Mais sujo e mais agressivo
Ratos de Porão revê encontro com o thrash metal e com o mercado internacional ao tocar repertório de 30 anos atrás. Fotos: Nem Queiroz.
Aos marinheiros de primeira viagem, “Cada Dia Mais Sujo e Agressivo” é o álbum em que o Ratos mergulha fundo no thrash metal e salta de verdade para o mercado internacional, sendo que uma versão do disco, sob o título “Dirty And Aggressive”, foi produzido com a letras convertidas para o inglês, pela primeira vez na história do grupo. Da formação da época, resta metade na atual, João Gordo (vocal) e o guitarrista e fundador Jão. Assim, o início do show é promissor, com o grupo enfileirando, já entre as quatro primeiras, bem como no disco, “Plano Furado”, um clássico da História do Brasil anotado pelo Ratos, e “Crise Geral”, um dos maiores sucessos não comerciais do grupo e cujo refrão volta a ser atual, sem clichês desnecessários, ante à apatia generalizada que assume a pauta.
Ocorre que as músicas, embora ensaiadas com correção, ao que parece, são tocadas não como há 30 anos, mas como o Ratos é hoje. Explica-se que o grupo largou o thrash na estrada há tempos e, nos últimos discos e shows têm mostrado um crust grosseirão que passa por cima de tudo e de todos sem prestar condolências. O que quer dizer que as músicas – qualquer uma delas – são tocadas em uma velocidade abissal, e se o sujeito menos atencioso der mole, nem vai reparar que uma de suas favoritas está sendo executada antes de terminar. E não só pela performance descomunal do baterista Boka, mas - e sobretudo - por uma incrível disposição de Jão, de verdade cada dia mais agressivo e sujo; e João Gordo é que se dane para cuspir seus tijolos e se fazer entender. Há até quem esteja discutindo, até agora, com o ouvido zumbido, se essa ou aquela outra entrou ou não no repertório.Pois no computo final nem rolou a íntegra do tal disco, mas as que foram tocadas – sete no total, caso a conta não falhe - não fizeram feio. Além do começo assustador, brilham hinos como “Sentir Ódio e Nada Mais”, um verdadeiro esplendor de palhetadas thrash cujo conteúdo, no olhar de hoje, faz parecer ainda mais profético, ao ser vomitado em 1987; e a avassaladora “Pensamentos de Trincheira”, um hardcore metálico arrasa quarteirão, caso o termo existisse. Em contrapartida, uma pérola como “Exército de Zumbis”, gravada apenas para um split com o espanhol Looking For An Answer, em 2012, aparece em um bloco menos conhecido que inclui ainda “Expresso da Escravidão” (“Homem Inimigo do Homem”, 2006) e “Engrenagem” (Onisciente Coletivo”, 2003). Do mais recente, “Século Sinistro”, de 2014, só a discreta “Sangue & Bunda”.
De um modo ou de outro, para a horda que estrebucha no meio do salão, tudo pode não passar de detalhes que têm pouca importância, dada a prioridade total na ignorância sonora. Mas a coisa muda de figura com peças do naipe de “Beber Até Morrer” e de “Aids, Pop, Repressão”, recebidas com fôlego renovado, assim como nota-se ausências como “Vida Animal”, “Farsa Nacionalista”, “Que Vergonha”, “Paranoia Nuclear” e por aí vai. Ao mesmo tempo em que, vamos e venhamos, João Gordo já não esconde o cansaço depois de uma horinha só de show, o que confere ao grupo nos dias de hoje uma apresentação dentro do possível. E que, nesses termos, intensidade é o que não falta, em noites cujo encontro de Ratos de Porão com o Circo Voador, feitos um para o outro, como se sabe, jamais serão em vão.Set list completo:
1- Tattoo Maniac
2- Plano Furado
3- Ignorância
4- Crise Geral
5- Morrer
6- Mad Society
7- Crianças Sem Futuro
8- Ascensão e Queda
9- Beber Até Morrer
10- Máquina Militar
11- Sangue & Bunda
12- Banha
13- Arranca Toco
14- Exército de Zumbis
15- Expresso da Escravidão
16- Engrenagem
17- Pensamentos de Trincheira
18- Peste Sexual
19- Sentir Ódio e Nada Mais
20- Crucificados Pelo Sistema
Bis
21- Aids, Pop, Repressão
22- Igreja Universal
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Sei lá se sou sempre do contra, mas foi um dos melhores Ratos de minha sobrevida nefasta!
Repertório antigo. E cada vez mais atual. Brasil, desordem e retrocesso.
Me lamento muito por ter perdido esse show. Ratos cada vez mais esporrento e foda-se como deve ser um show de hardcore.