O Homem Baile

Sufocante

Na turnê do novo álbum, Rotting Christ mantém clima pesado e sombrio que lhe é inato, em apresentação curta e fechada em si própria. Fotos: Frederico Cruz.

O gênio por trás do Rotting Christ, Sakis Tolis, canta, toca guitarra e anima o bem disposto público

O gênio por trás do Rotting Christ, Sakis Tolis, canta, toca guitarra e anima o bem disposto público

Na terceira turnê seguida pelo Rio, os caras do Rotting Christ já podem se considerar locais a ponto de mandar um obrigado aqui e outro acolá, e até uma contagem em português antes de uma ou outra música. Mas, talvez por isso – e ironicamente -, a frequência não tenha sido das melhores nesta quinta (30/5), no Teatro Odisséia. O que não chega a afetar o quarteto que, mesmo renovado, se mostra uma banda e tanto em cima do palco, em que pese a qualidade do som da casa, que já vem melhorando muito, estar especialmente na ponta dos cascos nessa noite. E aí vem a inevitável descrição de público pequeno, mas que participa que é uma beleza, diante de uma sonoridade assustadoramente sombria, como de hábito.

Porque já se sabe que, em um show da banda dos irmãos Tolis, a conexão com o oculto é instantânea e o questionamento da eficácia dos cultos espalhados pelo mundo segue como linha mestra, mesmo que seja necessário gravações que reproduzam o clima dos discos, ratificado fortemente pela música executada ao vivo. Themis, o baterista, tem um modo de tocar diferente do que se vê por aí, seja pela afinação ou como trabalha especialmente caixa e um duplo bumbo simples, mas de grande eficiência. Sakis, o gênio criador desse black metal de raiz e quase filosófico, é o dono da voz das cavernas e de guitarras quase tão minimalistas como aquelas do pós punk inglês, onde contam mais texturas do que arroubos técnicos.

Um dos dois novatos na atual formação, o guitarrista Giannis Kalamatas, em noite inspirada

Um dos dois novatos na atual formação, o guitarrista Giannis Kalamatas, em noite inspirada

Como se percebe em “Fire, God and Fear”, uma das novas, mais um heavy rock bem ajeitado, e que aponta para outros ramos do metal sem deixar de lado o chamado conjunto da obra do Rotting Christ. A música é uma das três que estão no novo álbum, “The Heretics”, que saiu em fevereiro e tem ainda um belo solo de Giannis Kalamatas, um dos dois novatos nessa formação – o outro é o baixista Stamatis Petrakos -, que parece estar particularmente inspirado quando convocado a intervir, num tipo de som em que – repita-se – esse artifício não é o principal. Ele ainda brilha na sinistríssima “In Yumen-Xibalba”, outra recente, do álbum “Kata ton Demona Eautou”, de 2013, e que nunca mais saiu dos shows da banda, e ainda em “Grandis Spiritus Diavolos”, com mudanças de andamento e na qual Themis Tolis faz das suas lá atrás.

As outras duas que estão em “The Heretics” são “Hallowed Be Thy Name” (nada a ver com Iron Maiden), que, lenta, arrastada e pesada abre a noite em clima de missa negra com narração dos quintos dos infernos – Sakis adora cânticos sacros/profanos – e de promessa de uma experiência daquelas; e “Dies Irae”, outra peça sombria, mas que, de seu lado, com riffs cadenciados e pesados pra dedéu, desperta aquele bater de cabeça instintivo que só um show de metal pode proporcionar. O “modo horda”, com braços erguidos em coreografia instintivamente ensaiada se impõe pela música em si em “The Forest of N’Gai”, uma das preferidas dos fãs, e “Kata ton Demona Eautou”, só para citar duas em que o espetáculo interativo entre banda e público se completa.

O baixista Stamatis Petrakos, também novato na banda, Sakis Tolis e o baterista Themis Tolis

O baixista Stamatis Petrakos, também novato na banda, Sakis Tolis e o baterista Themis Tolis

Mesmo com formação renovada pela metade, muito embora o núcleo criativo seja mesmo – e sempre foi assim – o dos irmãos Sakis e Temis, o Rotting Christ segue com impressionante imposição de placo, seguramente uma das bandas do metal extremo que melhor se sai tocando ao vivo. Um pena, e já foi assim da última vez, em 2016 (relembre), que o show é muito curto, uns 75 minutos e já era. Mesmo assim tem bis e o desfecho é em alto astral, com “Non Serviam”, um clássico vivo, criado nos primórdios da banda, e que vinha sendo pedido a noite toda. Ele divide com “Societas Satanas”, o Mal evocado em forma de música, o título de melhor performance da noite, ao menos no quesito agitação por parte da plateia. Porque, no fundo, no fundo, a apresentação é redondinha, regular e toda em altíssimo nível.

Na abertura, a surpresa. A banda equatoriana Total Death, confirmada de última hora, fez uma ótima apresentação. O grupo flerta com várias tendências da música extrema, mas tem no doom/death metal sua característica mais evidente, e com uso de teclados, que, ao vivo, são substituídos por gravações. Cascudo, o vocalista e integrante fundador Ider Farfán – a banda tem quase 20 anos de estrada – soube conduzir o show, de modo que, aos poucos, foi conquistando o público que chegava mais cedo. Na parte final, com guitarras empunhadas, o grupo era aplaudido por todos. As mudanças de andamento em músicas longas, pesadas e até mais intrincadas, foram objeto de admiração pela plateia, o que contribuiu para deixar uma ótima impressão do Total Death.

Os irmãos Tolis, núcleo criativo do Rotting Christ, ambos únicos remanescentes da formação original

Os irmãos Tolis, núcleo criativo do Rotting Christ, ambos únicos remanescentes da formação original

Set list completo Rotting Christ:

1- Hallowed Be Thy Name
2- Kata ton Demona Eautou
3- Fire, God and Fear
4- Elthe Kyrie
5- Apage Satana
6- Dies Irae
7- The Forest of N’Gai
8- Societas Satanas
9- King of a Stellar War
10- In Yumen-Xibalba
11- Grandis Spiritus Diavolos
12- Under The Name Of Legion
Bis
13- The Sign of Evil Existence
14- Non Serviam

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