O Homem Baile

Capital do rock

Em edição com bandas de Brasília, Porão do Rock revisita o passado, mostra o presente e sugere novos ícones para o gênero tido como ‘genuíno na cidade’. Fotos Divulgação Porão do Rock: Ana Luiza Sousa (1 e 7) e Alessandro Dantas (2, 3, 4, 5 e 6).

Herbert Vianna no comado do Paralamas do Sucesso: eles avisaram que 'iam tentar tocar na Capital'

Herbert Vianna no comado do Paralamas do Sucesso: eles avisaram que 'iam tentar tocar na Capital'

Além de Herbert Vianna ter morado em Brasília, partiu dele a indicação da emergente cena de bandas da década de 1980 para a imprensa do Sul Maravilha, o que, mais de 30 anos depois – quem diria - credenciou o Paralamas para ser uma das atrações desse ano do Porão do Rock, que rolou no sábado passado, no estacionamento do Estádio Mané Garrincha. É que, de certa forma, a 18a edição foi temática, com programação de bandas formadas lá ou com o mínimo de ligação com a cidade. Daí talvez a banda ter voltado ao festival tão depressa, dois anos depois da apresentação de 2013 (relembre), e com o mesmo show da turnê de 30 anos que desembocou, inclusive, no Rock In Rio (veja como foi). Pouco importou: estava lá o público lotando as imediações do Palco Uniceub para ver o trio mais querido do Brasil em ação

Trio que só se apresenta como trio pra valer em algumas das músicas, alimentando o sonho de muitos fãs das antigas que ainda espera ver um show só com três no palco, com o repertório possível do início de carreira. Acontece em músicas como “Vital e Sua Moto”, com discreta participação do tecladista João Fera, e que sempre é notada no trecho “iam tentar ticar na Capital”; no início de “Cinema Mudo”; e em “Óculos”, só para ficamos em poucos exemplos. Não que não façam falta os metais em músicas adoradas como “O Beco”, ou o belo teclado de “Lanterna dos Afogados”, que dessa vez ganha um solo mais suave de Herbert, num dos grandes momentos da noite. Mas é que o farto repertorio do Paralamas ainda pode render muitos desdobramentos.

Três em um: Alf mostrou músicas da carreira solo e tocou com o Supergalo e com o Rumbora num show só

Três em um: Alf mostrou músicas da carreira solo e tocou com o Supergalo e com o Rumbora num show só

Um deles, notável não é de hoje, é a simples montagem da bateria de João Barone na beirada do palco, e não lá atrás, como em geral acontece com bateristas. É ótimo ver um dos melhores músicos do Brasil com um kit complexo, mas muito bem explorado, e com uma destreza de impressionar. É clichê, mas como parece fácil. E olha que as músicas são ajuntadas em blocos nos quais são coladas umas nas outras, sem tempo para muito descanso, e Barone ainda contribui discretamente com alguns vocais. Em relação ao show do Porão de 2013, são sete músicas a menos, mas a animação – repita-se - é a mesma. Ressalta-se, dessa vez, o peso de “O Calibre”, quase um hard rock moderno; o solo de “Cuide Bem do Seu Amor”, que mostra que Herbert jamais foi um dedo duro da guitarra; e a vibração em “Meu Erro”, que segue com uma das melhores linhas de baixo do rock nacional, cortesia de Bi Ribeiro.

Outros representantes dos anos 80 foram a Plebe Rude (veja como foi) e o Capital Inicial, que dosou o repertório com músicas desse século e algumas do Aborto Elétrico. Decisão acertada para a ocasião, lembrando que o grupo já gravou um disco inteiro com músicas do Aborto, que tinha os irmãos Fê e Flávio Lemos na formação, junto com Renato Russo. O que lembra que a grande ausência no Porão foi o show de 30 anos do lançamento do disco de estréia da Legião Urbana, com Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá da formação clássica (saiba mais). Mas vale o registro que a edição desse ano acabou sendo mais enxuta – um dia só em vez de dois – e um pouco mais tarde que o de costume; em geral o Porão acontece no meio do ano. Como realização possível, no entanto, os produtores não abriram mão dos três palcos enormes e com ótima estrutura que dão ao festival a pecha de mini Rock In Rio. O público, cerca de 20 mil pessoas no total, ficou próximo das edições mais recentes, mas longe do passado, quando PDR recebia 80 mil por dia. Novos tempos.

