De volta pra casa
Na reta final da turnê de retorno, Legião Urbana embala público em Circo Voador lotado, onde tudo começou. Fotos: Nem Queiroz.
Pois foi no Circo Voador, a custa da ajuda dos Paralamas e da programação da rádio Fluminense FM que a banda deu o chamado pontapé inicial na carreira da banda de rock brasileiro de maior sucesso por essas bandas, excetuando-se a pré-história em Brasília. É o que lembra o guitarrista Dado Villa-Lobos ao citar o então programador da Flu FM, Maurício Valladares, já na terceira música, “Petróleo do Futuro”, a primeira a ser tocada na ocasião, e que, a bem da verdade, só está no show porque está sendo tocada a íntegra do disco de estreia, “Legião Urbana”. As 11 faixas são executadas no talo, emendadas umas nas outras, praticamente sem nenhuma fala por parte dos músicos, o que reforça o caráter punk do álbum, amplamente identificado com a gênese da banda e do punk de Brasília propriamente dito. E – o mais importante -, e a despeito de uma formação numerosa para um combo punk originalmente com três integrantes, em versões bem cruas, como esse tipo de celebração pede.
E aí a confusão está armada. “Geração Coca-Cola” segue a vocação para o estrelato com o público cantando em uníssono os versos puxados pelo nada Renato Russo André Frateschi, e a suavidade de “Ainda é Cedo”, bem ajustada na voz de Marcelo Bonfá e com Mauro Berman caprichando na linha de baixo característica, é de comover o mais incólume dos insensíveis. Mas tem também as menos conhecidas, pouco tocadas mesmo na época em que foram lançadas, como “O Reggae”, que cita “Guns Of Brixton”, do Clash, sua referência mais óbvia; uma encorpada versão para “Soldados”, com Dado metralhando Frateschi em uma paredão imaginário; “Teorema”, cantada a quatro vozes na difícil segunda parte; e o desfecho com “Por Enquanto”, que soa como uma triste/emocionante cerimônia da ascensão simultânea de Renato e Cassia Eller aos abarrotados céus do rock’n’roll.O repertório da segunda parte é mais ou menos o mesmo da turnê, com algumas variações de acordo com os convidados que, reunidos em um bloco de canções, são o pior da noite, até pela falta de identificação com a história da Legião e com o público. Caso de Jonnata Doll, que, afetado e com uns quilinhos a mais, destrói a ótima “Fábrica”, e de uma cantora que sequer é apresentada e faz um esforço danado para transformar “Dezesseis”, com sotaque de rock de raiz, em algo minimamente conhecido. Melhor sorte tem o ator Wagner Moura, que, se não canta tão bem quanto André Frateschi (o que reforça como é assertiva a escolha de Dado e Bonfá), se vira na dobradinha “Sereníssima” e “1965 (Duas Tribos)”, essa com ênfase no debochado verso de Renato “O Brasil é o país do futuro”. Pena que, nesse momento, o público se concentra mais em fazer registro de imagem de um famoso do que em interagir com as músicas. E, ressalte-se que, a favor deles, os convidados só pegaram músicas pouco conhecidas, osso duro de roer, mesmo diante de um público fanático como o dos fãs da Legião.
A deliciosa preguicinha de Marcelo Bonfá faz a genial “Tempo Perdido” parecer mais lenta em relação à versão original. Dado é o cantor da vez, e vale salientar como o guitarrista está soltinho, atuando como um guitar hero que nunca foi (nem precisou ser) e interagindo muito com Lucas Vasconcelos, o outro guitarrista da banda. O tecladista Roberto Pollo assume a frente em “Angra dos Reis”, que o público acompanha com afinco, sobretudo na parte final. A bem acabada “Quase Sem Querer” supre a ausência da prima “Eduardo e Mônica”, mas é a maturidade juvenil de “Pais e Filhos” o highlight principal, com Bonfá radicalizando na inexpressividade e André Frateschi – e ainda tem mais essa – tocando bateria. O verso/refrão “É preciso amar…” seguramente segue ecoando no Circo depois do final do show e também na cabeça de que estava lá até agora.O bis por si só é uma pérola do cancioneiro legionário, já com a quilométrica “Faroeste Caboclo”, tocada pela primeira vez no Circo – quando a música inacreditavelmente estourou nas FMs, a Legião era gigante – e que o público parece disposto a encarar o desafio de cantar cada verso certinho. A belíssima “Perfeição”, precisa definição da inefável alma do povo brasileiro, que inclui o próprio autor, uma das especialidades de Renato Russo, segue encantando, e “Que País é Esse?”, punk até o caroço, é o arremate mais que perfeito ao manter a mesma linha de raciocínio. Pena que o público siga incluindo um nefasto verso emprestado dos shows do Capital Inicial, que pouco tem a ver com a música em si. Nada, contudo, que estrague o fabuloso e necessário reencontro de uma banda consagrada nos braços do povo com o berço que lhe deu vida. Alguém aí falou da íntegra do álbum “Dois”?
Set list completo:1- Será
2- A Dança
3- Petróleo do Futuro
4- Ainda é Cedo
5- Perdidos no Espaço
6- Geração Coca-Cola
7- O Reggae
8- Baader-Meinhof Blues
9- Soldados
10- Teorema
11- Por Enquanto
12- Tempo Perdido
13- Daniel na Cova dos Leões
14- Há Tempos
15- Sereníssima
16- 1965 (Duas Tribos)
17- Fábrica
18- Dezesseis
19- Eu Sei
20- Pais e Filhos
21- Angra dos Reis
22- O Teatro dos Vampiros
23- Quase Sem Querer
24- Índios
Bis
25- Faroeste Caboclo
26- Perfeição
27- Que País é Esse?
Tags desse texto: Legião Urbana