Todas as periferias
Reunião de Black Pantera com Devotos (ex-do Ódio) no Rock In Rio marca encontro de gerações do hardcore nacional. Fotos: Vinícius Pereira.
O show, o primeiro de todos os palcos do festival, com início antes das três da tarde, é espécie de abertura antes da abertura dessa edição do festival, e, por se tratar do dia do metal, já tem gente pra dedéu nos arredores. E gente sedenta por tudo que as duas bandas têm a oferecer: peso, velocidade e esporro para serem processados em rodas de pogo, mosh, body surfing e o escambau. E é justamente o que acontece logo de cara, a ponto de o guitarrista do Black Pantera, Charles Gama, se jogar e ser carregado pela plateia sem parar de tocar já na terceira música, “Godzila”. Tudo impulsionado pelo som da banda, cheia de gás com as músicas do álbum “Ascensão”, o terceiro deles, lançado este ano. Ao vivo, elas funcionam muito bem, e o trio parece com o som mais entrosado e encorpado, pesado e agressivo, mais hardcore do que rock.
Embora seja a novata nesse encontro de gerações do hardcore nacional, registre-se que o Black Pantera já não e tão novo assim: nasceu há cerca de oito anos em Uberaba, já tocou em muitos festivais internacionais, tem três discos lançados e é a banda do momento no rock nacional desde antes de a pandemia chegar. Três homens pretos de dorso nu com a boca suja e descendo cacete em todas as mazelas das sociedades ditas civilizadas é tudo que o mercado quer e a gente precisa. Por isso dá gosto de ver a banda ganhando projeção sem embranquecer nem amansar o discurso, muto menos - o mais importante - o som, e em um lugar como o Rock In Rio. É o que se vê na parte inicial da tarde, com a tensa “Mosha”, aula e como agitar nos shows, na subversiva “Padrão é o Caralho”, e em “Fogo nos Racistas”, temperada pelas labaredas acionadas na frente do palco.É quando sobe ao palco o Devotos (ex-do Ódio) e tudo acontece em dobro. Porque o trio vem completinho e é uma maravilha ver as baterias dobradas em sincronia e Neilton esmerilhando a guitarra como se estivesse em outro planeta, em valiosa contribuição para o esporro. Antes de “Punk Rock Hardcore”, decerto a mais esperada, improvável hit não só da banda, mas de toda uma geração que curte som desde a década de 1990, cabem a melódica “Eu Tenho Pressa” e a sugestiva “Abre a Roda e Senta o Pé” (tudo ver com “Mosha, do BP), o que atiça ainda mais o incansável público, sempre reforçado pela chegada súbita de cada vez mais gente na Cidade do Rock. Em muitas músicas, Cannibal declama a letra antes do início evitando discursos vazios, já que a canção fala por si só.
As duas bandas seguem juntas no palco e há tempo para homenagear Elza Soares com “A Carne”, parceria de Marcelo Yuka e Seu Jorge, famosa na voz dela. Mas o ponto alto acaba sendo mesmo “Punk Rock Hardcore”, cujo grito “É do caralho!” é entoado a plenos pulmões por todos ali em meio ao estapeamento amplo, geral e irrestrito. A música tem a inusitada participação de um ursinho polar de identidade não revelada, mas que, segundo consta, é o China, contemporâneo da cena recifence do Devotos (ex-do Ódio) com o Sheik Tosado. Que agora a curadoria do Rock In Rio, useira e vezeira em repetir atrações de uma edição para a outra, pense em um show de cada uma dessas bandas, inteiro, para os próximos anos. Amém.Set list completo:
1- Padrão é o Caralho
2- Mosha
3- Godzila
4- Taca o foda-se
5- Fogo nos Racistas
6- Execução na Av. 38
7- De Andada
8- Eu Tenho Pressa
9- Abre a Roda e Senta o Pé
10- Fé Demais
11- A Carne
12- Punk Rock Hardcore
13- Boto pra Fuder
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