O Homem Baile

Bem tramado

Em show cuidadosamente planejado e interativo, Måneskin mostra fôlego com repertório renovado para plateia atenta e enlouquecida. Fotos: Adriana Vieira.

O vocalista do Måneskin, Damiano David, no comando de uma verdadeira festa rock'n'roll

O vocalista do Måneskin, Damiano David, no comando de uma verdadeira festa rock'n'roll

Abrem-se as portas da felicidade e, do nada, moçoilas animadas em turba sobem uma escadinha e adentram ao palco já com a coreografia ensaiada, uma vez que, sabemos todos, o show de rock antecede a si próprio e não se encerra em si mesmo. Elas arrodeiam cada um dos músicos em um espetáculo de interação e têm, em troca e modelo de imitação, toda a sorte de agitação com seus respectivos instrumentos: caem no chão, giram, saltam, sobem no kit de bateria, tudo sem para de tocar e de comandar um Qualistage (Metropolitan, vai…) cheinho de dar gosto, nesta quarta (1/11), véspera de feriado. É assim, nessa farra dos diabos e ao som de “Kool Kids” – tinha que ser essa - que termina o ótimo show do Måneskin no Rio de Janeiro.

Esperto, o grupo preenche quase todos os itens do check list de interatividade dos shows nesses tempos tão estranhos: público no palco, integrante da banda no meio do povão, set acústico, música cantada em português, aparelhos emburrecedores em punho e, durante quase duas horinhas, a vida é uma maravilha sem fim. Só faltam as terríveis frases lidas em português, e por isso mesmo o vocalista Damiano David quase se ajoelha de tanto pedir desculpas por não se arriscar no idioma. Melhor assim, Dami. Ele sabe, contudo, que é a força do rock e das músicas estouradas da banda – e há um bom punhado delas - que cativa o público de verdade. Por isso até parece que o som está com volume baixo no início, abafado que é pela cantoria generalizada, uma gritaria danada em tonalidade mais alta, característica do público feminino. É assim que o rock deve ser.

A baixista Victoria De Angelis duela com o guitarrista Thomas Raggi: uma constante no show do Måneskin

A baixista Victoria De Angelis duela com o guitarrista Thomas Raggi: uma constante no show do Måneskin

Também, pudera. O show começa com três pedradas emendadas sem dó. “Don’t Wanna Sleep”, um rock dançante inspirado na virada dos anos 2000 + batida 80’s; “Gossip”, hit global da banda, que o público recebe em ritmo de festa batendo palmas como se já fosse o ápice da noite (teria sido?); e “Zitti e Buoni” (sim, eles são italianos), nada menos que a canção vencedora do Eurovision 21 e que catapultou a banda precocemente a um inesperado estrelato internacional. Tá bom pra vocês? O que chama a atenção, e não é de agora, é a forma como o quarteto se apresenta, em um incansável espírito de rock’n’roll por diversão que contagia o público mais ou menos na mesma medida das músicas, o que confere a cada um deles, e não só ao frontman, um status de carismático difícil de se obter quando se é tão jovem e em uma banda tão nova.

O dois shows que acontecem no Brasil – em São Paulo é nesta sexta, dia 3 - fazem parte da turnê do (apenas) terceiro álbum da banda, “Rush!”, lançado em janeiro, e que empresta oito faixas ao repertório. Uma das melhores, ao vivo também, é “Gasoline”, quem vem turbinada por uma linda introdução instrumental e termina depois de cantoria da palteia com a duplinha Thomas Raggi (guitarra) e Victoria De Angelis (baixo) em vistosa improvisação instrumental na beirada do palco, performance que se repete bastante durante a noite. Outras das novas que se destacam são “The Loneliest”, na abertura do bis, depois de um belo solo de Raggi, ao usar espécie de feito slide guitar que permanece durante a música; e “Kool Kids”, de incrível semelhança com a banda britânica Idles, pelo refrão e pela farra no palco descrita lá em cima.

Todo o carisma e simpatia de Victoria De Angelis, cujo visual é reproduzido por grande parte das fãs

Todo o carisma e simpatia de Victoria De Angelis, cujo visual é reproduzido por grande parte das fãs

Equívocos, também os temos. Colocar um palco no meio do público é atitude louvável e dá proximidade aos excluídos pela nefasta Pista Premium, mas passar no meio do povaréu sob a truculência de robustos seguranças não chega a ser uma boa ideia. Muito menos mandar uma versão canhestra e incompleta de “Exagerado”, de Cazuza – acredite se quiser -, mal tocada e com letras lidas em monitor. O desfecho exageradamente dançante de “I Wanna be Your Slave”, convertido e rave de péssimo gosto (idem em “Mammamia”) e – ainda tem mais essa – a repetição da mesmíssima música no bis, é de lascar. Ademais, de algum modo o frescor rocker e espontâneo citado mais pra cima e verificado na última edição do Rock In Rio, há pouco mais de um ano (veja como foi) parece estar mudando; solos, saltos, performances, body surfing, escadinhas… parece tudo cuidadosamente planejado demais. Fica a dúvida.

Reflexões vãs que seguramente não passam na cabeça da turma que canta tudo que é música quase todo o tempo, inclusive as com letras em italiano. Ainda mais em performances como as em que Thomas Raggi esmerilha a guitarra, em geral em duelos com Victoria, mas Damiano David também participa; não esqueçamos que há muito de glam rock e de hard rock no som dos caras, não só no visual. Casos de “The Driver”, cuja batida surf music ressalta que ser dançante com rock é bem melhor; a manjada “Zitti e Buoni”, de novo, que parece se modificar a cada show; e “Supermodel” e seu pegajoso riff de guitarra decalcado do Nirvana. O mais importante, contudo, é a conexão em grande escala que o Måneskin mantém com o público mais jovem, fato raro para bandas novas, em geral eclipsadas em seus nichos. Até quando? Pouco importa. O que conta é aproveitar noites como essas, aqui e agora.

Damiano David canta ao lado de Victoria De Angelis no início do show, antes da farra com fãs no final

Damiano David canta ao lado de Victoria De Angelis no início do show, antes da farra com fãs no final

Set list completo

1- Don’t Wanna Sleep
2- Gossip
3- Zitti e Buoni
4- Honey (Are U Coming?)
5- Supermodel
6- Coraline
7- Beggin’
8- The Driver
9- For Your Love
10- Gasoline
11- Vent’anni
12- Exagerado
13- I Wanna be Your Slave
14- Mammamia
15- Lividi Sui Gomiti
16- Im Nome del Padre
17- Bla Bla Bla
18- Kool Kids
Bis
19- Solo de guitarra
20- The Loneliest
21- I Wanna be Your Slave

Cena emblemática para um show de rock: Victoria, Damiano e Thomas em profusão na beirada do palco

Cena emblemática para um show de rock: Victoria, Damiano e Thomas em profusão na beirada do palco

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