O Homem Baile

Firme e forte

Renascido dos infernos, Raimundos curte boa fase com clássicos, músicas recentes e até homenagem a Scott Weiland no encerramento do Porão do Rock. Fotos: Ana Luiza Sousa/Divulgação Porão do Rock.

O líder do Raimundos, Digão, canta e toca guitarra muito à vontade no posto que lhe cabe

O líder do Raimundos, Digão, canta e toca guitarra muito à vontade no posto que lhe cabe

Não é qualquer um que tem a moral de subir em um dos palcos principias para encerrar o Porão do Rock quase às quatro da matina. Mas o Raimundos tem, e foi o que aconteceu não só esse ano, mas no ano passado também, quando o show se converteu em uma festança daquelas, com o palco abarrotado de convidados (relembre). Dessa vez, de outro lado, o grupo pode mostrar sua essência nos dias de hoje, depois de descer dos altares da fama e percorrer os mais distantes rincões desse Brasilzão e – história das boas – dar a tal da volta por cima. Contribuiu o tempo curto da apresentação, por conta de compromissos aeroviários da equipa da banda, resultando no que se pode chamar, hoje, do supra sumo do Raimundos.

O clamor por rock que inicia o clássico “Puteiro em João Pessoa”, uma das melhores frases do rock nacional em todos os tempos, é o mote para o começo de uma noite a se celebrar. Se Digão segurou uma brasa quente quando se viu sem vocalista há década e meia, e decidiu ele próprio assumir o posto em vez de caçar um novo cantor, hoje está bem consolidado nas múltiplas funções. Primeiro que canta uma boa quantidade de músicas sem tocar e - o melhor – sem ficar apontando o microfone o tempo todo para o público salvar a cantoria. E, depois, porque – reclame quem quiser -, a coisa funciona, seja pela experiência encorpada ao longo do processo ou pelas boas tiradas que ele, sim, tem. E, ainda, pelo arredondamento da formação que já dura uns oito anos, com a volta do baixista Canisso e o bom desempenho da dupla Marquim, na guitarra, e Caio, baterista de mão pesada.

Digão e o guitarrista Marquim agitando no meio do palco durante o show de encerramento do Porão

Digão e o guitarrista Marquim agitando no meio do palco durante o show de encerramento do Porão

Prova disso é que músicas recentes, do álbum “Cantigas de Roda”, que saiu no ano passado, são não só reconhecidas, mas cantadas com vigor pelo público, e um público jovem até. Caso da inacreditável “Gordelícia” e de “Vida Inteira”, em que pese ser o tema de novela global, o que já não acontecia há algum tempo. “São três e meia da manhã, mas foda-se! Amanhã é sábado!”, brada Digão, como se isso fizesse diferença. Os caras que estão ali na madrugada fria já se amontoavam em direção ao palco antes mesmo de a Plebe Rude terminar o show anterior – é um palco do lado do outro, veja como foi -, e, no final, mesmo com o cansaço de mais de 13 horas de rock sem parar, o vocalista tem que se desculpar ao terminar depois de “apenas” 17 músicas em uns 75 minutos de show. É mole?

Entre elas, uma homenagem emocionada ao vocalista do Stone Temple Pilots/Velvet Revolver, Scott Weiland, morto na quinta passada (saiba mais), quando Digão anuncia “Plush”, o grande hit da primeira. Curioso que, em meio a 24 bandas, e com o fato tão recente, somente o Raimundos tenha se lembrado da importância do cara. Outras citações no show, ainda que discretas e que mostram como o quarteto está muito entrosado, são aos riffs do Slayer em “Be a Ba”; a melodia de “Californication”, do Red Hot, em “A Mais Pedida”; e muito reggae. Crítica à programação das rádios no auge do jabá, a música promove uma impagável coreografia de Marquim, Digão e Canisso na beirada do palco. “Só que aqui no Cerrado tem que ser mais rápido”, avisa Digão antes de o pau comer solto em “Mulher de Fases”, que as moças – vai entender – adoram.

O baixista Canisso, figuraça com os cabelos esvoaçantes, tenta um salto durante o show do Raimundos

O baixista Canisso, figuraça com os cabelos esvoaçantes, tenta um salto durante o show do Raimundos

Dificilmente um grupo com músicas como as do Raimundos vingaria no mercado de hoje - que vai mal das pernas – e onde tudo é pautado pelo politicamente correto. Mas consagrado no passado, suas músicas fazem parte do inconsciente coletivo de todo mundo de modo quem ninguém está nem aí para feminismos e outros “ismos” de ocasião. Por isso músicas como “Esporrei na Manivela”, “Nega Jurema” e o ska “Me Lambe”, uma das mais cantadas, seguem surtindo devastador efeito. E não há melhor resposta que “Deixa Eu Falar”, uma ode à sagrada liberdade de expressão. O arremate da noite tem o baterista Fred, da formação clássica, tocando em “Eu Quero Ver o Oco” junto com um dos técnicos de som na guitarra. Um belo desfecho para uma edição diferente do Porão do Rock, voltada para o rock de Brasília, com um de seus – não se pode mais duvidar - maiores expoentes.

Set list completo:

1- Puteiro em João Pessoa
2- Be a Bá
3- Nega Jurema
4- Baculejo
5- O Pão da Minha Prima
6- Mulher de Fases
7- A Mais Pedida
8- Gordelícia
9- Reggae do Manero
10- Esporrei na Manivela
11- Vida Inteira
12- Palhas do Coqueiro
13- Plush
14- I Saw You Saying (That You Say That You Saw)
15- Me Lambe
16- Deixa Eu Falar
17- Eu Quero Ver o Oco

São três horas da manhã, mas ninguém liga: público fiel permanece para ver o show do Raimundos

São três horas da manhã, mas ninguém liga: público fiel permanece para ver o show do Raimundos

Veja também: como foi o show da Plebe Rude no Porão de Rock 2015

Veja também: a cobertura completa do Porão do Rock 2015

Marcos Bragatto viajou à Brasília à convite do festival.

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