O Homem Baile

Inigualável

Turnê de época do Iron Maiden com repertório definitivo e maior número de efeitos especiais de que se tem notícia estarrece o público no Rock In Rio. Fotos Divulgação Rock In Rio/I Hate Flash: Diego Padilha.

O possuído vocalista do Iron Maiden, como gogó em dia, em noite de interminável animação

O possuído vocalista do Iron Maiden, como gogó em dia, em noite de interminável animação

A imagem do baixista Steve Harris terminando o show com o pé sobre o retorno e o instrumento apontado para o público como que este fosse metralhadora é a mais tradicional e singela figura que poderia, se possível fosse, sintetizar a noite dos sonhos que o Iron Maiden ofereceu nesta sexta (4/10), no Rock n Rio. Ou a dele, junto com seus três guitarristas, alinhados na beirada do palco em coreografia ensaiada, em vários momentos nas duas horinhas mais bem aproveitadas em um festival em todos os tempos. Ou, ainda, quem sabe, a de um Bruce Dickinson cantando feito um passarinho, de posse de mil e um figurinos, completamente possuído para mostrar ao menos um personagem para cada uma das 16 músicas tocadas. Em vão. Porque nada, nada pode resumir o que pretende ser o insofismável legado do Iron Maiden.

Chamado de “Legacy Of The Beast”, o giro que traz o Maiden pela quarta vez ao Rock In Rio é mais uma “turnê de época” que pretende reunir músicas definitivas de um cancioneiro mais que perfeito para uma banda com quase 45 anos de história e que toca como se fosse esse o primeiro show todos os dias. E por isso o repertório conta com músicas de fases extraordinárias, a ponto de quatro petardos do álbum “Piece of Mind”, de 1983, reaparecerem com uma força sem igual, para o encantamento de fãs que sequer eram nascidos na época, todas tocadas com extrema precisão e com acréscimo de peso que permite a tecnologia contemporânea. E, mais ainda, com uma produção fora do comum que preenche todas as 16 músicas com cenários diferentes entre si, incluindo os figurinos e acessórios de um Bruce Dickinson completamente descontrolado de tanta animação.

O baixista Steve Harris e o guitarrista Janick Gers, em uma das coreografias da noite no Rock In Rio

O baixista Steve Harris e o guitarrista Janick Gers, em uma das coreografias da noite no Rock In Rio

Quando se vê, do nada, em “Revelations” a banda toda parece estar em uma antessala inteirinha de igreja/museu, decorada com os vitrais que estampam essa turnê, na qual aparecem detalhes mínimos que vão de sancas no teto à candelabros de fogo que iluminam o palco. A música, um dos símbolos do Rock In Rio de 1985, em um dos primeiros shows de grandes proporções da banda, lembrado por Dickinson no início, surge com um peso abissal, realçada pela levada de bateria assustadora para a época, justamente na estreia de Nico McBrain, e sufocante ainda hoje, com o baterista já aos 67 anos. Bruce aparece como um maltrapilho no alto de uma plataforma de um fundo do palco que muda o temo todo, sem o uso de telões que podem subtrair o quesito da teatral original da banda.

Teatralidade que começa na forte abertura, com “Aces High”, o single de estreia de “Powerlsave”, de 1984, com um avião inflável planando no palco e Bruce enlouquecido correndo de lado a outro vestido de piloto de Segunda Guerra. E o público pira de tal forma que parecem eles – os fãs – entrarem de cabeça no espetáculo como parte inerente de um cenário mais ou menos conhecido, mas sempre – e dessa vez mais ainda - surpreendente. Porque o arroubo de emoções com a sequência matadora que tem “Where Eagles Dare”, canção rara, mas quase um lado B, e “2 Minutes to Midnight”, cujo riff de introdução emblematizado no empunhar de guitarra de Adrian Smith é de matar até o menos cardíaco ali no meio da interminável multidão. Ele e Dave Murray, que segurou a peteca praticamente sozinho nos tempos mais difíceis do Iron, travam sensacionais duelos que resultam em empate técnico depois de tantos anos empunhando guitarras por esse mundo afora.

