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Sofrimento

Voz castigada de David Coverdale não tira a animação do cardápio de clássicos no show do Whitesnake no Rio. Fotos: Nem Queiroz.

O líder do Whitesnake, David Coverdale, fazendo aquele esforço para resgatar a voz do fundo da alma

O líder do Whitesnake, David Coverdale, fazendo aquele esforço para resgatar a voz do fundo da alma

Um show do Whitesnake só pode dar errado se a voz de David Coverdale falhar. O problema é que Whitesnake é Coverdale + 10 há mais de 30 anos, e aí nem mesmo um quarteto de backing vocals bem afinado e ensaiado consegue salvar a lavoura. Ou, por outra, é o próprio Coverdale que escapa de um fiasco aqui e acolá, em uma bela performance do maior manipulador de pedestal de microfone da história do rock, mas com a voz falhando muito mais do que se pode esperar de quem conhece as agruras da estrada há tanto tempo. E, a bem da verdade, no meio do excelente público que encheu o Metropolitan, ontem, no Rio, entre preços amargos e promoções generosas, não há um alma viva que atue como fiscal de vocalista. E aí a festa é do tipo vamos todo mundo cantar junto o tempo todo.

Porque embora tenha lançado álbuns com boas músicas em formações mutantes nos últimos tempos, para essa turnê foram selecionados só hits que marcam a trajetória da banda, com o plus de “Burn”, do Deep Purple. O que torna impossível que exista uma alma viva ali na multidão que não conheça boa parte do repertório, até mesmo as da fase pré-laquê, que foram espertamente regravadas com novos arranjos a partir do final dos anos 80 para dar aquele up grade de composição. Aí brilham “Fool For Your Loving”, maior hit da banda daquela fase, e “Here I Go Again”, um clássico temático de Coverdale que ganha uma versão intensa, pesada e com boa voz, por incrível que pareça, no encerramento. E merece menção honrosa “Ain’t No Love in the Heart of the City”, muitas vezes preterida, que entra fundida com a ledzeppeliana “Judgement Day”.

Coverdale com o tradicional pedestal, o batera Tommy Aldridge no fundo e o guitarrista Reb Beach

Coverdale com o tradicional pedestal, o batera Tommy Aldridge no fundo e o guitarrista Reb Beach

Na formação atual o guitarrista Reb Beach é o mais antigo, sem contar o veterano baterista Tommy Aldridge, que participa de várias fases da banda. O mais novo é o outro guitarrista, Joel Hoekstra, que mantém um sorrisão na cara e não disfarça a satisfação de estar no posto. Não é dos mais criativos (nem precisa), mas assume grande parte dos solos das músicas principais, e em seu momento mostra mais feeling e usa até um violão. A imagem mais emblemática, contudo, é a imitação quase perfeita da clássica pose de John Sykes, guitarrista de uma das melhores formações do Whitesnake, com um dos joelhos no piso, a guitarra empunhada na vertical e a cabeleira esparramada para trás. Beach faz mais ou menos o solo habitual, sempre transparecendo Eddie Van Halen como sua grande referência. E o incrível Aldridge, 66, destrói a bateria e finaliza com o tradicional solo com as mãos, sem baquetas, que sempre agrada.

Explica-se a quantidade de solos (o baixista Michael Devin também faz um) pelo fato de que, em cerca de hora e meia de show, David Coverdale precisar de intervalos para descansar o gogó arregaçado nesta que é a última data do giro. E é pouco, porque embora volta e meia ele erga uma taça de cerveja, é flagrado fazendo bochechos com outra solução junto à bateria, na penumbra, em diversos momentos. Não funciona, por exemplo, em “Crying in the Rain”, quando é nítida a passagem do bastão para a plateia em trechos em que a voz simplesmente não sai. Ou quando o semblante o trai ao mostrar a intensidade do esforço empenhado para cantar na sonsa “Is This Love” (e dá-lhe backing vocals), a balada que jamais começou em quase 30 anos de existência. Ou ainda na simples apresentação dos músicos, quando a voz aparece, sim, mas em um tom irreconhecível, dado o estrago dessas pobres cordas vocais.

A ótima dupla de guitarristas da formação atual do Whitesnake, Joel Hoekstra e Reb Beach

A ótima dupla de guitarristas da formação atual do Whitesnake, Joel Hoekstra e Reb Beach

Mas, contraditoriamente - e isso é bom -, as coisas vão muito bem em músicas como “Slow an’ Easy”, que inclui um ótimo duelo de guitarras e Hokstra destruindo no efeito slide, além de uma das melhores passagens de bateria da história do hard rock; em “The Deeper The Love”, com Reb Beach marcando território em debulhado solo na frente do palco; e na já citada “Here I Go Again”, com espécie de congraçamento dos músicos com o público espremido na grade. No bis, “Still of the Night” é salva pela voz de Devin, e “Burn” até que é bem estregue, o que gera ótima interação com o público, ao entoar o cantarolar no meio dos solos, deixando aquela boa impressão de final de show. E isso em uma noite em Coverdale suou três camisas para conseguir terminar. Porque que um show do Whitesnake só pode dar errado se a voz dele falhar.

Set list completo:

1- Bad Boys
2- Slide It In
3- Love Ain’t No Stranger
4- The Deeper the Love
5- Fool for Your Loving
6- Ain’t No Love in the Heart of the City/Judgement Day
7- Solo guitarra Reb Beach
8- Solo Guitarra Joel Hoekstra
9- Slow an’ Easy
10 Solo baixo
11- Crying in the Rain/Solo bateria
12- Is This Love
13- Give Me All Your Love
14- Here I Go Again
Bis
15- Still of the Night
16- Burn

Olhar fixo sobre a plateia, pedestal inclinado e a mão no coração: o gestual clássico de David Coverdale

Olhar fixo sobre a plateia, pedestal inclinado e a mão no coração: o gestual clássico de David Coverdale

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