Somente só
Sem banda, St. Vincent desperdiça oportunidade de brilhar mais, mas tem boa performance no Lollapalooza. Fotos Divulgação Lollapalooza: Camila Cara.
Basta que a guitarra comece a ser tocada, contudo, para que as desconfianças se dissipem, não de uma vez só, mas aos poucos, a cada música tocada de forma visceral por Vincent. A performance, por assim chamar, começa com o play nas bases e a guitarra entra rasgando sem dó, em geral alta e com distorções da pesada, sem as firulas, texturas e outras patacoadas por vezes atribuídas a guitarristas que, no fundo, no fundo, nada tocam. E mais: solos em quase todas as músicas, incluindo uso de pedais e efeitos de slide guitar que conferem variedade ao modus operandi da (não se chama mais de cantora, mesmo não sendo um show instrumental) guitarrista. E tudo em sincronia com as bases, no tempo certo, sem erro. Parece fácil, mas não é.
Parece também que, a partir daí, a apresentação se tornaria robótica demais, inorgânica, pouco musical, mas é aí que entra a musicalidade de St. Vincent e, à sua maneira, o modo de cantar, se expressar e de se conectar com a pateia, para além dos decibéis de distorção despejados sobre o público. Em “Cheerleader”, o que parece ser um momento mais calmo do show, as distorções aparecem subordinadas à guitarra e o desfecho tem um solo arrasador. “Rattlesnake” tem meninas dançando no telão – adereço cênico que aplaca a solidão estática da guitarrista no palco – e Vincent termina a música no melhor estilo guitar hero, tocando de joelhos, para a alegria do bom público que se acotovela na grade, em imagem que se repete em outros números.
Em quatro anos muita coisa muda, e a performance opaca do show de 2014, no Rio (relembre), mesmo com banda, fica pra trás, e as mesmas músicas tocadas na ocasião, como as citadas ali em cima, aparecem totalmente diferentes, sem as amarras do tecnopop oitentista, principal referência no trabalho dela. St. Vincent - repita-se – se estabelece mais como guitarrista do que como cantora. Agora, é o álbum mais recente, “Masseduction”, de 2017, e que brilhou no Grammy com os prêmios de Melhor Música (faixa-título) e Melhor Capa, que domina o repertório. Entre elas, “Pills” tem boa base e sotaque pop, quando Vincent gira no refrão em torno de si própria; “Masseduction, de construção eletrônica, é turbinada com as guitarras, e tem um “quê” de blues no modo de tocar da moça; e mesmo o começo, um tanto inseguro, com “Sugar Boy”, já tira a impressão ruim de antes de a bola rolar.Um olhar mais amiúde também requer muita atenção, e sempre fica a dúvida sobre o que está sendo feito ali, ao vivo, de verdade sobre o palco, organicamente, e o que é gravado, fabricado em laboratório, muito embora isso pareça não ter a mínima importância para o público que se acaba como se estivesse em uma pista de dança e que se interessa mais pelo perfil lacrador, por assim dizer da musicista, do que pelo conteúdo musical propriamente dito. Fiquemos com a empatia para valorizar a perícia técnica de St. Vincent, ainda mais em músicas como “New York”, acompanhada de palmas pela plateia, e “Fear The Future”, lá pelo final do show. De todo modo, se quiser brilhar como guitarrista - e parece não ter mais volta - uma boa banda para fazer as bases é fundamental. Exemplos por aí a fora é que não faltam.
Set list (mais ou menos) completo:
1- Sugarboy
2- Los Ageless
3- Pills
4- Marrow
5- Savior
6- Masseduction
7- Digital Witness
8- Cheerleader
9- Rattlesnake
10- Birth in Reverse
11- Fast Slow Disco
12- Fear the Future
13- New York
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