Definitivo
Guns N’Roses vara a madrugada no Rock In Rio com show de raras novidades, menor duração e praticamente sem efeitos especiais, mas bom mesmo assim. Fotos: Katarina Benzova/Divulgação Guns N’Roses.
Mas, acreditem, a apresentação dessa edição do festival pode levar o selo de enxuta, se compararmos com a de 2017, ou com a sequência da turnê “Not In This Lifetime”, que sacode o planeta desde 2016 com o retorno da chamada formação clássica, que contém, além de Slash, o vocalista Axl Rose e o baixista Duff McKagan. Primeiro, que a montagem do palco, sem as escadarias e plataformas, com a bateria e os dois teclados quase no nível do palco, já denuncia o caminho da simplicidade. Depois, é a ausência total de efeitos especiais. Saem, por exemplo, as labaredas de “Live and Let Die”, os “tiros” de “Civil War” e a chuva de papel picado em “November Rain” e “Paradise City”, e permanece só o telão no fundo do palco. E, por último, mas o principal, são quase uma hora e oito números a menos de show, em relação à monumental performance de 2017 (relembre).
Redução de custos? Volta ao básico? Cansaço? Seguramente esse entendimento passa pela condição física de Axl, que enfrena dificuldades para cantar já há tempos. Dessa vez, o que se vê, além da impostação de voz com falta de fôlego, é certo malabarismo para manter a voz, o que resulta em tons graves e estranhos que tiram a identidade do vocalista como um todo. Não é só mais dificuldade natural de alcançar notas mais altas aqui e acolá, para a idade avançada; ele completou 60 este ano. O que, contudo, não destrói completamente a performance como um todo, mas deixa o show com altos e baixos por vezes desagradáveis, e com aquela expectativa de que não vai dar certo em algum momento. O que, de outro lado, aponta - de novo, e deve ser assim doravante - para Slash o protagonismo na banda, posição que ele ocupa sem a menor cerimônia e com o desleixo estudado que lhe é peculiar.
Embora seja esta uma turnê revivalista de repertório consolidado, há sim, certas novidades. A principal delas é a inclusão de “Absurd” e “Hard Skool” no meio do set, ambas lançadas como single no ano passado, mas que são, na verdade, sobras das gravações do álbum “Chinese Democracy”, de 2008, que por si só demorou 14 anos(!) para ser lançado. São duas músicas curtas e diretas – dá pra entender o porquê de terem sobrado na época -, mas as performances são muito boas, muito embora o público não esteja nem aí. Surpreende também a inclusão de “Slither”, logo no início, apesar de que a música já venha sido tocada desde ao menos, esporadicamente, 2018. Isso porque o Axl de antes jamais aceitaria tocar uma música do Velvet Revolver, excelente banda que, na prática, era espécie de Guns clássico sem ele. Mas está mesmo mudado esse Axl sexagenário: até o show começou pontualmente na hora marcada pela produção do festival!No bojo, o repertório segue privilegiando o insuperável álbum de estreia, “Appetite For Destruction”, de 1987, com sete das 12 faixas incluídas. A lindeza master fica para a marcante “Sweet Child O’ Mine”, uma das mais esperadas da noite, este ano até usada em um bonito comercial do patrocinador do festival, e para a versão diferentona de “Rocket Queen”, agora com longa introdução e Slash mandando um vocal sarapa usando um vocoder, além de solos turbinados e alongados; parece ser a preferida da hora do Cartola. “Double Talkin’ Jive” é outra que se destaca pelo instrumental alongado - e assim é que o tempo do set vai crescendo -, além da beleza melódica de “Esranged”, com Slash deitando e rolando. Escanteado, o outro guitarrista, Richard Fortus, só aparece duelando com Slash na chatinha, mas indispensável, pelo histórico, “Knockin’ on Heaven’s Door”.
Mudanças nas citações à clássicos do rock incluem a saída do tema do “Poderoso Chefão” (e já foi tarde) e incluem “Machine Gun”, de Jimi Hendrix, em “Civil War”, já atualizada com imagens da invasão russa na Ucrânia no telão; a intro de “Rumble”, de Link Wray, para “Welcome to the Jungle”; e “Blackbird”, dos Beatles, com três violões, no bis, antes de “Patience”. Detalhes que temperam o tal repertório consolidado e, de certo modo, mostra que a banda, sob a batuta de Slash, não está completamente estagnada. E se Axl mudou de verdade, e um armistício entre eles é flagrante, que tal compor uma ou outra música nova? Senão acontecer, sem problemas. Esse show ano sim ano não madrugada adentro é garantia de satisfação e brilho nos olhos no desfecho com “Paradise City”. Com ou sem chuva e papel picado.
Set list completo:1- It’s So Easy
2- Mr. Brownstone
3- Chinese Democracy
4- Slither
5- Welcome to the Jungle
6- Better
7- Double Talkin’ Jive
8- Live and Let Die
9- Estranged
10- Rocket Queen
11- You Could Be Mine
12- Attitude
13- Absurd
14- Hard Skool
15- Civil War
16- Solo de guitarra Slash
17- Sweet Child o’ Mine
18- November Rain
19- Wichita Lineman
20- Knockin’ on Heaven’s Door
21- Nightrain
Bis
22- Patience
23- Don’t Cry
24- Paradise City
Nota: a banda impediu a atuação dos fotógrafos do festival e da imprensa brasileira, e cedeu essas imagens, usadas aqui.
Tags desse texto: Guns N'Roses, Rock In Rio