Rush
Clockwork Angels Tour
(Universal)
Só pela passagem de som com a íntegra de “Limelight”, que abre o DVD com extras, esse vídeo do Rush já valeria a pena. Mas atenção. Não se trata de um show predominantemente com clássicos que marcaram a banda do início dos anos 80 para trás, o que em geral é a expectativa de grande parte dos fãs. Para a turnê do álbum mais recente, “Clockwork Angels”, de 2012 (resenha aqui), o trio decidiu tocar quase a íntegra do material novo (10 das 12 faixas entraram no set) e completou o repertório com músicas da fase, digamos, intermediária. Assim, músicas de álbuns menos aclamados como “Power Windows” (1985) e “Roll the Bones” (1991) ganharam espaço em detrimento de sucessos como “Moving Pictures” (1981), que só cedeu duas faixas, e de músicas como “La Villa Strangiato”, “Closer to the Heart” e “Fly by Night”, além de trabalhos “mais recentes”, como “Test For Echo” (1996) e “Counterparts” (1993), que passaram batido.
O que se transforma em uma oportunidade de reencontrar músicas menos badaladas, mas que, ao vivo, funcionam muito bem. Afinal, o Rush vinha de uma turnê na qual tocou a íntegra de um de seus discos mais bem sucedidos, o próprio “Moving Pictures”, que passou pelo Brasil em 2010 (veja como foi no Rio). Assim, resgates como “Grand Designs”, de cantarolar vocacional; “Territories”, comendo pelas beiradas e com passagens instrumentais excitantes; e “The Analog Kid”, a princípio de uma simplicidade atroz, ganham novo significado, sempre escoltadas por uma perícia técnica e um bom gosto musical invejáveis. “The Body Electric”, single do álbum “Grace Under Pressure”, de 1985, tocada até por aqui, vem com roupagem mais pesada e extremamente atraente, graças às intervenções do guitarrista Alex Lifeson. “Far Cry”, uma das músicas mais recentes, se mostra um hitaço infalível, agora como encerramento da primeira parte do espetáculo.
O grande filé do DVD, contudo, está na segunda parte, quando um noneto de cordas, o “Clockwork Angels String Ensemble” acompanha as músicas do disco novo. Para um trio que sempre ganhou fama por fazer milhares de coisas no palco, só os três – e seguem fazendo – a novidade, e justamente em cima de praticamente a íntegra de um material inédito, mostra como os músicos seguem buscando se renovar, e com plena vitalidade. A contribuição das cordas, além de musical, se dá em uma inesperada interação entre eles. Nada de ficar sentadinho tocando: dispostos no alto, atrás da bateria de Neil Peart, eles estão em posição de ataque, agitam, batem cabeça e seguem na cola dos três elementos principais. “Era o tipo de coisa que tínhamos que fazer agora ou não faríamos nunca”, diz o baixista Geddy Lee, no enxuto documentário de menos de meia hora que aparece no DVD 2. Inacreditavelmente, o filme não tem legendas.
A conclusão de que se trata de um momento especial, tipo peça de teatro que se vê uma única vez, começa com “Caravan”, hit que antecipou “Clockwork Angels” em cerca de dois anos, com o riff símbolo da canção enfatizado pelas cordas, e com o emblemático verso “eu não consigo parar de pensar grande”. O tom que se segue é mesmo grandioso, eloquente, épico. O peso insuspeito de “Carnies”; a sensível, porém não menos interessante “The Wreckers”; o indefectível baixo estalado de Lee, criativo como de hábito, em “Headlong Flight”; e “Seven Cities Of Gold”, uma das melhores músicas do trio nos últimos tempos, turbinadaça ao vivo pela turma das cordas realçam um período raro para o Rush, em que pese uma carreira inventiva e prolífica que jamais se aproxima de um desfecho.
Além de participar do material novo, o bacana é que o noneto de cordas fica para outras músicas que já fazem parte do imaginário inconsciente do fã do Rush. Daí “YYZ”, uma das peças instrumentais mais legais de todas as épocas, se converter em algo ainda mais contundente. Não bastassem o pula-pula e o cantarolar generalizado, os encapetados eruditos enfatizam as passagens intrincadas e generosas criadas por Alex, Lee e Peart, e o resultado é comovente. A tensa “Red Sector A” segue o mesmo caminho, em tom ambiguamente reconfortante, e “Dreamline” nem precisava dos teclados pré-gravados. Os extras do segundo DVD têm três músicas que sobraram e a íntegra dos filminhos exibidos no meio e no final dos shows, com o trio fazendo as vezes de atores, além do já citado documentário.
O palco tem um pouco de tudo. Além da bateria, customizada e riquíssima em detalhes técnicos e estéticos, a tecladeira de Lee tem engrenagens, e, no fundo, há máquinas de lavar (de novo!), pipoqueiras, chaminés fumegantes, e personagens fantasiados entram e saem durante o set. No alto, além de um telão gigante de alta definição, sempre utilizados, placas móveis sobem e descem, com iluminação adjacente, intensificando a experiência sensitiva do show. Neil Peart, em vez de um solo, dessa vez tem três momentos para mostrar a precisão e bom gosto dos quais jamais se divorcia. Superados os traumas do passado – que viraram livro, saiba mais – o mecanicamente concentrado baterista está soltinho: faz careta, ri, desafia os parceiros e sai do palco correndo como um fundista rumo a mais um passeio de moto. Agora é só seguir o exemplo dele e correr atrás desse DVD, obra única da riquíssima carreira do Rush.
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O Rush sem dúvida é a melhor banda do mundo e o DVD é espetacular.