O Homem Baile

Bodas de prata

Ratos de Porão celebra 25 anos do álbum “Anarkophobia” e, de quebra, casamento mágico e perpétuo com o Circo Voador. Fotos: Nem Queiroz.

Ratos pra sempre: João Gordo segue muito bem no comando de uma das bandas mais longevas do Brasil

Ratos pra sempre: João Gordo segue muito bem no comando de uma das bandas mais longevas do Brasil

Se existe um encontro feliz nesse mundo do rock’n’roll, ele se dá entre Ratos de Porão e Circo Voador. Parece apelação de folhetim piegas de segunda categoria – e é -, mas isso não pode esconder a verdade irrefutável: Circo Voador e Ratos de Porão nasceram, sim, um para o outro. Com a banda bem ou não, sempre um show do Ratos no Circo é diversão garantida, do início ao fim, e ainda há a nefasta e simbólica lembrança do fechamento arbitrário da casa pelos políticos que o Ratos tão bem descreve, em uma noite junto com Garotos Podres e Serial Killer, lá nas eleições de 1996. Hoje, não. Nesse 30 de setembro, às vésperas de outro pleito, o negócio é comemorar os 25 anos do lançamento do álbum “Anarkophobia”, e a diversão – de novo – é garantida.

Não que seja o álbum o auge do grupo, mas é, de verdade, adorado pelos noventistas de plantão. “Anarkophobia” mostra o Ratos no início de uma curva descendente (entre tantos sobes e desces de uma banda que já dura incríveis 35 anos), depois do antológico “Brasil” e antes de “Just Another Crime in… Massacreland” (1993), frustrada guinada para o industrial. E flagra, mais do que em outras ocasiões, o Ratos abraçado com o thrash metal que brilhava na época, muito à custa do sucesso internacional do Sepultura, e a relação punk X metal ainda era, no mínimo, conflituosa. Tanto que até hoje, por vezes, João Gordo se desculpa ao anunciar uma ou outra música do disco nos shows, sob a alegação de que “o disco é metal, mas tem as letras mais fodas da banda”. Ou, por outra, hoje, não. Porque hoje é dia de festa.

O guitarrista Jão, Gordo e o baixista Juninho na beirada do palco, com o baterista Boka no fundo

O guitarrista Jão, Gordo e o baixista Juninho na beirada do palco, com o baterista Boka no fundo

Por isso as 10 músicas, longas se comparadas com as de outras fases do Ratos, são tocadas com um vigor de impressionar, sobretudo pelo guitarrista Jão, que, possesso, puxa tudo em uma velocidade de largada de corrida de fórmula um. A causa é apoiada com entusiasmo pelo baterista Boka, que há anos mantém uma incrível performance e é um dos melhores no gênero em todos os tempos. O repertório abre o show e segue a ordem em que as músicas aparecem no disco, o que nem sempre é uma boa medida, mas que funciona muito bem, sobretudo em – vamos dizer assim – hits do RDP, como “Igreja Universal”, cantada quase em uníssono no meio da roda violenta que tem até porrada pra valer, e com os três - Gordo, Jão e o baixista Juninho - agitando na beirada do palco; a insossa “Sofrer”, que talvez seja a que mais se aproximou de certo sucesso comercial do Ratos, se é que isso existe; e, por razões óbvias, “Commando”, que apresentou o Ramones a muito fã do Ratos.

Entre as não tão conhecidas, ressalta-se “Morte ao Rei”, que sugere um sonoro “Fora Temer” por parte de Gordo, o que se repete outras vezes durante a noite, numa postura mais esquerdista que anarquista desse verdadeiro líder de algumas gerações; e “Escravo da TV”, que encerra a íntegra de “Anarkophobia” com um inequívoco bater de cabeça e com Jão – repita-se – pilhadaço. Depois, é covardia. O público que já pedia “Aids, Pop, Repressão” desse cedo, se acaba com sequências matadoras como a que enfileira sem clemência “Morrer”, “Crucificados Pelo Sistema” e “Herança”, só para se ter uma ideia. “Amazônia Nunca Mais” é espécie de novidade no set, “Realidades da Guerra” inclui um trecho de “Brasileirinho”, de Waldir Azevedo (e não é a primeira vez) e “Crise Geral” aparece no desfecho numa velocidade tão grande que nem o próprio Gordo consegue se fazer entender – e olha que isso é difícil. Mais uma noite daquelas da duplinha Ratos de Porão/Circo Voador para se anotar no caderninho.

