba de lançar um ótimo álbum – e bota ótimo nisso – cerca de 28 anos depois que tudo começou. E que, por isso tudo, forma-se quilométrica fila antes mesmo de os portões serem abertos nesta quinta (31/5) de feriado atrapalhado pela falta de gasolina. Sim, o plácido Rafael Bittencourt foi pra galera no desfecho do show do Angra, que mostra, mais uma vez, uma inefável capacidade e se reinventar.

Contudo, quase que não acontece desse jeito. Porque, durante quase todo o show, verifica-se um duelo entre o atual vocalista, Fabio Lione, e o técnico de som, ali, escondido do lado esquerdo do palco. É reclamação pra lá, chute na mesa de som pra cá, microfone que falha sucessivamente e um Lione visivelmente irritado e tendo que cantar, muitas vezes, fora do tom ou passando para o público a cantoria desse ou daquele trecho. Até com o set list preso no piso o cantor não se entendeu, e um apaziguador Bittencourt fez um longo discurso para massagear o ego dele, ao apresentar a atual formação do Angra, no bis, quando sai a promessa cumprida no final. Formação enxuta de quinteto – depois do show comemorativo do aniversário de 20 anos do lançamento do álbum “Holy Land”, repleto de convidados (relembre) -, que tem ótima performance de palco com grande entrosamento entre os músicos, incluindo aí o caçula, o guitarrista Marcelo Barbosa, o último a chegar, há uns dois anos, quando Kiko Loureiro foi para o Megadeth.

Lione ao lado do guitarrista e único remanescente da formação original, Rafael Bittencourt

Lione ao lado do guitarrista e único remanescente da formação original, Rafael Bittencourt

É ele quem se encarrega de fazer ótimos duelos com Rafael Bittencourt, além de grandes performances solos em muitas músicas, como na belíssima “Lisbon”, ratificada pela plateia como um dos sucessos eternos da banda, ou em “Z.I.T.O.”, remanescente da turnê anterior, mas que tem nova versão gravada para o mercado japonês, e conta com a participação do tecladista Bruno Sá, desta feita tocando flauta. O resultado é um belo arranjo no qual o instrumento não fica soterrado pelos outros, em que pese uma ótima evolução + solos de Barbosa e Bittencourt; e dá-lhe coreografia ensaiada pra tudo o que é lado. Enquanto o técnico e preciso baterista Bruno Valverde toca cada vez mais solto – e o modo de ele segurar as baquetas chama a atenção -, apesar de um solo ainda tímido, o baixista Felipe Andreoli também faz das suas, com realce em músicas como “Insania”, solando direto no meio da música, e em “Storm of Emotions”, entre outras.

“Insania” é uma das seis faixas do novo álbum, “ØMNI”, incluídas no repertório do show – excelente pedida, por sinal -, e é de impressionar como, em muitas delas, os fãs já se reconhecem e cantam cada verso na ponta da língua. Caso de “Light of Transcendence”, por exemplo, na qual um inesperado cantarolar da plateia segue as guitarras melódicas da introdução, em um ótimo clima. Ou de “Travelers of Time”, outra que funciona muito bem ao vivo, suprimindo, de certo modo, a bateria percussiva que se destaca na versão gravada ano álbum. Já “Black Window’s Web”, o novo single, que chama a atenção em disco pela participação inusitada das cantoras Sandy e Alissa White-Gluz, do Arch Enemy, no modo arame farpado saindo da garganta, é definitivamente a que menos mobiliza o público.

O guitarrista Marcelo Barbosa, o baixista Felipe Andreoli e Rafael em coreografia na beirada do palco

O guitarrista Marcelo Barbosa, o baixista Felipe Andreoli e Rafael em coreografia na beirada do palco

Afora o momento de afirmação da fase atual, com as músicas mais recentes – e tem que ser por aí mesmo -, cabem no show faixas de todos os álbuns, exceto “Aqua”, de 2010. Vale o registro, a despeito das birras técnicas, que Fabio Lione passeia muito bem pelas fases com os vocalistas Edu Falaschi (“Rebirth” cai muito bem) e Andre Matos, embora a ausência dos falsetes em “Time” parece agir concretamente no ar. A música, que o público adora, é difícil de cantar ao vivo pela métrica arrojada, e tem ótima perfomance do vocalista e da banda como um todo. Somam-se na galeria das melhores da noite o monólogo de Rafael Bittencourt com a paleozoica “Reaching Horizons”, ainda que em formato acústico, cantada aos prantos pelos fãs; o arremate com uma ótima transição entre “Carry On” - e dá-lhe roda de dança - e “Nova Era”; e o início com a pesada “Nothing to Say”. Conclusão: remodelado de novo, o Angra volta a emplacar uma nova boa fase.

Na abertura, o Maieuttica fez o que pode para mobilizar a plateia, mas a coisa não deu muito certo, e não só por conta de o som da banda pouco ter a ver com o da atração principal, e, consequentemente, soar inóspito para os fãs do Angra. Ocorre que o sexteto lota o palco com dois vocalistas que fazem mais ou menos a mesma coisa e com guitarristas melodicamente limitados; investe em uma mistura difícil de nu metal e post hardcore; e tem letras fincadas em temas filosóficos – o nome já denuncia – tratados de forma pueril. É muita ideia pra passar e pouca música boa pra fazer essas ideias colarem na cabeça, ainda mais no ouvinte de primeira viagem. A impressão que fica é a de que fez-se um rascunho embolado de ideias que precisa ser passado a limpo, senão a poluição geral prejudica a circulação da mensagem. De todo o modo, vale sons como “O Paciente: Cárcere”, que - e ainda tem mais essa – conta com uma dançarina, e “Além da Lei”, a única cujas guitarras fogem de uma recorrente pequenez. Mas que dá pra melhorar, dá. E muito.

Lione com cara de poucos amigos, entre Rafael Bittencourt e Felipe Andreoli, pede ao público que cante

Lione com cara de poucos amigos, entre Rafael Bittencourt e Felipe Andreoli, pede ao público que cante

Set list completo Angra:

1- Nothing to Say
2- Travelers of Time
3- Angels and Demons
4- Newborn Me
5- Time
6- Light of Transcendence
7- Running Alone
8- Storm of Emotions
9- Insania
10- Drum Solo
11- Black Widow’s Web
12- Upper Levels
13- Z.I.T.O.
14- ØMNI - Silence Inside
15- Ego Painted Grey
16- Lisbon
17- Magic Mirror
Bis
18- Reaching Horizons
19- Rebirth
20- Carry On/Nova Era

Maieuttica: muita ideia pra passar e pouca música boa pra fazer essas ideias colarem na cabeça

Maieuttica: muita ideia pra passar e pouca música boa pra fazer essas ideias colarem na cabeça

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