Aeróbico
Móveis Coloniais de Acaju desfruta de momento clássico no Festival Dosol; androginia rocker de Thiago Pethit e afirmação do Camarones são outros destaques do sábado. Foto: Rafael Passos/Divulgação Dosol.
Mas antes da sobremesa, o prato principal. E que prato. Em cerca de 90 minutos de bola rolando, o Móveis manteve a plateia atuando praticamente o tempo todo como um exercício aeróbico comandado não só pela música, mas pelos salamaleques do vocalista André Gonzales. Mesmo com uns quilinhos a mais, seu mínimo gesto é comando para que o povão reaja como se fosse a trupe de dançarinas do Faustão. E quando a música também contribui, o bicho pega pra valer. Caso de “Cão Guia”, quando o povão segue cada gesto do vocalista; “E Agora, Gregório?”, que abre os trabalhos com um pula-pula generalizado; e “O Tempo”, pedida em coro, já no bis.
Com o passar dos anos, a famosa roda de ciranda aberta no meio do público foi sendo substituída por uma participação menos extravagante. Agora, em “Copacabana”, uma das antigas, o saxofonista Paulo Rogério recebe Gonzales que chega cantando “A Roda”, de Sarajane, enquanto se refresca com um dos ventiladores umedecidos do Palco Petrobras. Ressalta-se que o grupo está desfalcado de dois integrantes, o que, dada a formação numerosa, não chega a ser percebido. A maior parte das músicas incluída é do álbum “Complete”, que se firmou como o mais querido deles, em que pese a boa recepção do disco de estreia.Poucas músicas do trabalho mais recente, “De Lá Até Aqui”, de 2013, entram no set, o que salienta a atuação do Móveis como (já?) um grupo clássico no confuso mercado independente desse Brasilzão. E aí é difícil superar o modo Los Hermanos como referência, sobretudo quando arranjos flagrantes permanecem em músicas como a ótima “Perca Peso” e “Bem Natural”. Mas aí, cada qual com suas vocações, lembrando que a formação do grupo tem mudado à beça. O show tem também homenagem à luta das mulheres, com discurso e tudo; encerramento com jeitão de micareta; e até a inclusão de uma música a mais no bis, em relação ao set inicialmente planejado. Não dá mesmo para reclamar, Natal.
Cidade onde quem dá as cartas é – quem diria – Thiago Pethit. Mesmo com os horários do Palco Dosol descontrolados e sem que a informação chegasse ao público, tinha gente pra dedéu abarrotando o Centro Cultural. Pethit, um matusquela com requebrado de Mick Jagger ensaiado em academia, tem total domínio do povão, que conhece e canta cada música, tudo ensaiadinho. Figurinada no estilo Latino antes de “Festa No Apê”, sua banda tem bons músicos que cantam com ele e são muito bem entrosados. É o que dá suporte para o cantor, com performance mais que convincente, brilhar intensamente com um forte apoio do público.As letras, com inglês e português misturados, giram num misto de rock’n’roll andrógino e provocante que instiga o público a se jogar. Músicas como “Save the Last Dance”, que termina com todo mundo cantando à capela; “Rock’n Roll Sugar Darling”, que abre a noite com ótima batida para ser acompanhada com palmas - e é amplamente o que acontece -; e “Eu Quero Ser Seu Cão”, um mix de Stooges com Guns N’Roses”, são bons destaques de um show catártico que extrapolou o tempo previsto no festival com todo o endosso necessário. E ainda teve salto sobre a plateia, com direito a beijos e abraços em fãs de todos os sexos, incluindo a escolha de Pethit por um premiado para subir no palco.
Não dá para chamar de surpresa, mas o Camarones Orquestra Guitarrística, a banda local mais internacional de que se tem notícia, arrebentou. Não é nada, não é nada, de tanto rodar por aí, o grupo está um invejável nível de performance de palco, em que pese o retorno inesperado do guitarrista Leo Martinez. É ele quem se destaca em evoluções de guitarra das mais cativantes, como em “Corra Bátima” e “Silêncio, Barulho à Vista”, duas raras composições que crescem muito ao vivo. O que se percebe com facilidade, também, é a alegria de tocar de cada um dos integrantes, em trocas de olhares e na própria agitação de palco em si.Polaroide que aparece em “Cat Friend”, curiosamente dedicada a quem tem gato e cachorro em casa(?!). A música fornece uma daquelas paradinhas como se cada qual não soubesse o que fazer, o que impulsiona a puxada de palmas por parte do público. Anderson Foca se dedica agora com mais ênfase a outra guitarra, o que encorpa ainda mais o som como um todo, e Ana Morena segue no centro das atenções com os já clássicos rodopios descabelantes. Outra pedrada chicletuda que funciona que é uma beleza é “Festa dos Gatos” (de novo), com um ótimo desfecho, num show que realça o Camarones como uma das bandas médias que dão certo nesse Brasil varonil.
Escalado num dia de sonoridade menos pesada, o Marrero, de São Paulo, fez um ótimo papel, ainda cedo. O repertório pesado e arrastado da banda, com letras em português, é dos mais interessantes, mesmo que a entrada de um baixista seja básica necessidade. Quem viu, gostou. Pesado também é o Moloko Drive, banda local das novas, mas identificada com Queens Of The Stone Age e afins. Com músicos cascudos com experiências de outros grupos – o baixista Paolo foi do Bugs e o guitarrista Vinícius Menna toca no Fukai – o quarteto tem tudo para emplacar. Assim como Thiago Pethit, o Medulla também tem público fiel em Natal: mal entra no palco e é um tal de cantar junto e de gritar o nome do grupo em coro. A surpresa na tarde foi o Skabong, de Sergipe e que, como diz o nome, é uma superbanda de ska com naipe de metais e tudo. São boas as composições e o céu é o limite.Com tanto tempo de história, o Automatics merecia uma posição melhor na programação, mas não se intimidou com os atrasos da produção nem com a chuva ligeira, e fez tremer o Estúdio Petrobras, um palquinho arretado dentro de um container. Com boa aceitação de um público que encheu o Palco Petrobras, o local Plutão Já Foi Planeta investe em um pop rock por vezes colante, noutras enfadonho. Se parar o rodízio de instrumentos, a coisa tende a melhorar, muito embora já existam hits locais que todo mundo gosta. O rockabilly clássico do The Bop Hounds compõe muito bem o numeroso elenco do festival, e a mistura de Muse com Radiohead e sotaque maranhense do Soulvenir é até interessante. E o Ermo, atração internacional de Portugal, não é banda, mas discotecagem. E esquisita pacas.

O experiente Automatics superou problemas técnicos e até uma inesperada chuva, dentro de um container
1- E agora, Gregório?
2- Descomplica
3- Vejo em Teu Olhar
4- Campo de Batalha
5- Amor é Tradução
6- Menina Dança
7- Cão Guia
8- Perca Peso
9- Bem Natural
10- Copacabana
11- Lista de Casamento
12- Novas Suingueira
Bis
13- Adeus
14- Dois Sorrisos
15 - O Tempo
16- Indiferença
O festival Dosol continua neste domingo. Clique aqui para ver a programação completa.
Marcos Bragatto viajou á Natal à convite da produção do festival.
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Pena ter esquecido de mencionar no seu texto o melhor e mais aguardado show da noite, Figueroas, e que show quente!