O baixista e agora vocalista do Enterro, Alex Kaffer: back metal de cara limpa denso e pesadíssimo

O baixista e agora vocalista do Enterro, Alex Kaffer: back metal de cara limpa denso e pesadíssimo

Agora, peso mesmo quem colocou nos tímpanos dos incautos que chegaram mais cedo foi o Enterro. O grupo, que inclui dois integrantes da formação clássica do Matanza (Donida em uma guitarra e China na outra, convertidos em Doneedah e Ozorium, respectivamente), investe em espécie de black metal de cara limpa bem ajambrado e – reforça-se – de consistência altamente pesada. De cara, três músicas são emendadas umas nas outras, com citações ao Marduk, só para se ter a ideia de em quais fontes o quarteto bebe. Quarteto porque o vocalista Nihil não está mais na banda, sendo que o baixista Alex Kaffer assume o posto. “Excommunicated”, do segundo álbum; “The Bell of Leprous”, retrato do Mal; e a nova “Corrosive Storm”, veloz, mas que emplaca boa agitação no meio do público, são as mais atraentes da noite, se é que isso é possível na estética reta e soturna do grupo.

Entre as duas pauladas, o americano McRad, veterana banda liderada por Chuck Treece, afamado produtor e músico de estúdio, até que se esforçou, mas o punk rock alternativo do trio, por assim dizer, soou pálido em uma noite tão especial. Trio completado pelo baixista do Ratos, Juninho, que não comprometeu. Embora o público tenha se esforçado um bocado – a roda de pogo não cessa em noite de RDP! -, poucas foram as músicas que realmente pegaram por si só. Entre elas, “Son”, de sotaque mais pop; “TG”, que até parece reconhecida por parte da plateia, na frente do palco; e “Tomorrow’s Headline”, com uns riffs identificados com o metal, no início. Treece também teve problemas com o amplificador, o que contribuiu para diminuir o ritmo da apresentação. É, fica para a próxima.

No comando do McRad, o experiente guitarrista Chuck Treece não foi tão bem assim, antes do RDP

No comando do McRad, o experiente guitarrista Chuck Treece não foi tão bem assim, antes do RDP

Set list completo Ratos de Porão:

1- Contando os Mortos
2- Morte ao Rei
3- Sofrer
4- Ascensão e Queda
5- Mad Society
6- Ódio 3
7- Anarkophobia
8- Igreja Universal
9- Commando
10- Escravo da TV
11- Conflito Violento
12- Em apuração
13- Morrer
14- Crucificados Pelo Sistema
15- Herança
16- Amazônia Nunca Mais
17- Máquina Militar
18- Paranóia Nuclear
19- Aids, Pop, Repressão
20- Beber Até Morrer
21- Realidades da Guerra
22- Crise Geral

João Gordo cospe tijolos, com a imagem da capa de 'Anarkophobia', o aniversariante da noite, no fundo

João Gordo cospe tijolos, com a imagem da capa de 'Anarkophobia', o aniversariante da noite, no fundo

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Comentários enviados

Apenas 1 comentários nesse texto.
  1. Leonardo em outubro 5, 2016 às 12:08
    #1

    Boa resenha, Bragatto. Só discordo sobre o McRad, não conhecia e achei bom, Chuck Treece é uma lenda! Talvez não tenha caído bem por ser pouco conhecido (eu mesmo não conhecia). Já o Ratos é sempre foda, shows comemorativos assim tendem a cair no mais do mesmo mas os caras sempre superam as expectativas. Ver a banda animada depois de tanto tempo de estrada é demais.

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