O vocalista do DFC, Túlio, resolvendo problemas e apresentando dezenas de 'canções românticas'

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Da turma dos anos 1990, o Raimundos representou muito bem (veja como foi), mas fez falta o Maskavo (ex-Roots), que também vive um momento reunião. Com carreira solo recém iniciada, Alf recrutou integrantes de suas bandas do passado para fazer um show partido em três, com sets próprios do Supergalo e do Rumbora, o que acabou tornado o shows deveras longo. Para o público, agradou mais os sucessos do Rumbora, o grupo de maior repercussão, como “O Mapa da Mina” e a envolvente “Skaô”. Os integrantes são os mesmo de cada época e é muito bom ver o baterista Bacalhau sentando o braço fora da TV. No set do Supergalo ficou faltando – vacilo – a ótima “Bombando em Bagdá”, e entre as da carreira solo “O Sol Saiu” já é uma realidade com o público local, enquanto “Guarde Um Lugar” promete chegar lá. Mas Alf, que é um dos fundadores do festival e toca em todas as edições, pode tentar a sorte como bom compositor que é fornecendo material para outros artistas também.

Prejudicado por tocar em um horário muito cedo, o Autoramas acabou mostrando a força da nova formação (que estreou em Brasília no primeiro semestre) para menos gente do que podia, mas terminou nos braços do público como de costume. No mesmo horário, só que lá atrás no Palco Peso, o Filhos de Mengele, que se reuniu especialmente para o Porão, não funcionou. Primeiro porque Digão, do Raimundos, que atuava como baterista, não pode aparecer para ao menos uma canja. Depois, simplesmente quase não havia público das antigas – o grupo existiu entre 1985 e 1991 – suficiente para fazer uma presença em músicas que, segundo o vocalista Paulo Marchetti, tocaram em rádio e fizeram sucesso na época. E, por último, por conta da falta de forma/ânimo dos integrantes. A coisa só melhorou no final, com a entrada de Telo, vocalista da segunda fase e referência reconhecida para o Raimundos e para o vocalista Rodolfo, que atuou com muito mais vigor, de modo condizente com o punk rock de raiz da banda, mas em apenas duas músicas. Era para ser histórico, mas não foi.

O vocalista e guitarrista do Scalene, Gustavo Bertoni, e os desafios do sucesso rápido e gratuito

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Atrapalhado por problemas no palco – chegou a faltar luz – e pelo rompimento de uma corda de baixo(!), o DFC se valeu do bom humor do vocalista Túlio para segurar a onda do público, ainda no Palco Peso, agora sim, com muita gente. O frontman do quarteto nem precisa de pretexto para soltar suas tiradas, um prêmio a mais para quem encara quase 40 pedradas furiosas de um hardcore/metal extremo que inclui todo o tipo de violência (verbal, musical, mental, etc), mas são chamadas descaradamente de “canções românticas”. O atropelo só não e maior por causa das imprevistos, mas músicas como “Vai Se Fuder No Inferno”, “Cidade de Merda” (não é para homenagear Brasília?), o clássico “Molecada 666”, “Petróleo Maldito” e “Pau no Cu do Capitalismo em Posições Obscenas” não são só para sempre, são para toda a eternidade. Mais tarde, ainda no Palco Peso, deu gosto de ver a nova formação do Dark Avenger, com o vocalista Mário Linhares recuperado de um câncer e em ótima forma vocal.

