Bem tramado
Em show cuidadosamente planejado e interativo, Måneskin mostra fôlego com repertório renovado para plateia atenta e enlouquecida. Fotos: Adriana Vieira.
Esperto, o grupo preenche quase todos os itens do check list de interatividade dos shows nesses tempos tão estranhos: público no palco, integrante da banda no meio do povão, set acústico, música cantada em português, aparelhos emburrecedores em punho e, durante quase duas horinhas, a vida é uma maravilha sem fim. Só faltam as terríveis frases lidas em português, e por isso mesmo o vocalista Damiano David quase se ajoelha de tanto pedir desculpas por não se arriscar no idioma. Melhor assim, Dami. Ele sabe, contudo, que é a força do rock e das músicas estouradas da banda – e há um bom punhado delas - que cativa o público de verdade. Por isso até parece que o som está com volume baixo no início, abafado que é pela cantoria generalizada, uma gritaria danada em tonalidade mais alta, característica do público feminino. É assim que o rock deve ser.
Também, pudera. O show começa com três pedradas emendadas sem dó. “Don’t Wanna Sleep”, um rock dançante inspirado na virada dos anos 2000 + batida 80’s; “Gossip”, hit global da banda, que o público recebe em ritmo de festa batendo palmas como se já fosse o ápice da noite (teria sido?); e “Zitti e Buoni” (sim, eles são italianos), nada menos que a canção vencedora do Eurovision 21 e que catapultou a banda precocemente a um inesperado estrelato internacional. Tá bom pra vocês? O que chama a atenção, e não é de agora, é a forma como o quarteto se apresenta, em um incansável espírito de rock’n’roll por diversão que contagia o público mais ou menos na mesma medida das músicas, o que confere a cada um deles, e não só ao frontman, um status de carismático difícil de se obter quando se é tão jovem e em uma banda tão nova.O dois shows que acontecem no Brasil – em São Paulo é nesta sexta, dia 3 - fazem parte da turnê do (apenas) terceiro álbum da banda, “Rush!”, lançado em janeiro, e que empresta oito faixas ao repertório. Uma das melhores, ao vivo também, é “Gasoline”, quem vem turbinada por uma linda introdução instrumental e termina depois de cantoria da palteia com a duplinha Thomas Raggi (guitarra) e Victoria De Angelis (baixo) em vistosa improvisação instrumental na beirada do palco, performance que se repete bastante durante a noite. Outras das novas que se destacam são “The Loneliest”, na abertura do bis, depois de um belo solo de Raggi, ao usar espécie de feito slide guitar que permanece durante a música; e “Kool Kids”, de incrível semelhança com a banda britânica Idles, pelo refrão e pela farra no palco descrita lá em cima.
Equívocos, também os temos. Colocar um palco no meio do público é atitude louvável e dá proximidade aos excluídos pela nefasta Pista Premium, mas passar no meio do povaréu sob a truculência de robustos seguranças não chega a ser uma boa ideia. Muito menos mandar uma versão canhestra e incompleta de “Exagerado”, de Cazuza – acredite se quiser -, mal tocada e com letras lidas em monitor. O desfecho exageradamente dançante de “I Wanna be Your Slave”, convertido e rave de péssimo gosto (idem em “Mammamia”) e – ainda tem mais essa – a repetição da mesmíssima música no bis, é de lascar. Ademais, de algum modo o frescor rocker e espontâneo citado mais pra cima e verificado na última edição do Rock In Rio, há pouco mais de um ano (veja como foi) parece estar mudando; solos, saltos, performances, body surfing, escadinhas… parece tudo cuidadosamente planejado demais. Fica a dúvida.Reflexões vãs que seguramente não passam na cabeça da turma que canta tudo que é música quase todo o tempo, inclusive as com letras em italiano. Ainda mais em performances como as em que Thomas Raggi esmerilha a guitarra, em geral em duelos com Victoria, mas Damiano David também participa; não esqueçamos que há muito de glam rock e de hard rock no som dos caras, não só no visual. Casos de “The Driver”, cuja batida surf music ressalta que ser dançante com rock é bem melhor; a manjada “Zitti e Buoni”, de novo, que parece se modificar a cada show; e “Supermodel” e seu pegajoso riff de guitarra decalcado do Nirvana. O mais importante, contudo, é a conexão em grande escala que o Måneskin mantém com o público mais jovem, fato raro para bandas novas, em geral eclipsadas em seus nichos. Até quando? Pouco importa. O que conta é aproveitar noites como essas, aqui e agora.
Set list completo1- Don’t Wanna Sleep
2- Gossip
3- Zitti e Buoni
4- Honey (Are U Coming?)
5- Supermodel
6- Coraline
7- Beggin’
8- The Driver
9- For Your Love
10- Gasoline
11- Vent’anni
12- Exagerado
13- I Wanna be Your Slave
14- Mammamia
15- Lividi Sui Gomiti
16- Im Nome del Padre
17- Bla Bla Bla
18- Kool Kids
Bis
19- Solo de guitarra
20- The Loneliest
21- I Wanna be Your Slave
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