Som na Caixa

Neil Peart
Ghost Rider – A Estrada da Cura

(Livro/Belas Letras)

neilpeartaestrada“Menos de um dia depois eu estava em Los Angeles; menos de uma semana depois Andrew me apresentou Carrie, meu verdadeiro anjo redentor; menos de um mês depois estávamos completamente apaixonados, e menos de um ano depois nos casamos numa cerimônia de conto de fadas”. Esse é desfecho feliz da história contada por Neil Peart, o baterista do Rush, no livro que explica como ele salvou a própria vida rodando de motocicleta por tudo o que é estrada nas Américas do Norte e Central, e ainda escrevendo cartas para seus melhores amigos. O motivo do tratamento forçado é trágico. Em menos de 10 meses ele perdera a filha única de 19 anos em um acidente automobilístico, e a esposa, vitimada por um câncer. É ou não é motivo de desespero?

Contudo, a tarefa de superar o duplo luto parece menos dramática quando se é um milionário com tempo e dinheiro para esquecer o mundo, equipar uma motocicleta BMW e a si próprio para superar as severas adversidades climáticas e se hospedar nos melhores hotéis do Canadá, Estados Unidos e México saboreando os melhores pratos. Isso sem falar de estadias em Londres, para consultas frequentes com uma psicanalista especializada em luto, e temporadas nas Bahamas. Mas – acreditem -, a coisa não foi fácil para o maior baterista do mundo, que seguramente trocaria tudo isso por ter sua vida de volta. O que de certa forma aconteceu, uma vez que hoje, além da segunda esposa, tem uma filha já com uns cinco anos.

O que conta em “Ghost Rider – A Estrada da Cura”, um livro de texto prolixo, é o dia-a-dia de superação do trauma, nos quais, de acordo com o autor, o importante é se manter ocupado para não pensar em tudo o que aconteceu, sempre com um “quê” de injustiça diante dos fatos. O que, convenhamos, jamais leva alugar algum, ainda mais com uma perda de grandes proporções como essa. Assim, Peart se divide em vários personagens dentro de si próprio, em princípio mal humorado e carrancudo, arredio e crítico às pessoas ao redor e, com o passar do tempo ficando cada vez mais leve. A aventura, que é melhor compreendida se acompanhada com mapas rodoviários das regiões pelas quais o motoqueiro fantasma circula (limados na edição brasileira, assim como as fotos), é contada minuciosamente, incluindo tipos de pavimento, nomes de regiões e um breve histórico por trás delas, catalogação de pássaros (pobre tradutora), análises climáticas e descrição de manutenções realizadas em sua motocicleta.

Não, Neil Peart não é um sujeito qualquer, como esses novos ricos que não sabem o que fazer com a fortuna subitamente acumulada. Por isso, se interessa em explorar cada região por qual passa incluindo visitas a museus e trilhas ecológicas. O livro, contudo, tende a não ser indicado para fãs do Rush, já que o grupo só aparece em citações de letras de músicas na abertura de cada capítulo e em breves passagens em que o baterista se recorda de despedidas para intervalos na turnê do disco “Test For Echo”, a anterior à tragédia. Por outro lado, interessa, sim, porque, de fato, se não passasse pela tal cura na estrada, seguramente Geddy Lee e Alex Lifeson teriam que recrutar outro baterista (ideia em princípio descartada por ambos) ou aposentar o grupo, como já discutido em diversas ocasiões, sobretudo no filme “Rush – Beyond The Lighted Stage” (resenha aqui). Santa cura na estrada!

Ao mesmo tempo, é fácil prever que os fãs de rock progressivo – categoria na qual o Rush jamais se enquadrou completamente, ressalve-se – vão se identificar com essa riqueza de detalhes que se traduz cansativa para o, digamos, leitor comum. Gostam de minúcias os progressivistas de plantão e são realmente diferentes os fãs do Rush, assim como é diferente o próprio Rush e seus integrantes. Peart, por exemplo, além de exímio baterista e verdadeiro homem máquina de tanta determinação quando está em cima do palco, é quem escreve as (por vezes) intrincadas letras do grupo, além de releases e textos dos encartes dos álbuns. No entanto, é desafeito a entrevistas e contatos com a imprensa. Em suas viagens, seu maior temor é ser reconhecido por algum fã, de modo que usa deliberadamente nome e cartões de crédito falsos providenciados por uma das secretárias da empresa que administra o Rush.

Para o admirador mais atento do grupo, o álbum “Vapor Trails”, lançado na mesma época em que o livro saiu, em 2002, e que marca o retorno após essa história toda, já mostra o drama vivido por Peart e o processo de cura. São de certa forma trabalhos complementares, de modo que vale uma nova audição do disco (que não está entre os melhores do trio, diga-se) com o encarte nas mãos, enquanto as longas 513 páginas vão sendo vencidas. De todo o modo, como não se trata de um livro de pueril autoajuda, e refazendo a avaliação, para quem mais seria indicado um livro assinado pelo baterista do Rush senão para um fã do próprio Rush? Vai ver que é por isso este “Ghost Rider – A Estrada da Cura” já superou 100 mil copias em vendas e é considerado um best-seller no mercado americano/canadense.

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Comentários enviados

Apenas 1 comentários nesse texto.
  1. Mayke em agosto 9, 2014 às 2:21
    #1

    Como? Rush nunca se enquadrou completamente no rock progressivo? Qualquer credibilidade que sua matéria possa ter morreu aqui. Alem de não conhecer a banda, o que é normal, não procurou nem saber um pouco sobre a trajetória musical dela. Rush já se enquadrou, sim, em rock progressivo, exemplo: “2112″, “A Farewell to King”, e não vou nem citar o “Hemipheres”, que é 100% progressivo. Não ficaram nisso o tempo todo é verdade, mas já foram, sim, e mais, foram os melhores.

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