O brilho de Dave Murray, o guitarrista que segurou a onda na fase mais insegura do Iron Maiden

O brilho de Dave Murray, o guitarrista que segurou a onda na fase mais insegura do Iron Maiden

Fase que o generoso Bruce Dickinson percorre com incrível maestria, primeiro em “The Clansman”, precedida de um discurso sobre liberdade, quando carrega uma espada medieval e duela com os demais integrantes. Mas, sobretudo mais adiante, em “The Sign Of The Cross”, quando labaredas gigantes clareiam um escuro palco iluminado também pela cruz do título, carregada pelo vocalista. Ele vai tão bem nessa música, que volta à tona a reflexão de que a fase em que se ausentou do Maiden nem foi tão ruim assim. Mas é o retorno o que conta, e “The Wicker Man”, single de “Brave New World” rememora a performance do Rock In Rio de 2001, convertida em ótimo DVD simplesmente com o nome do festival como título. O refrão é rico em guitarras e as três, de uma só vez, ecoam pelos ares para lembrar como o Iron Maiden – e anda tem mais essa – sabe compor faixas de abertura cativantes a cada álbum que passa; um top 5 dessa músicas é o que passa pela cabeça.

O único senão no repertório do show é a inclusão de “For The Greater Good Of God”, que parece uma esperta tentativa de converter em clássico o que – pelo menos ainda – não é. É o que proporciona um momento de sossego emocional no seio do público. Deveria ter sido substituída por ao menos uma faixa do ótimo álbum “Somewhere In Time”, surpreendentemente ausente em uma turnê desse naipe. Eddie? São dois, o tradicional em “Iron Maiden”, no encerramento, que surge inflável e gigante atrás da bateria, em forma de um busto de caveira com chifres do cramunhão, com impressionante riqueza de detalhes a ponto de parecer uma escultura, e o operado por controle remoto, dessa vez, e de modo inédito, em “The Trooper”, com as vestes de soldado de guerras do século passado e o dedo médio em riste. É o que tenta roubar a tradicional cena de Bruce balançando a bandeira, dessa vez, além da britânica das antigas, uma brasileira; e que música, que música!

A performance de Steve Harris, fundador do Maiden e um dos maiores baixistas da história do rock

A performance de Steve Harris, fundador do Maiden e um dos maiores baixistas da história do rock

Não menos arrepiante do que o espetáculo das twin guitars, uma das bases da música do Iron Maiden, de “Hallowed Be Thy Name”, turbinado por Janick Gers, que parece ter maior protagonismo nessa turnê, em vez dos malabarismos físicos de sempre. As evoluções de guitarra dos três – Janick, Dave e Adrian -, com o chefão Steve ao lado e Bruce prestes a ser enforcado, junto de Nico ali atrás, é de uma lindeza para além dos sonhos. E tem ainda um inédito Bruce Dickinson com um tanque de combustível pendurado nas costas soltando as chamas pelos punhos que, para além do sol, derretem as asas de cera em “Fligh Of Icarus”, outra gema do set list; tochas fixas na indispensável “The Number Of The Beast”; e Bruce todo misterioso com máscara carregando uma lanterna retrô na enfandonha “Fear Of The Dark” (e como o povo gosta, canta e cantarola!). No balanço final, trata-se de mais um show de uma banda que parece insuperável, mas que sempre é ultrapassada por ela própria. No que cabe a reflexão: o que será que esses caras vão aprontar da próxima vez?

Set list completo:

1- Aces High
2- Where Eagles Dare
3- 2 Minutes to Midnight
4- The Clansman
5- The Trooper
6- Revelations
7- For the Greater Good of God
8- The Wicker Man
9- Sign of the Cross
10- Flight of Icarus
11- Fear of the Dark
12- The Number of the Beast
13- Iron Maiden
Bis
14- The Evil That Men Do
15- Hallowed Be Thy Name
16- Run to the Hills

O avião de 'Aces High' sobrevoando o palco na abertura do show do Iron Maiden: só o começo

O avião de 'Aces High' sobrevoando o palco na abertura do show do Iron Maiden: só o começo

Tags desse texto: ,

Comentário

Seja o primeiro a comentar!

Deixe o seu comentário

Seu email não será divulgado