Aqui e agora!
Reformada 20 anos depois, Legião Urbana mantém ao vivo a força de um repertório fadado a superar os limites do tempo. Fotos: Nem Queiroz.
Mas os desafios são muitos para uma banda recém-reformada, e o principal é ver se André Frateschi consegue segurar os vocais, o que de fato acontece. Talvez por isso a turnê teve um bom punhado de shows pelo interior antes de chegar ao Rio, o que e resultou no jeito correto de cantar Renato Russo sem ser Renato Russo e no entrosamento esperados. Por que Frateschi não é nenhum ginasiano, e, cascudo, vai muito bem, com um carimbo de aprovação batido em “Teorema”, uma das mais difíceis de cantar por conta da parte alta no final, ainda no bloco inicial do show. Ele por vezes abusa de uma afetação de ator, ao interpretar versos tintim por tintim, mas se sai muito bem, sobretudo em músicas como “Geração Coca-Cola”, quando se empolga pra valer; no crescente de “Há Tempos”; na vibração de “Por Enquanto”, ressignificada após o estouro de Cássia Eller e que hoje soa como uma despedida do disco e do próprio Renato; e na difícil “Faroeste Cabloco”, entre outras.
Não cabem questionamentos voltados para o próprio umbigo do tipo “Legião só com Renato Russo”, mesmo porque o show é o tempo todo um tributo ao próprio Renato e à Legião em si, e ainda ao relacionamento dele com Dado e Bonfá, o que aparece na ótima “Tempo Perdido”, que emociona ao ser precedida por um breve discurso gravado por Renato nos tempos em que o sonho de ter banda começava e virar realidade. Dado e Bonfá estão no comando e se revezam nos vocais em algumas músicas sem comprometer, mas Frateschi, além de ótimo frontman, canta muito melhor que os dois. Como músicos, os dois legionários remanescentes estão muito melhor, e a banda, bem arredondada, toca muito mais pesado do que – pecado mortal admitir – em boa parte de sua carreira original, por assim dizer. É o que se vê, por exemplo, no arremate da linda “Quase Sem Querer”, com Dado solando pra valer; em “O Reggae”, com citação à The Clash, a segunda banda que melhor incorporou o ritmo jamaicano ao rock (Police em primeiro); no peso de “Soldados”, com guitarra-metralhadora e tudo; e na pleonástica perfeição de “Perfeição”, rara composição de Renato Russo.Desafio também é, com um repertório de tantos sucessos, tocar a íntegra de um único álbum, e com as músicas na ordem em que foram gravadas, uma vez que, em um show, nem sempre funciona da mesma forma. Pense que muitas dessas onze músicas não eram tocadas ao vivo (ou eram pouco tocadas), mesmo na época em que o disco saiu. Por isso nem os legionários conhecem detalhes de faixas como “A Dança”, “Baader-Meinhof Blues” ou “Perdidos no Espaço”, quebrando o clima de karaokê desenfreado, o que é muito bom. O disco, também, é executado no talo, sem um alô por parte dos músicos, reforçando o caráter punk do repertório inicial da Legião, e de certo modo refazendo o apreço da dupla Dado e Bonfá por esse material, desde sempre defenestrado pela banda, por conta da produção oferecida pela gravadora, fato comum com discos de estreia de bandas dos anos 1980. O palco inicialmente escuro, com projeções em preto e branco, contribui para o clima roots/rude.

André Fratesqui canta com a camiseta lançada ao palco pelo público; no fundo o baixista Mauro Berman
Nada subtrai a expressão de felicidade de Dado Villa-Lobos, que, assim como Bonfá têm o direito de usufruir de sua própria obra. Outros destaques de uma noite para anotar no caderninho são “Ainda é Cedo”, que fica bem com o gogó de Bonfá e realça o baixo do animado Mauro Berman; a climática “Angra dos Reis”, talvez a que mais sofre modificações para melhor, graças aos generosos teclados de Roberto Pollo; e “Índios”, com os vocais espalhados pelos três e um extraordinário arremate instrumental. Olhando assim, a participação do Paralamas em “Será” (repetida no bis), “Conexão Amazônica” e numa torta “Que País é Esse?” parece só um capricho da história. Mais perto do final do show, Frateschi, já totalmente aceito, veste uma camiseta lançada pela plateia ao palco, e se junta como um deles ao sacar a tirada: “Nós legionários esperamos 20 anos por esse show que está acontecendo aqui e agora!”. Ele tem razão.

O compenetrado Dado, que se emociona e não esconde a felicidade de seguir em frente com a nova Legião
1- Será
2- A Dança
3- Petróleo do Futuro
4- Ainda é Cedo
5- Perdidos no Espaço
6- Geração Coca-Cola
7- O Reggae
8- Baader-Meinhof Blues
9- Soldados
10- Teorema
11- Por Enquanto
12- Tempo Perdido
13- Daniel na Cova dos Leões
14- Há Tempos
15- Dezesseis
16- 1965 (Duas Tribos)
17- Eu Sei
18- Pais e Filhos
19- Angra dos Reis
20- O Teatro dos Vampiros
21- Quase Sem Querer
22- Índios
Bis
23- Será
24- Conexão Amazônica
Bis
25- Faroeste Caboclo
26- Perfeição
27- Que País é Esse?
Tags desse texto: Legião Urbana
Parabéns pelo artigo!!!
Esperando o show deles em Fortaleza.
Amigo Marcos,
eu e Raphael Bittencourt ficamos muito emocionados com o show e agora mais ainda com sua monumental avaliação do espetáculo.
Forte abraço,
Alberto Aquino.