Passado e presente brilhantes
Iron Maiden funde repetida turnê de época com repertório atual em mais um espetáculo visual e sonoro marcante na estreia dessa edição do Rock In Rio. Foto: Adriana Vieira.
Ao disparar um detonador instalado sobre uma plataforma que circunda a bateria e todo o palco, o sujeito que escapara de várias minas explodindo uma depois da outra indica que o espetáculo está mesmo no fim, muito embora outro número seria ainda executado com toda pompa e circunstância. Apenas um detalhe entre tantos outros que chama a atenção na consagrada “Run to The Hills”, desta feita com a incumbência de arrematar não o show, mas a penúltima parte de um espetáculo sobejamente visual, como se o legado sonoro da maior banda de heavy metal de todos os tempos não bastasse. É tudo isso junto - sabe-se - que traz o encantamento geral de todos que lotam a área adjacente ao Palco Mundo, na Cidade do Rock, que tem um imparável Bruce Dickinson à frente do Iron Maiden, a atração principal da noite de abertura da edição que marca o retorno do Rock In Rio, após o período mais crítico da pandemia do Covid-19.
Pandemia que afetou de algum modo os planos da banda. Explica-se que a tal “Legacy Of The Beast Tour”, que brilhou em 2019 nesse mesmo palco (relembre), não terminou, e que, no período de isolamento social, a banda lançou o ótimo “Senjutsu”, 17º álbum, com quase hora e meia de material inédito. Com a volta dos shows, entre o prosseguimento da turnê revisionista e uma do novo disco, a solução – para o bem ou para o mal - foi fundir as duas em uma só. É por isso que o performático Bruce aparece com um coque samurai na abertura, em que são executadas, em sequência, as três primeiras faixas do disco: “Senjutsu”, “Stratego” e “The Writing on the Wall”. O que reforça, de cara, como é diferente o Maiden contemporâneo do legado que pretende/julga deixar: nunca na história dessa banda uma abertura de show foi tão pouco impactante.
Porque o andamento de “Senjutsu”, a música, é de uma calmaria sem fim, a julgarmos pelos primeiros singles frenéticos de cada álbum - cada um deles – desde o início dos anos 1980, uma artimanha certeira que consagrou o Iron ao longo da anos. Contudo, um Eddie “oriental” caracterizado como na capa do disco já aparece de cara, antecipando-se a si próprio em partes estratégicas do show, para delírio do público, e o cenário parecido com o do excepcional clipe de “The Writing on the Wall” permanece. A vedete da trinca inicial, contudo, é “Stratego”, bela peça de guitarras gêmeas dobradas, uma das marcas registradas da composição iron-maidiana. Brilham os três guitarristas em sequência, incluindo mesmo Janick Gears, espécie de apêndice escalafobético da banda já há algum tempo.
A partir daí voltam-se os olhos para o show de 19, exceto pela subtração de quatro músicas que deixaram o repertório para a entrada das três novas, além de alguma mudança na ordem em que são apresentadas. São elas “Where Eagles Dare”, “2 Minutes to Midnight” (pode isso?), “For the Greater Good of God” (já foi tarde) e “The Wicker Man”. Mudança de ordem que empurra para o desfecho a emblemática “Aces High”, com discurso de Churchill e o avião sobrevoando o palco, em um segundo bis. Com muitas partes vocais altas, acaba se convertendo em um atestado de “gogó de ouro” para Bruce e suas 64 primaveras de muitas estripulias. Como a mochila lança chamas em “Flight of Icarus” que quase o impede de cantar; a cruz iluminada de “Sign Of The Cross”; ou o duelo de espadas com um Eddie vestido como ele em “The Trooper”, que termina com o bonecão sendo alvejado por uma espingarda envolta em uma bandeira do Brasil!
A quantidade de detalhes é tamanha que parece que, quanto mais se assiste a shows dessa turnê, mais coisas saltam aos olhos. Nada, entretanto, que supere a perícia técnica com que as a músicas são executadas, ao mesmo tempo com uma energia/gana de tocar ao vivo admirável para esses sessentões. Steve Harris, por exemplo, parece um menino correndo de lado a outro, tocando baixo de sua maneira singular e cantando cada verso em todas as músicas. Os guitarristas Adrian Smith (número 1) e Dave Murray (número 2) desfilam solos e riffs com uma incrível naturalidade, e mais: reproduzindo com grande fidelidade versões originais de músicas compostas há 30, 40 anos. Os quatro (Gears, o número 3, também) tocando juntos na beirada do palco na exuberante “Hallowed Be Thy Name” – repita-se – é uma imagem das mais representativas da história do rock em todas as épocas.
Ou seja, trata-se de um tipo de show para ser revisto de tempos em tempos, que sempre tem uma ou outra coisa não percebida antes. Ao mesmo tempo, um álbum grandiloquente como o “Senjutsu” não pode deixar de ter sua própria turnê, ainda mais para uma banda que, ao lançar um álbum de inéditas, inclui cinco, seis músicas novas no giro subsequente. Porque esses vinte minutinhos iniciais não deram nem para a entrada de quem quer ver o Maiden contemporâneo em ação. O problema é que o impacto causado pelo repertorio/cenário/performance/conjunto da obra do que sobrou da “Legacy Of The Beast Tour” é tão grande que supre outras expectativas em um espetáculo, acima de tudo, definitivo para uma banda com tanta estrada percorrida e, vamos e venhamos, um horizonte nem tão grande assim a seguir. Que venha, então, a ‘turnê do ‘Senjutsu’ o quanto antes.
Set list completo:
1- Senjutsu
2- Stratego
3- Writing on the Wall
4- Revelations
5- Blood Brothers
6- Sign os the Cross
7- Flight of Icarus
8- Fear of the Dark
9- Hallowed Be Thy Name
10- The Number of the Beast
11- Iron Maiden
Bis
12- The Trooper
13- The Clansman
14- Run to the Hills
Bis
15- Aces High
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