Da geração mais recente de Brasília tocaram Dona Cislene, Etno e Scalene, e chamou a atenção esta última, pela grande transformação causada pela exposição gratuita em um reality show global. Do grupo tímido que tocou no sol quente no ano passado, com o público menor que a quantidade de roadies no palco esse ano, o Scalene deu um salto e tanto, que não pode ser, contudo, maior que as pernas. O som da banda é o mesmo: aquele pesado, curtido na ancestralidade emo, de difícil apelo e com poucas músicas colantes. Mas os caras estão tocando bem melhor e, mais produzidos, têm o grito das moças coladas à grade e um clima favorável de reconhecimento com um grande destaque da cidade. E é justamente aí que mora o perigo. Mesmo porque, já, já, outra temporada se inicia lá no Projac.

Aposta boa: o trio psicodélico-doidão Almirante Shiva se destacou entre as bandas da nova geração

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Dos mais novos a boa é o rock psicodélico-doidão do Almirante Shiva, um trio que experimenta na intuição e mostra que tem um bom caminho para percorrer. O baixista Pedro Souto é figura carimbada: além de fazer parte da banda de Alf, tocava no Cassino Supernova, assim como o baterista Marlon Tugdual. Souto também canta, e troca de posição com o guitarrista Carlos Beleza, o que só enfatiza o quesito experimentação dos caras. As músicas mais legais do show são “Omulu”, longa, com muitas variações e que desemboca numa improvisação à Deep Purple anos 70, e “Ziggy”, uma peça psicodélica que remete aos bons tempos de Júpiter Maçã. Isso se o caras não mudaram os nomes só de farra.

O Nenhuma Ilha, de Planaltina, aposta no rock dos anos 00 pra cá, com músicas com uma boa pegada. Precisa resolver umas incompatibilidades, como ter um baixista que parece tocar numa banda que descende do Red Hot e um guitarrista de texturas pós punks. O grupo consegue, mesmo assim, a façanha de levantar o parco público com o dia claro, no final, com a riffônica “O Tolo”, título do novo EP. O trio Alarmes vai mais ou menos pelo mesmo caminho, com ênfase na batida 80s revivida pelo baterista, que marca em quase todas as músicas. O leque é mais ampliado, com referências até a Foo Fighters, mas as músicas não são tão colantes assim.

Caminhão arrumado: o local The Stucks chegou mais cedo para tocar no festival antes do festival

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O Dependência Pulmonar, na abertura dos palcos principais, mandou um hardcore nervoso, com o repertório repletos de temas típicos do gênero, tudo cantado em português e muito bem explicadinho. Em meia hora foram mais de 15 tapas na cara das civilizações modernas. Por último, mas não em último, o The Stucks mandou muito bem no palco Made In Brazil, na verdade um caminhão de luxo, com a carroceria adaptada para funcionar como palco, numa ótima iniciativa do festival. O grupo faz um stoner rock pesado e tem até alguns hits, cantados por um pessoal que chegou cedo de verdade e mereceu o lançamento de camisetas. “Voraz” é um deles.

Set list completo Paralamas do Sucesso:

1- Vulcão Dub
2- Alagados
3- Cinema mudo
4- Ska
5- Ela Disse Adeus
6- Cuide Bem do Seu Amor
7- Seguindo Estrelas
8- O Calibre
9- Trac Trac
10- Meu Erro
11- Óculos
12- Lanterna dos Afogados
13- Você
14- A Novidade
15- O Beco
16- Uma Brasileira
17- Lourinha Bombril
18- Aonde Quer Que Eu Vá
19- Caleidoscópio
20- Vital e Sua Moto
21- Que País é Esse

Vista do alto dos dois palcos principais do Porão do Rock, incluindo o público e a área de convivência

Vista do alto dos dois palcos principais do Porão do Rock, incluindo o público e a área de convivência

Veja também: como foi o show do Raimundos no Porão de Rock 2015

Veja também: como foi o show da Plebe Rude no Porão de Rock 2015

Marcos Bragatto viajou à Brasília à convite do festival.

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